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O (des)equilíbrio entre Poderes: as medidas provisórias e a PEC nº 70/2011

16 de dezembro de 2013

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LeonardoO instituto das medidas provisórias é repleto de controvérsias. Previsto no art. 62 da Constituição da República, as referidas medidas são adotadas em caso de relevância e urgência. Não se confundem, portanto, com as leis de iniciativa privativa do presidente da República, cujas hipóteses estão elencadas no art. 61, § 1o, da Lei Maior.

Embora seja usual a comparação da medida provisória com o decreto-lei, tendo em vista o esteio no modelo italiano1, cuidam-se de instrumentos distintos. O acalorado debate ocorrido durante a constituinte revelou essa diferenciação. Era evidente o clamor para se extinguir o decreto-lei, sem, contudo, retirar do Poder Executivo um meio capaz de suprir eventual detença do Poder Legislativo para deliberar sobre determinadas matérias.

Por essa razão, adotou-se a medida provisória como saída para garantir ao Poder Executivo um mecanismo legiferante, porém não autoritário. Dessa forma, editou-se o art. 62 da Carta da República, que, com a alteração trazida pela Emenda Constitucional no 32/2001, dispõe que as medidas não convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogáveis por igual período, perdem sua eficácia, consoante o comando do § 3o do mencionado dispositivo.

Não obstante, ressalte-se que a regra insculpida no § 6o do mesmo art. 62 determina a entrada da medida provisória em regime de urgência se não for apreciada em até quarenta e cinco dias, sobrestando-se todas as demais deliberações legislativas da Casa do Congresso Nacional respectiva.

Tem-se, com efeito, um sistema que provoca verdadeira engessadura na pauta de votação do Parlamento brasileiro, medida que colide frontalmente com o Estado
Democrático de Direito, revolvendo o (des)equilíbrio
entre os Poderes Executivo e Legislativo.

Com a finalidade de restabelecer parâmetros acerca da votação das medidas provisórias, editou-se proposta de emenda constitucional autuada sob o nº 70/2011, que altera substancialmente o art. 62 da Constituição da República. A proposta fixa prazo de 80 e 30 dias para votação pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, respectivamente. Nos referidos períodos, as comissões de constituição e justiça têm 10 dias para apreciar a constitucionalidade da medida provisória.

Se a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem em até 70 e 20 dias, respectivamente, a medida provisória entra em regime de urgência, sobrestando-se as demais deliberações legislativas, ressalvadas aquelas que possuem prazo constitucional determinado.

Dessa forma, a proposta sob exame reproduz a regra contida no § 2º do art. 64 da Lei Maior, aplicável, por ora, aos projetos de lei de iniciativa do presidente da República.

Com esteio no comando do § 2o do art. 202 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, criou-se “Comissão Especial destinada a apreciar e proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição no 70-A, de 2011”, cujo objetivo é proceder à análise meticulosa de seu mérito, pelo prazo de quarenta sessões, além de poder receber emendas nas primeiras dez sessões.

Caberá à comissão especial lançar, sob a forma de parecer, os resultados obtidos com o exame do mérito da proposta. Nessa esteira, o aludido órgão colegiado convocará diversas audiências públicas para debater a matéria, com palestrantes convidados, ampliando-se o diálogo com especialistas e a sociedade civil, criando-se, com efeito, um canal democrático de reflexão.

A propositura de alterações ao art. 62 da Constituição da República decorre do sistema republicano vigente. A análise da proposta por comissão especial, regra regimental mandatória, permitirá uma conclusão detalhada e insculpida de segurança jurídica, garantindo-se o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes Executivo e Legislativo.

Nota ____________________________________________________________

1 A Constituição italiana preceitua em seu art. 77: “O governo não pode, sem delegação das Câmaras, promulgar decretos que tenham valor de lei ordinária. Nos casos extraordinários de necessidade e de urgência, o governo poderá adotar, sob sua responsabilidade, providências provisórias com força de lei. Deve, contudo, apresentá-las no mesmo dia para apreciação das Câmaras que, mesmo dissolvidas, são convocadas e devem reunir-se dentro de cinco dias. Os decretos perdem o seu poder legal desde o início se não convertidos em lei no prazo de sessenta dias a partir da sua publicação. As Câmaras podem, contudo, regulamentar com lei as relações jurídicas surgidas na base dos decretos não convertidos em lei.”

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