Despenalização do crime de bigamia

26 de fevereiro de 2014

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Que ética é essa que ainda considera a “bigamia” crime, e não, o “adultério”, que desde a lei n°11.106/05, não é mais considerado crime? Então, eu posso trair meu cônjuge, à vontade, desde que ninguém saiba? Mas, se eu resolver assumir meu “segundo cônjuge” em público, oficializando minha união através do casamento, eu cometo “crime de bigamia”,  ainda que meu cônjuge concorde?

Não entendo isso, pois, para mim o que vale é a verdadeira intenção das pessoas e não as aparências. Essa ética falseada pela convenção de que o casamento só pode ser um, é que têm despertado vários crimes passionais. Não seria a hora de rever esses conceitos e valores hipócritas? Afinal, ter mais de um cônjuge, ao mesmo tempo, não poderia ser considerado crime em lugar nenhum, pois, muitas pessoas (mais evoluídas) já não se importam com a exclusividade e possessividade sexual que consideram um valor ultrapassado e mesquinho.

Esses valores exclusivistas e egoístas ignoram a realidade amorosa de muitas pessoas que, apesar de terem mais de um cônjuge, são obrigados a manterem as aparências, escondendo o “segundo cônjuge”, sob pena de serem trancafiados em selas como se fossem verdadeiros criminosos. Muitas vezes esses “criminosos” que constituem mais de uma família, são mais felizes que muitas famílias tradicionais de pessoas fiéis, porém, infelizes.

Já não seria a hora de se rever esses valores egoístas e medíocres e despenalizar a bigamia, assim como foi feito com o adultério? Aliás, essas pessoas que ousam a amar mais de um cônjuge, e construir mais de uma família, deveriam ser exemplos para a sociedade, na medida em que, muitas vezes se sacrificam, sobremaneira, para manterem  mais de um lar, a despeito das dificuldades e preconceitos que enfrentam.

No mundo de hoje, onde reina o egoísmo e o individualismo, isso deveria ser um exemplo de solidariedade e altruísmo. Nos tempos atuais qualquer forma de amor é válida, desde que seja para o aprimoramento da  felicidade conjugal e familiar. A bem da verdade, o amor verdadeiro não deveria ter limites em regras pré-estabelecidas em leis ou contratos.

Aliás, assim como hoje é possível ao casal estipular um regime de bens próprio em seu casamento, através do pacto antenupcial, deveria, também, ser possível estipularem o tipo de casamento que desejam: se monogamia ou se poligamia. Somente quando isso for possível é que teremos alcançado a verdadeira social democracia, em seu sentido mais amplo e democrático, ou seja, sem a exclusão de ninguém, muito menos do(a)s “amantes” que muitas vezes são responsáveis pela total felicidade das famílias ditas tradicionais.

Nesse sentido o direito deveria acompanhar a evolução dos costumes da sociedade e fazer o papel que lhe é próprio, ou seja, regulamentar, através de leis, o maior número possível de situações fáticas e, principalmente, aquelas que foram esquecidas pelo legislador, como é o caso da poligamia. Assim, a poligamia deveria ser repensada e regulamentada por nossos legisladores, mesmo que eles não concordem com essa prática, pois, não é problema do direito estabelecer normas morais e sim identificar e regular  direitos. Enfim, ao Direito, cabe, tão somente, regular e proteger as pessoas e seus direitos de forma igual e sem preconceito. Afinal, todos são iguais perante a lei e merecem a mesma proteção jurídica em suas relações familiares sejam elas quais forem.

Deixo aqui uma questão para reflexão: até que ponto o Estado pode legislar restringindo a formação de novos núcleos familiares diversos da forma como são formados na atualidade, sem restringir o número ou o sexo de seus componentes, e sem discriminar outras formas de família que podem surgir com a evolução da sociedade? Pode mesmo o Estado impedir que pessoas convivam em união familiar e adquiram direitos decorrentes dessa convivência, simplesmente, por que pretendem formar uma família diferente da tradicional? Penso que não, pois, o Estado não pode interferir na vida íntima e familiar das pessoas, principalmente, em relação a questões fundamentais como a busca pela felicidade através da realização pessoal dentro da família, que deve ser protegida de forma que não restrinja as possibilidades múltiplas que existem para formação de novas famílias diferentes das convencionais a fim de realmente proteger o direito fundamental das pessoas de viverem de forma livre, democrática, ética, harmônica, amorosa, responsável e feliz.