Direito de invenção do empregado

26 de abril de 2016

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Introdução

Por que o homem inventa?

Para uns, o impulso criativo aplicado pelo homem a um bem material, cultural ou institucional, ou a qualquer alteração significativa do que já existe, é um aspecto permanente da história humana. A capacidade inventiva do homem seria inata e não teria um porquê.[1] Para outros, o homem inventa para obter um bem. Bem, é qualquer coisa capaz de satisfazer a um desejo, isto é, a um interesse. Admitir que algo ou alguma coisa existe no interesse do indivíduo ou da coletividade é o mesmo que afirmar que isso promove, de alguma maneira, o bem-estar de um, ou de todos.[2]

De uns tempos para cá, empregados têm acionado a Justiça do Trabalho para discutir a titularidade de seus inventos na constância do contrato de trabalho. Saber a quem pertence um invento produzido na constância do contrato de trabalho implica definir, a priori, qual é o núcleo desse contrato, e que tipo de contrato liga o empregado à empresa.

É bem aceita na doutrina a lição de que o contrato de trabalho é de atividade, não tem conteúdo específico e resume uma obrigação de fazer. Essa obrigação de fazer é em si mesma um valor, um bem ao qual o direito – particularmente o do trabalho – empresta algum tipo de proteção.

Na execução do contrato de trabalho, que é, como dito, de atividade, pode ser que o empregado tenha sido contratado exatamente para isso: inventar. Nesse caso, como inventar é o núcleo do contrato de trabalho, entende-se que o invento produzido como consequência natural desse contrato pertence exclusivamente à empresa porque foi para isso que contratou e salariou o empregado. A obrigação de fazer do empregado exaure-se no ato de inventar, e a do patrão, na de pagar o salário combinado. Diz-se, nesse caso, que se trata de “invenção de serviço”, isto é, a criação é idealizada pelo empregado como decorrência natural daquilo para o qual foi contratado e pago. Pode ocorrer que o empregado não tenha sido contratado para inventar, mas, como um lampejo criativo, produza algo necessário ou economicamente útil à empresa além daquilo para o qual foi contratado. Nesse caso, como a sua atividade principal não era a de inventar, o invento criado é ultra vires contratualis, isto é, para além das forças do contrato, e já que sua criação é um bem que interessa financeiramente à empresa, é preciso definir quem é titular dos direitos intelectuais sobre a criação, qual o seu efetivo valor econômico e de que forma remunerar o inventor.

É disso que trato aqui.

 

O que é invento?

Invento é toda criação do espírito. A palavra “invento” provém do latim “invenire”, que significa “encontrar”, “descobrir”. Mas inventar não é simplesmente descobrir. Como Kant advertiu, “A coisa que se descobre admite-se como já preexistente, apesar de ainda não conhecida, como a América antes de Colombo; contudo, o que se inventa, como a pólvora, não existia em absoluto antes de quem a inventou”.[3]

Do ponto de vista jurídico, considera-se invento a atividade criativa do homem que seja dotada de novidade, utilidade, industriabilidade e desimpedimento[4].

Quando se exige que o invento como criação humana tenha de conter novidade, o que se quer dizer é que deve ir além do simples “estado da técnica”, ou “estado da arte”, isto é, por mais que o invento se aproprie de métodos, sistemas e propriedades conhecidos, sua criação não estava acessível ao público em geral, ou aos especialistas, antes do depósito do pedido da patente.[5] Utilidade é a característica de algo que está além do evento em si.[6] O invento deve ter uma função concreta, econômica, utilizável para a satisfação de uma necessidade humana. Industriabilidade é a característica do que é possível, realizável e repetível segundo o que foi planejado pelo inventor. Por fim, por desimpedimento[7] entende-se a característica do invento que não contraria a moral, os bons costumes, a segurança, a ordem e a saúde públicas.

Fixadas essas premissas, não se consideram inventos[8] nem modelo de utilidade as descobertas, as teorias científicas e métodos matemáticos; as concepções puramente abstratas; os esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização; as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética; os programas de computador em si; a apresentação de informações; as regras de jogo; as técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico para aplicação no corpo humano ou animal; e o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

 

Quem é o dono do invento?

Até o advento do Código de Propriedade Industrial, a divisão da titularidade do invento era tratada no art. 455 da CLT. Os inventos pertenciam, em partes iguais, ao empregado e ao patrão, exceto se o núcleo do contrato de trabalho fosse a pesquisa científica, isto é, se o empregado tivesse sido contratado justamente para inventar. Nessa hipótese, entendia-se que o seu esforço inventivo já estava antecipadamente remunerado pelo salário ajustado em contrato e que o invento pertencia exclusivamente ao patrão, desde que efetuasse o registro da patente em seu nome em até um ano da sua criação, sob pena de perder a propriedade do invento para o empregado. O tema, agora, é tratado na Lei no 9.279/1996, que se aplica ao direito do trabalho por autorização expressa do art. 9o da CLT.

O direito de propriedade intelectual sobre o invento do empregado varia segundo a natureza do contrato de trabalho. Não é possível saber a quem pertence o invento nascido na constância desse contrato senão depois de definido o tipo de obrigação de fazer que liga o empregado ao patrão. Se o empregado é contratado justamente para inventar, desenvolver, criar ou aperfeiçoar, sua atividade inventiva é o próprio núcleo do contrato de trabalho e todo invento subentende-se remunerado pelo salário estipulado no contrato. A lei diz que, nessas hipóteses, o invento criado pelo empregado já se acha remunerado pelo salário ajustado em contrato, embora faculte ao empregador, proprietário do invento, dar ao empregado-inventor alguma participação nos resultados econômicos da sua exploração. Essa quantia, se paga, não se incorpora ao salário do empregado, a qualquer título.[9]

Para evitar que o empregado contratado para inventar se aposse de invento criado na constância do contrato de trabalho, a lei[10] presume desenvolvidos na vigência do contrato de trabalho qualquer invenção ou modelo de utilidade cuja patente seja requerida pelo empregado em até um ano depois do término do contrato de trabalho. Essas mesmas regras valem para os inventos produzidos na constância de contratos de estágio, contratos com servidores públicos e até mesmo em relações autônomas de trabalho, ainda que o prestador desses serviços seja pessoa jurídica cujo objetivo social seja a criação e a pesquisa tecnológica.

Se o empregado não foi contratado para inventar, o produto de seu engenho será de sua exclusiva propriedade, desde que não tenha qualquer relação com o contrato de trabalho ou com a prestação de serviços e contanto que o inventor não tenha utilizado recursos, meios, dados, materiais, instalações ou equipamentos do empregador.[11]

Por fim, a invenção pertencerá a ambos, em partes iguais, quando for fruto do esforço comum, isto é, da contribuição pessoal do empregado e do patrão, ou da contribuição pessoal do empregado e utilização dos recursos, meios, dados, materiais, instalações ou equipamentos do empregador. Se mais de um empregado participar do invento, a parte que lhes couber será rateada entre eles em partes iguais, mas a maior ou menor participação de cada um no rateio poderá ser ajustada em contrato.[12]

 

O que é “justa remuneração”?

Nos casos em que o empregado inventa, mas não fora originariamente contratado para inventar, o direito de invenção lhe pertence, mas o direito de exploração é exclusivo do patrão. Ao empregado, a lei apenas assegura “justa remuneração” pelo invento. O conceito de “justa remuneração” não está na lei.[13] Trata-se de conteúdo aberto que permite ao juiz decidir, por equidade, a extensão do conceito. Em regra, “justa remuneração” equivale à quantia a que o empregado teria direito se explorasse o invento por conta própria, deduzidos os custos e encargos do patrão na cessão dos meios, materiais e tecnologia necessários à sua realização. As partes são livres para combinar o pagamento de uma só vez ou em parcelas, durante o contrato ou até mesmo para após a sua terminação. Essa quantia não se incorpora ao salário, mas à remuneração, e não pode sofrer descontos para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou para o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS). É nula qualquer cláusula contratual em que o empregado renuncie antecipadamente à remuneração por invento que possa vir a realizar na constância do contrato.

Há nítida diferença de tratamento remuneratório entre o empregado comum que inventa e o servidor público. Para este, a lei prevê o direito a uma premiação de valor igual às vantagens auferidas com o pedido ou com a patente, limitada a um terço do valor das vantagens auferidas pelo órgão se o invento se incorporar inteiramente ao órgão público. Tanto quanto as quantias eventualmente pagas ao empregado comum por seus inventos, essa participação não se incorpora aos vencimentos do funcionário público.[14]

Não havendo acordo dispondo de outro modo, e desde que não haja razão fundada para o descumprimento desse prazo, a exploração da patente do invento do empregado, pelo empregador, deverá ocorrer em até um ano contado do dia da sua concessão pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sob pena de a titularidade da patente se transferir ao empregado, exclusivamente.

 

Competência material

Em regra, a competência material da Justiça do Trabalho restringe-se às demandas entre empregado e patrão versando sobre relação de emprego, isto é, aqueles negócios jurídicos em que há pessoalidade, habitualidade, subordinação jurídica e onerosidade. A redação do art. 114, da Constituição Federal de 1988, amplia essa competência material para abarcar pretensões decorrentes das relações de trabalho, ou seja, aquelas em que há prestação de serviço sem subordinação jurídica, desde que não configurem relações de consumo.

Embora não haja consenso na jurisprudência, os tribunais tendem a firmar a competência material da Justiça do Trabalho para decidir as questões decorrentes da disputa pela titularidade do invento do empregado. Vejamos:

Remuneração. Participação nos Lucros. Invenção Ou Aperfeiçoamento. Competência da Justiça do Trabalho.

A competência da Justiça do Trabalho para apreciar controvérsia em torno de invenção ou aperfeiçoamento, que não deixa de ser um trabalho inventivo, por parte do empregado, é determinada pela Lei no 5.772/71, e artigo 454 da CLT, este abrangido pela referida lei e não revogado. A competência firma-se em decorrência do contrato de trabalho, sem o qual tal criação não teria ocorrido”. Acórdão no 2.502, de 27.9.1988, Reapreciação do Recurso de Revista, Processo no 1.426, 1a Turma, 5a Região, publicado no DJ de 25.11.88, pg.31.160, relator Min. Sebastião Machado Filho”.

 

Patente de Invenção. Aperfeiçoamento introduzido em máquinas de fabricar frascos. Competência da Justiça Estadual para decidir sobre o uso da Patente.

Invenção que decorreu de desempenho de ex-empregado durante a relação empregatícia. Aplicação do art. 40, parágrafo único, do Código de Propriedade Industrial. Deferimento de uma indenização mensal a partir do depósito da patente até a data da venda das máquinas, correspondente ao salário que o autor percebia quando se despediu do emprego, devidamente corrigido e com os juros legais. Provimento parcial do recurso. Apelação Cível no 2.868/87, reg. 160.688, cód. 87.001.02868 – 1a Câmara Cível – Des. Pedro Américo – Julgamento em 15/12/87.

 

Processual Civil. Conflito negativo. Método de produção gráfica inventado por empregado. Ação indenizatória movida contra a ex-empregadora. Natureza trabalhista não configurada. Justiça Estadual. Competência.

Compete à Justiça Estadual julgar ação indenizatória movida por ex-empregado à antiga empregadora, pelo uso de método de produção gráfica por ele inventado. II. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo de Direito suscitado, da 2a Vara Cível do Foro Regional da Lapa, São Paulo, SP.STJ – CC 16.767/SP – Conflito de Competência (1.996/18.237-0) – DJ de 22/11/1999, p. 143 – 2a Seção – Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior – 27/10/1999.

 

 

1 OUTHWAITE, Willian; BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 398.

2 OUTHWAITE, Willian; BOTTOMORE, Tom, op. cit., p. 395.

3 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 584.

4Lei no 9.279/1996, art.8o.

5 Lei no 9.279/1996, art. 11, § 1o.

6 Lei no 9.279/1996, art.15.

7 Lei no 9.279/1996, art.18.

8 Lei no 9.279/1996, art. 10.

9 “Art. 88. A invenção e o modelo de utilidade pertencem exclusivamente ao empregador quando decorrerem de contrato de trabalho cuja execução ocorra no Brasil e que tenha por objeto a pesquisa ou a atividade inventiva, ou resulte esta da natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado.

§ 1o – Salvo expressa disposição contratual em contrário, a retribuição pelo trabalho a que se refere este artigo limita-se ao salário ajustado.

§ 2o – Salvo prova em contrário, consideram-se desenvolvidos na vigência do contrato a invenção ou o modelo de utilidade cuja patente seja requerida pelo empregado até 1 (um) ano após a extinção do vínculo empregatício.”

10 Lei no 9.279/1996, art. 88.

11 “Art. 90. Pertencerá exclusivamente ao empregado a invenção ou o modelo de utilidade por ele desenvolvido, desde que desvinculado do contrato de trabalho e não decorrente da utilização de recursos, meios, dados, materiais, instalações ou equipamentos do empregador.”

12 “Art. 91. A propriedade de invenção ou de modelo de utilidade será comum, em partes iguais, quando resultar da contribuição pessoal do empregado e de recursos, dados, meios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador, ressalvada expressa disposição contratual em contrário.

§ 1o Sendo mais de um empregado, a parte que lhes couber será dividida igualmente entre todos, salvo ajuste em contrário.

§ 2o É garantido ao empregador o direito exclusivo de licença de exploração e assegurada ao empregado a justa remuneração.

§ 3o A exploração do objeto da patente, na falta de acordo, deverá ser iniciada pelo empregador dentro do prazo de 1 (um) ano, contado da data de sua concessão, sob pena de passar à exclusiva propriedade do empregado a titularidade da patente, ressalvadas as hipóteses de falta de exploração por razões legítimas.

§ 4o No caso de cessão, qualquer dos cotitulares, em igualdade de condições, poderá exercer o direito de preferência”.

13 Lei no 9.279/1996, art. 91, § 2o.

14 “Art. 92. O disposto nos artigos anteriores aplica-se, no que couber, às relações entre o trabalhador autônomo ou o estagiário e a empresa contratante e entre empresas contratantes e contratadas”.

“Art. 93. Aplica-se o disposto neste Capítulo, no que couber, às entidades da Administração Pública, direta, indireta e fundacional, federal, estadual ou municipal.

Parágrafo único. Na hipótese do art. 88, será assegurada ao inventor, na forma e condições previstas no estatuto ou regimento interno da entidade a que se refere este artigo, premiação de parcela no valor das vantagens auferidas com o pedido ou com a patente, a título de incentivo”.