Dignidade, ideias e ação

5 de maio de 2003

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A editoria da Revista presta, nesta edição, homenagem e admiração a Senadora Heloisa Helena pela participação marcante de puro posicionamento libertário, virtualmente oposicionista e com uma coerência político-partidária digna de encômios e reconhecimento.

Foram 4 anos em que a destemida e valorosa Senadora usou das prerrogativas legislativas para fustigar os atos, situações e medidas que o Executivo praticou contra seus ideais e, principalmente, o programa do seu Partido.

Sua ações foram claras e objetivas contra teses e programas do Governo, por entender serem contrários aos interesses da Nação e, principalmente, das classes mais carentes e necessitadas da sociedade.

A Senadora Heloisa Helena lutou bravamente contra a política financeira, contra as privatizações desordenadas, contra os acordos financeiros internacionais, principalmente aqueles que vinham com recomendação e chancela do Fundo Monetário Internacional-FMI.

Tendo o seu Partido vencido as eleições, derrotando fragorosamente o Governo contra o qual tanto lutou, estava certa a denodada Senadora, que a situação e as coisas iriam mudar, com a adoção de uma política que iria resgatar todas as batalhas perdidas nos 20 anos de persistente proselitismo e férrea luta, visando conseqüentemente galgar o Governo e aplicar o que tanto se programou e afirmou.

Entretanto, logo após a vitoria eleitoral, mesmo antes do Partido assumir o Governo, constatou, constrangida e revoltada, que tudo quando havia pregado, inclusive com seus companheiros de fé partidária, estava borbulhando como bolhas de sabão.

Nas várias entrevistas que concedeu e em discursos feitos, seu inconformismo pesaroso e revoltado vem à tona, numa demonstração clara e evidente de quem se sente lesada e traída, mas, ainda assim, tem esperança para continuar lutando em busca do que acredita, como se constata do seu vibrante pronunciamento:

ESPERANÇA NA POLÍTICA: – “Só tenho motivos para ser movida pela esperança, Na militância política sempre preferi a Frase “é melhor o coração partido que a alma vendida” o ainda a do velho sermão de Vieira, “o que se não pode calar com a boa consciência, ainda que seja com repugnância, é força que se diga”, E foi assim que fui eleita, Ao me eleger senadora, o povo alagoano destruiu no estado a velha formula decadente e cínica de que, para chegar ao Senado, tinha que nascer em berço de ouro ou freqüentar a cozinha dos pistoleiros ou ser aceiro na varanda dos usineiros”.

MINHA VIDA: – “Não precisei vender o corpo por um prato de comida, E foi no quartinho de empregada, em noite de Natal, que aprendi as primeiras lições de honestidade, Lembro de minha mãe atravessando noites sem dormir, costurando e bordando belíssimas continhas azuis nos vestidos das madames de Maceió, Quando sobravam algumas continhas, eu as olhava com outros pedintes, Sonhando com elas embelezar o vestido da única boneca. E minha mãe me repreendia para que as sobras voltassem à sua dona. Na geografia dessas casas, a fronteira intransponível era a porta da cozinha de onde eu contemplava uma estante repleta de livros com a mais dolorosa convicção de que jamais poderia tocá-los”,

“Sobrevivi como sobrevivem milhões de pobres: enfrentando gigantescas adversidades que as vezes ameaçam esgotar nossa capacidade de reação, num cotidiano perverso de fome, miséria e sofrimento”, “Nos meses de ferias ajudava na plantação e na colheita, revivendo minha mãe Criação. Se lá fui contaminada pelo uso de agrotóxico, foi lá também que aprendi as mais belas lições de amor à natureza. Conheço rodas as flores, os cheiros, as cores, as secas e as trovoadas, os sorrisos e as lagrimas, o barulho da cascavel e o choro de cabritinho perdido”,

HUMILHAÇÃO E REVOLTA: – “Sofri humilhações inimagináveis! As vezes gostaria de esquecê-las para não reviver a dor que marcou profundamente meu corpo e deixou cicatrizes para sempre na alma. Mas prefiro lembrá-las todos os dias para não me permitir esquecer de milhões de outras pessoas que continuam sendo vitimas de uma maldita e cruel hierarquia entre ricos e pobres, brancos e negros e índios, homens e mulheres,”. “Entre os banqueiros de Wall Street e as nossas crianças pobres que disputam com cães e ratos o que comer nos lixões, devemos ficar sempre com as criança, Até para evitar que o nosso governo reproduza o que há muito alertava a Patativa do Assaré: “Somente os ricos na terra tem o seu nome na Historia, .. quando o pobre vence a guerra, o rico alcança a vitória”,

MINHAS LUTAS: – “Quando nas Campanhas eleitorais ou em quaisquer disputas políticas me classificam de negrinha, ginjinha, essa moça ou tentam de alguma forma atingir minha dignidade como mulher ou militante, eu apenas lembro o que já passei na vida e renasço com o sol da manhã seguinte. E digo que podem até me levar ao tronco para apanhar, como faziam com os negros rebeldes que lutavam por liberdade. Podem cortar minhas mãos para que em nada me agarre; cortar minhas pernas para que eu não corra; quebrar meus dentes para que não me proteja, mas eu vou resistir, eu vou! E dizendo para mim mesma o versinho do Lêdo Ivo:

“Quem tapa minha boca/ Não perde por esperar/ o silencio de agora! Amanhã é voz rouca / De tanto berrar!”

MINHA FÉ: – “Foi em Palmeira dos índios, cidade onde passei a maior parte da infância e da adolescência, pelas mãos dos padres alagoanos e das fileiras holandesas que aprendi que o Evangelho coma a historia de luta e libertação dos oprimidos e despreza a subserviência aos grandes e poderosos. Foi também nessa cidade, pela leitura de um velho comunista (Graciliano Ramos), que aprendi a perseverança sob sol escaldante e a importância do coração generoso e da alma libertária. Antes mesmo de conhecer os clássicos da literatura de esquerda, vivi a dor e o sofrimento que os motivaram a pensar em um mundo, como diz Casaldáliga, “livre de todas as cercas que nos impedem de viver e de amar”,

ESPERANÇA NO HORIZONTE: – “Por tudo isso, muitas vezes, principalmente nas tempestades da política, eu fico cantarolando: “Além do horizonte há de ter/ Algum lugar bonito para se viver em paz! Onde eu possa encontrar a natureza! Alegria e felicidade com certeza! Lá nesse lugar o amanhecer é lindo/ Com flores festejando mais um dia que vem vindo/ Onde a gente pode se deitar no campo / Se amar na relva escutando o Canto dos pássaros/ Aproveitar a tarde sem pensar na vida! Andar despreocupado sem saber a hora de voltar/ Bronzear o corpo todo sem censura/ Gozar a liberdade de uma vida sem frescura! Se você não vem comigo, tudo isso vai ficar/ No horizonte esperando por nos dois/ Se você não vem comigo, nada disso tem valor/ De que vale o paraíso sem amor…”