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Desmembramento da ação penal como prerrogativa de foro

28 de maio de 2015

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leonam_gondimO art. 29 da Lei Penal Substantiva é claro ao 

dispor que “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

No processo penal, a individualização da conduta e, por corolário, da eventual cominação da pena, desponta como objetivo precípuo, de modo que não se pode dizer que os fatos estejam emaranhados de tal forma que separar o julgamento de uma ação penal causaria prejuízo à prestação jurisdicional.

Sabe-se que cada coacusado pode produzir as provas que reunir em seu favor e desconstituir aquelas que lhes são desfavoráveis e tais atos não dependem deste ou daquele envolvido no fato delituoso.

A Constituição da República, no artigo 102, I, alínea “b”, define a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar, originalmente, nas infrações penais comuns, os membros do Congresso Nacional, que exercem o Poder Legislativo, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal (art. 44).

A prerrogativa de foro decorre da importância do cargo público que a pessoa ocupa, por isso que ela é julgada pelos órgãos superiores e não pelos comuns, dispondo o art. 69, VII, da Lei Penal Adjetiva, que “Determinará a competência jurisdicional: a prerrogativa de função”.

O Plenário do Supremo Tribuna Federal, em razão da matéria, alterou sua jurisprudência por ocasião do julgamento do AgRg no Inq 3515/SP, ao adotar, como regra geral, o desmembramento dos processos que envolvessem coacusado com prerrogativa de foro, excepcionando somente aqueles que, a prima facie, tornassem infrutífera a prestação jurisdicional. O precedente foi assim ementado:

Recurso –  Prazo – Termo Inicial – Ministério Público. A contagem do prazo para o Ministério Público começa a fluir no dia seguinte ao do recebimento do processo no Órgão. Competência – Prerrogativa de Foro – Natureza da Disciplina. A competência por prerrogativa de foro é de Direito  estrito, não se podendo, considerada a conexão ou continência, estendê-la a ponto de alcançar inquérito ou ação penal relativos a cidadão comum. (STF – INQ 3515 AgRg/SP – Tribunal Pleno – Min. Marco Aurélio – Pub. DJe de 14.03.2014). Outros precedentes: Inq 2903 AgR, Tribunal Pleno,  Min. Teori Zavascki, Pub. Dje de 01.07.2014; Inq 3412 ED/AL, Tribunal Pleno, Min. Rosa Weber, Pub. No DJe de 08.10.2014).

Por certo, prudente é concordar com o Pretório Excelso e extrair um trecho da decisão do Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio que, apreciando a matéria no primeiro aresto acima expendido, ponderou:

Descabe interpretar o Código de Processo Penal conferindo-lhe alcance que, em última análise, tendo em conta os institutos da conexão e continência, acabe por alterar os parâmetros constitucionais definidores da competência […]. Argumento de ordem prática, da necessidade de evitar-se, mediante a reunião de ações penais, decisões conflitantes, não se sobrepõe à competência funcional estabelecida em normas de envergadura maior, de envergadura insuplantável como são as contidas na Lei Fundamental.

Oportuna é a manifestação do Exmo. Sr. Ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto escrito, ao julgar o caso em comento:

A leitura sistemática da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal permite identificar uma certa variação, ao longo do tempo, nos critérios para se determinar o desmembramento de inquéritos e ações penais. Os julgados mais antigos parecem se inclinar por uma aplicação isolada do art. 80 do Código de Processo Penal, que permite ao juiz optar pelo desmembramento por motivo de conveniência para a prestação jurisdicional. A hipótese mais comum, como se sabe, diz respeito aos casos em haja uma quantidade elevada de envolvidos.

Continua ainda:

Na prática, essa orientação parece partir da premissa de que o desmembramento no âmbito desta Corte seria uma providência excepcional, regida preponderantemente por uma avaliação de conveniência. Ainda que essa lógica faça sentido em relação aos órgãos jurisdicionais de primeira instância, o raciocínio não atribui a devida relevância ao caráter manifestamente excepcional do foro por prerrogativa de função e, por consequência, da competência do STF para o processamento de inquéritos e ações penais originárias.

Sustenta que: o desmembramento há de ser a regra, e não a exceção”.

E finaliza:

Nessa linha, o Ministro Ricardo Lewandowski, em suas manifestações mais recentes, tem sustentado que o desmembramento deve ocorrer a menos que “a conduta dos agentes esteja imbricada de tal modo que torne por demais complexo individualizar a participação de cada um dos envolvidos.

O Superior Tribunal de Justiça, no âmbito de sua competência, admite o mesmo entendimento. Ei-lo:

Mesmo quando há multiplicidade de réus, sendo que apenas alguns deles possuem prerrogativas de foro, admite-se o desmembramento do processo se as particularidades do caso concreto assim exigirem, até mesmo porque o foro especial e excepcional, não devendo ser estendido, em regra, àqueles que não o possuem. Precedentes do STF. (STJ – HC 259177/MG – Quinta Turma – Min. Jorge Mussi – Pub. DJe de 25.09.2014).

Registra-se en passant, que nem mesmo o crime de formação de quadrilha (art. 288, do CP) impede o desmembramento do processo, já decidindo o Pretório Excelso que “[…] há a possibilidade de separação dos processos quando conveniente à instrução penal, […] também em relação aos crimes de quadrilha ou bando (art. 288, do Código Penal) (AP-AgR n. 336/TO, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 10.12.2004). Agravo regimental improvido. STF – Tribunal Pleno – Inq 2527 AgR/PB – Min. Ellen Gracie – Pub. DJe de 26.03.2010. No mesmo sentido: STJ – Resp 1315619 – Quinta Turma – Min. Campos Marques (Des. Convocado do TJ/PR) – Pub. DJe de 30.08.2013”.

É importante que se diga aqui que a Ação Penal no 470 (mensalão) foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal com base no instituto da conexão (art. 80, do CPP), mesmo tendo o relator, então Ministro Joaquim Barbosa, em questão de ordem, sugerido o desmembramento em decorrência da prerrogativa de função, sendo vencido por maioria, prevalecendo equivocadamente à norma infraconstitucional no momento em que alterou a competência da Corte Suprema, ferindo de morte, também, o princípio do juiz natural quando julgou acusado sem foro especial.

Assim, não resta dúvida de que, independentemente do número excessivo de acusados, até mesmo em obediência ao princípio da razoável duração do processo, o desmembramento tem de ser a regra para que haja uma justa prestação jurisdicional, devendo prevalecer à competência não por continência ou conexão, mas por prerrogativa de função, com apoio no art. 102, I, b, da CR, sendo certo que a mesma linha de raciocínio deve ser seguida pelos Tribunais de Justiça com ralação aos deputados estaduais e prefeitos, seguindo-se o que é definido pelas respectivas Constituições.