Direitos Civis – A justa e juridicamente possível admissão do casamento homoafetivo no Brasil

25 de junho de 2012

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‘Não cabe ao Estado estatizar o afeto’, diz juiz do TJ do Rio de Janeiro sobre a legalização do casamento homoafetivo. Confira.

Mister se faz salientar, inicialmente, que a ainda polêmica, para certa parcela da sociedade, questão relacionada aos direitos civis homoafetivos, não pode, em hipótese alguma, ser analisada e dirimida sob a ótica religiosa ou meramente superficial, profundamente maculada por preconceitos milenares e posturas marcantemente discriminatórias, que não mais se sustentam num moderno Estado Democrático de Direito. Isto porque, a ótica adequada para a discussão de tão relevante tema não deve ser desfocada ou mesmo desvirtuada da perspectiva dos direitos humanos e dos princípios constitucionais, já há suficiente tempo cristalizados no bojo da Constituição da República brasileira, como uma importante vitória decorrente da longamente esperada redemocratização do País.

A análise do tema em foco, muito embora tenha o potencial de despertar acirradas e apaixonadas discussões morais e doutrinárias, até mesmo em razão do notório fato, de que, felizmente, o direito não é uma ciência exata, e de que uma sociedade realmente livre e civilizada – e não civilizada apenas no campo teórico, eis que, no âmbito da prática das relações humanas, comumente é contaminada de injustas discriminações e diferenciações absurdas, baseadas, não raras vezes, na hipocrisia dos discursos “pseudo-moralistas inflamados” – procura, humildemente, tratar do assunto, sob o ponto de vista eminentemente jurídico, a fim de assegurar garantias e prerrogativas legítimas, que não podem deixar de se estender a uma sofrida minoria, que, ao longo da história da humanidade, vem lutando arduamente pela gradual, porém extremamente lenta, conquista de direitos.

É preciso que se tenha em mente que, apesar da inegável importância das religiões nas sociedades, inclusive, no momento presente, já que servem, muitas vezes, como um eficaz instrumento de reconstrução de vidas destruídas e de saudável transformação de famílias desestruturadas, arrancando, comumente, pessoas do total desespero decorrente dos mais variados vícios e comportamentos reprováveis, a questão é que não se pode pensar o presente de forma desarticulada da realidade e da própria evolução da história moderna, nem mesmo deixar de reconhecer o salutar processo de formação e de evolução da cidadania no mundo contemporâneo, simplificando imotivadamente debates que se relacionam diretamente com a vida e o destino de milhões de cidadãos, que, como não poderia deixar de ser, contribuem com seu trabalho, seu esforço, seu patrimônio e suas ideias, para movimentar a “máquina do progresso social mundial”, e que, portanto, não podem ser deixados à margem da sociedade, com uma redução, sem justa causa, de direitos inafastáveis, apenas por preconceitos e freios inibitórios que não mais se justificam, já que ferem profundamente a LIBERDADE.

É cediço que o homem nasce em uma sociedade talhada por variadas formas de agir, de sentir e de pensar, retratos da cultura em que é inserido, em que se destacam valores amplamente consagrados no meio social, influenciando, destarte, a cristalização de regras e convenções que são transmitidas de geração para geração.

A família constitui o mais destacado agente de socialização, posto que transmite, a partir da mais tenra idade de seus membros, padrões ideais de comportamento social, o que inclui, desde a forma de se vestir, até os valores morais a serem fielmente observados. E isso é fundamental, tendo em vista que a socialização da criança e do adolescente importa em indispensável renúncia, decorrente da não satisfação imediata e ilimitada de todos os desejos do infante, em atendimento a valores mais relevantes, como o respeito ao próximo e o combate ao egoísmo desenfreado, naturalmente experimentado nessa fase da vida.

Da mesma forma, a educação escolar constitui oportuno fator no processo de absorção de valores, contribuindo para combater o desvio social e a negação dos bons princípios e dos justos comportamentos, que são aqueles que se encontram em consonância com os salutares costumes e a licitude das condutas.

As crenças religiosas igualmente inspiram valores, colaborando, em muitos casos, para o processo de socialização e de autocontrole dos indivíduos, como um verdadeiro bálsamo para os conflitos da alma, servindo até mesmo como um importante freio de combate a impulsos ilícitos e atitudes de autodestruição dos cidadãos.

Ocorre que, se há fatos que, no passado, injustamente, foram reputados como lesivos ou moralmente reprováveis, nos dias atuais se revelam inegáveis e inevitavelmente aceitáveis, uma vez que “nada mais duradouro do que a transformação”, nas sábias palavras de Tobias Barreto.

Releva notar que a constatação da existência do controle social não se desvincula da existência do conflito e da mudança derivados da “revolução dos valores”, não se justificando mais, como bem ressalta Miguel Reale Júnior, o domínio dos homens pelo “Grande Chefe”, com submissão total e interferência imotivada na vida cotidiana dos homens, motivo pelo qual é indispensável a existência de limites à interferência do controle arbitrário da sociedade e do Poder Público na vida das pessoas (cf. Instituições de Direito Penal – Parte Geral, 3a edição, 2009, Editora Forense, pp.10 e 11)

O artigo 1o, inciso III, da Lei Maior dispõe que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constituiu-se em Estado Democrático de Direito, e tem, entre os seus fundamentos, o princípio da dignidade da pessoa humana, que é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, e que deve ser objeto de respeito, por parte de todos os membros da sociedade.

O princípio da dignidade da pessoa humana assegura que, somente em hipóteses excepcionais, podem ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas, sempre, sem que seja menosprezada a estima que merecem todos os seres humanos.

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana apresenta-se como um direito individual protetivo em relação ao próprio Estado e aos demais indivíduos, e estabelece um dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes, o que implica na existência do dever de um indivíduo – e do próprio Estado – em respeitar a dignidade alheia, tal qual a Lei Maior exige que lhe respeitem a própria dignidade.

Com efeito, o artigo 3o da Lei Maior, em seu inciso IV, prevê, como objetivos fundamentais da República, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.

Por seu turno, o artigo 5o do mesmo diploma legal preceitua que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à LIBERDADE, à IGUALDADE, à segurança e à propriedade.

Pode ser definido como direitos humanos fundamentais o conjunto de direitos e garantias do ser humano, que tem por escopo o respeito à sua dignidade, por meio da proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.

Ora, os direitos humanos fundamentais relacionam-se diretamente com a garantia de não-ingerência do Estado na esfera individual e a consagração da dignidade humana, que deve ser, por todos, respeitada, de maneira incondicional, sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal.

Na realidade, os direitos fundamentais, que, em essência, são direitos representativos das liberdades públicas, constituem valores eternos e universais, que impõem ao Estado fiel observância e amparo irrestrito.

Constituem os direitos fundamentais legítimas prerrogativas que, em um dado momento histórico, concretizam as exigências de liberdade, igualdade e dignidade dos seres humanos, assegurando ao homem uma digna convivência, livre e isonômica.

Vê-se, portanto, que os direitos fundamentais representam o núcleo inviolável de uma sociedade política, com vistas a garantir a dignidade da pessoa humana, razão pela qual não devem ser reconhecidos apenas formalmente, mas efetivados materialmente e de forma rotineira pelo Poder Público, ainda que isso contrarie interesses ou posições religiosas.

Convém destacar que os direitos fundamentais, que consubstanciam limitações impostas pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado, fruto do resultado de diversos eventos históricos e ideologias marcadas, de forma indelével, pelos primados da liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana, impõem ao Poder Público fundamentadas e legítimas vedações às ingerências dos mesmos na esfera jurídica individual.

A questão da possibilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo se relaciona intimamente, não só com os direitos fundamentais acima tratados, mas também com os próprios direitos humanos.

Enquanto os direitos do homem são oriundos da própria natureza humana, possuindo caráter inviolável, intemporal e universal, sendo válidos em todos os tempos e para todos os povos, os direitos fundamentais são os direitos do homem jurídico-institucionalizados e amparados objetivamente em determinada ordem jurídica concreta.

As garantias traduzem-se no direito dos cidadãos exigirem dos Poderes Públicos a proteção de seus direitos.

Logo, podemos dizer que as garantias fundamentais são estabelecidas na Constituição da República para servirem como um eficiente manto protetivo dos direitos fundamentais.

Resumidamente, pode-se aferir que os direitos fundamentais desempenham o nobre escopo de proteger os direitos dos cidadãos em uma dupla perspectiva, a saber: ora, constituem normas de competência negativa para os poderes públicos, vedando fundamentadamente ingerências destes na esfera individual, e, ora, representam o poder de exercer positivamente direitos fundamentais e de exigir omissões legítimas dos Poderes Públicos, com o intuito de coibir injustas agressões e arbitrariedades por parte dos mesmos.

É verdade que os direitos fundamentais possuem natureza relativa, o que significa que tais direitos não se revestem de caráter absoluto, encontrando limites nos demais direitos igualmente reconhecidos e amparados na Constituição da República, até pelo fato de que não se identifica, no sistema constitucional pátrio, direitos ou garantias que sejam acobertados por caráter absoluto, o que importa na conclusão de que razões de ponderável interesse público, ou mesmo a inafastável aplicação do princípio da convivência das liberdades, autorizam a adoção, excepcionalmente, por parte do Poder Público, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que observados os ditames constitucionais.

Assim, a própria Carta Magna autoriza a incidência de limitações às liberdades públicas, ambicionando proteger o interesse social e a coexistência, necessariamente harmoniosa, das liberdades, já que nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou por meio de desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.

A questão é que, considerando-se que a Carta Magna não prevê a existência de direitos ou garantias de caráter absoluto, revelar-se-ia justo e recomendável, sob a mera alegação de razões de interesse público, a adoção de medidas restritivas da liberdade individual de escolha na formação das famílias, por parte dos órgãos estatais?

Uma análise detida e razoável da indagação, sem se deixar contaminar pelos seculares dogmas religiosos e por preconceitos oriundos de regimes autoritários e segregacionistas, não resiste a resposta, no sentido de que tal ingerência do Estado na vida privada de seus membros é flagrantemente inconstitucional e desumana, não podendo o direito ao casamento civil suportar restrições por parte do legislador ordinário, como já vem se posicionando, ainda que de maneira extremamente discreta, a jurisprudência pátria e os arestos dos tribunais superiores, o que inclui os Colendos Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

O que realmente ressoa evidente é que os direitos e garantias constitucionais não estão sujeitos à restrição ilimitada, uma vez que o atuar do legislador ordinário não se reveste de caráter irrestrito, encontrando-se tais restrições limites inspirados no princípio da razoabilidade, que, data venia, dos respeitáveis entendimentos em sentido contrário, motivados unicamente por dogmas tradicionalmente preconceituosos, não se aplica na hipótese do casamento homoafetivo.

É, por este motivo, que é vedado ao legislador ordinário a restrição ilimitada e desmotivada dos direitos fundamentais, com ataque frontal ao seu núcleo essencial, posto que não se pode extirpar o conteúdo da norma, suprimindo injustamente a garantia outorgada originariamente pela Lei Maior, que veda expressamente a discriminação por orientação sexual.

Incumbe aos três poderes garantir a efetividade dos direitos fundamentais. No entanto, é inquestionável o papel de extrema importância do Poder Judiciário na defesa de direitos tão relevantes.

Na eventual hipótese de conflito entre direitos fundamentais, releva-se indispensável a correta aplicação de ricos mecanismos de solução, incumbindo ao intérprete sopesar com moderação os direitos fundamentais em colisão.

Nesse desiderato, não deve o intérprete abandonar completamente um direito fundamental em benefício do outro, tendo em mente, ainda, que não se pode falar em hierarquia entre direitos de tal natureza.

Mostra-se necessário que o intérprete harmonize os direitos em rota de colisão, analisando criteriosamente as circunstâncias de cada caso concreto. Isto porque, é diante das circunstâncias de cada hipótese retratada, que o intérprete deverá decidir qual o direito fundamental que deve prevalecer, acabando por pacificar os bens jurídicos em colisão, evitando ao máximo o sacrifício total de uns em relação aos outros.

Importante na solução do problema em debate é a aplicação do princípio da proporcionalidade, que se instrumentaliza permitindo que o Juiz gradue o peso da norma em uma determinada incidência, evitando que a mesma promova um resultado indesejado pelo sistema, o que, em última análise, significa buscar a justiça do caso concreto.

Deve o Magistrado identificar as normas pertinentes, selecionar os fatos relevantes e atribuir o peso devido a cada interpretação constitucional, sem deixar de considerar que nenhum direito fundamental tem o cunho de absoluto, razão pela qual ao julgador incumbe a tarefa de realizar a equilibrada ponderação entre os valores em conflito, efetuando escolhas fundamentadas.

No caso específico do casamento entre pessoas do mesmo sexo, forçoso convir que não se pode excepcionar a aplicação do direito individual de autodeterminação na constituição das famílias, até porque não há qualquer vedação constitucional, não podendo o intérprete excluir situações que, inclusive, se encontram em perfeita harmonia com o atual sistema constitucional, que ampara, de maneira marcante, os direitos da pessoa humana, como, por exemplo, o direito à vida, à DIGNIDADE e, sobretudo, à LIBERDADE.

É preciso se ter presente que os direitos fundamentais, que são aqueles considerados indispensáveis à pessoa humana, são mais do que necessários para assegurar a todos uma existência livre, igualitária, justa e digna, por isso, o Estado não deve, apenas, reconhecê-los formalmente, pois é imperiosa a busca incessante e rotineira de sua plena concretização, incorporando-se à vida dos cidadãos. Somente assim se aperfeiçoará e se efetivará, definitivamente, o Estado Democrático de Direito, atendendo-se as justas e legítimas expectativas do povo brasileiro.

Nessa esteira de raciocínio, não se pode olvidar que a Magna Carta adotou o princípio da igualdade de direitos, o que significa que todos os cidadãos devem ter o direito de tratamento idêntico pela lei, sendo vedadas as diferenciações arbitrárias e absurdas.

A vigente Constituição protege os interesses dos homossexuais, proibindo, expressamente, qualquer forma de discriminação baseada na orientação sexual do indivíduo.

A discriminação das pessoas, por conta de sua opção sexual, portanto, é ilegal e contrária à Constituição da República, sendo combatido pelo atual ordenamento jurídico constitucional tratamento diferenciado por conta de sua orientação sexual.

Vale lembrar, outrossim, que, recentemente, em 17 de junho de 2011, o Conselho dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas aprovou importantíssima resolução, com vistas a concretizar a igualdade entre os seres humanos, rechaçando qualquer tipo de distinção arbitrária a orientação sexual.

Tal resolução suportou a aprovação do Estado brasileiro, estabelecendo expressamente que a relevante regra de que todos os seres humanos nascem livres e iguais, no que tange a sua dignidade, que, obviamente, deve ser respeitada cotidianamente, sendo certo, ainda, que cada um pode se beneficiar do conjunto de direitos e liberdades usufruíveis legitimamente, sem qualquer odiosa e indevida distinção.

Recentemente, em hipótese semelhante, houve o deferimento do pleito de habilitação de casamento em decisão proferida, em 27 de junho de 2011, pelo douto Juiz de Direito do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Dr. Fernando Henrique Pinto, em exercício no Juízo da 2a Vara de Família da Comarca de Jacareí, que foi baseada no artigo 226 da Constituição da República, que autoriza a mudança da união estável em casamento, aplicável após o Supremo Tribunal Federal ter equiparado a união estável homossexual a uma entidade familiar, conferindo aos homossexuais os mesmos direitos que um casal heterossexual.

Em julgamento histórico, o Supremo Tribunal Federal, também recentemente, reconheceu a união estável homoafetiva, criando um relevante precedente capaz de garantir, de forma mais ampla, direitos comuns a casais heterossexuais, como pensão, herança, comunhão de bens e previdência.

Registre-se que, no julgamento da ADPF no 132 e da ADIn no 4277, o Supremo Tribunal Federal conferiu uma interpretação sistemático-teleológica ao artigo 226, § 3o, da Lei Maior, compatibilizando finalmente a supra mencionada norma constitucional com os princípios, de “natureza não menos constitucional”, da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da segurança jurídica.

Entenderam os Ministros votantes que a redação da norma em foco, que se pronuncia no sentido de que “para efeito de proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”, não pode significar um empecilho ao reconhecimento da união estável homoafetiva, tendo em vista que, não tendo o legislador constituinte, sequer, utilizado a palavra “apenas”, mostra-se perfeitamente cabível a incidência da interpretação extensiva ou da analogia, diante da existência de situações idênticas naquilo que é essencial.

Vale lembrar que o Superior Tribunal de Justiça também reconheceu, por ocasião do julgamento do Recurso Especial no 820.475/RJ, a união estável homoafetiva por analogia, tendo, no julgamento do Recurso Especial no 1.026.981/RJ, consignado, em seu primoroso voto, de maneira brilhante, a Ministra Nancy Andrighi que “o manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para alavancar, como entidade familiar, na mais pura acepcção da igualdade jurídica, as uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo.”

O Colendo Superior Tribunal de Justiça também reconheceu, pela primeira vez na história daquela corte, um casamento civil entre duas pessoas do mesmo sexo, entendendo que o casal de mulheres gaúchas, autoras da demanda submetida à apreciação judicial, poderia se habilitar para o casamento, salientando o ínclito Ministro Marco Buzzi, de forma pertinente, que “não existe um único argumento jurídico contrário à união entre casais do mesmo sexo. Trata-se unicamente de restrições ideológicas e discriminatórias, o que não mais se admite no moderno Estado de Direito.”

A verdade é que não há proibição expressa à pretensão legítima dos requerentes, não havendo limites semânticos no texto legal a obstaculizar o reconhecimento de tal direito.

Insta ressaltar que houve uma inegável evolução do próprio conceito de família ao longo dos séculos, não se podendo desconsiderar que a união homoafetiva igualmente forma, de maneira indelével, uma entidade familiar amparada pelo mesmo amor que ampara e legitima a união heteroafetiva.

Logo, a condição jurídica/familiar das uniões legitimamente constituídas, e que hoje não precisa mais ser camuflada pelo receio de reprovação social ou mesmo estatal/repressivo, se enquadra, com absoluta perfeição, no conceito de família conjugal traçado na Constituição da República, pelo simples, mas relevante fato, de que o amor existente numa família composta por consortes do mesmo sexo é tão relevante quanto o amor evidenciado numa família de consortes de sexo diverso, almejando, da mesma forma, o casal homoafetivo uma comunhão plena de vida e de destinos livremente escolhidos e trilhados em conjunto, de forma pública e solidária, contínua e duradoura, o que revela que o hodierno conceito de família se baseia no amor incondicional e no louvável afeto que, aliado à publicidade, durabilidade e continuidade da união estabelecida, independe de o casal ser de sexos diferentes ou idênticos, até porque as famílias legitimamente formadas não podem mais ficar à margem da sociedade, com a exclusão dos direitos e legítimas prerrogativas de seus membros.

Vê-se, desse modo, que, se foi a própria Carta Magna de 1988, que vedou discriminações arbitrárias com a aplicação de importantíssimos princípios, tais como o da isonomia, assegurando o bem-estar de todos, com duras reprovações aos preconceitos inconcebíveis, não se mostra razoável adotar posturas inconstitucionais, posto que flagrantemente discriminatórias, para prejudicar terceiros inocentes e vulnerar os PRINCÍPIOS BASILARES DA LIBERDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, sem qualquer justa causa.

Com todo o devido respeito aos renomados juristas que defendem ponto de vista contrário, não é razoável dizer que o reconhecimento, pelo Judiciário, da possibilidade do casamento homoafetivo viola o princípio da separação entre os poderes. Isto porque, em decorrência do artigo 5o, inciso II, da Lei Maior, proibições implícitas não existem no ordenamento constitucional, o que impõe a necessidade de norma expressa para que se configure uma restrição no direito pátrio.

Por outro lado, não se pode conferir um manto protetivo ou uma licença arbitrária para a restrição injustificável de direitos fundamentais, tão somente pelo, muitas vezes, conveniente silêncio do legislador, o que ocorre até mesmo por razões eminentemente políticas, incidindo, na espécie, outrossim, o fenômeno da mutação constitucional, decorrente da evolução da história de um povo e de uma pátria, que possibilita que a interpretação de uma norma se altere com o transcurso do tempo, sem que isso desafie a indispensabilidade de alteração do texto legal, máxime nas hipóteses de não cabimento de interpretação restritiva.

Direitos, como o tratado no presente artigo, são decorrentes da própria Constituição da República, sendo certo que, com o respeito de praxe aos entendimentos contrários, o casamento e a constituição de família não podem acontecer somente entre homem e mulher. Isso, não só pelo fato de que não se pode atribuir somente à união heteroafetiva o conceito de família, a ser juridicamente protegida, mas também porque a questão da capacidade procriativa não tem o condão de ser, por si só, argumento para se excluir, injustamente, a união homoafetiva como família regularmente constituída, que pode sim ser contemplada com o casamento civil.

Lembre-se que há casais heteroafetivos estéreis que nem por isso deixam de integrar entidades familiares, ressaltando-se, ainda, que razões religiosas são irrele­vantes, ao menos no campo do direito, por força do artigo 19, inciso I, da Lei Maior, o que significa que é imperiosa a implementação imediata da plena isonomia de direitos entre casais homoafetivos em relação a casais heteroafetivos.

Torna-se imperioso salientar que, após o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido a união homoafetiva como uma entidade familiar, não mais se identifica qualquer justificativa plausível para que se afaste o direito de casais homoafetivos consagrarem a sua união pelo casamento civil. Primeiramente, porque o § 3o, do artigo 226 da Carta Magna determina que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, e, em segundo lugar, porque, tanto o casamento civil, quanto a união estável, constituem regimes jurídicos que se destinam a regulamentar e amparar as diversas famílias identificadas no seio da sociedade, o que induz a inevitável conclusão de que, sendo a união homoafetiva uma família, a ela deve ser garantido, tanto o casamento civil, quanto a união estável.

Reconhecendo-se a união estável homoafetiva não se pode deixar de reconhecer, consequentemente, o casamento civil homoafetivo, que, assim como a primeira, almeja regulamentar e amparar as relações familiares, sob os mais diversos aspectos jurídicos, patrimoniais e sociais.

Em sendo a escolha da orientação sexual do indivíduo, nos dias vigentes, um direito fundamental, atributo inerente à personalidade humana, a diversidade de sexos não pode mais ser elencada como requisito essencial do casamento, levando-se em conta que, apesar da família moderna possuir várias formatações, todas elas têm em comum a necessidade de concretização do mais caro interesse dos seres humanos, que é, em síntese, a livre escolha da formação do grupo social de convivência harmoniosa, que é a família, unida pelo mais puro, imponente e grandioso elo, que é o ELO DO AMOR INCONDICIONAL, DA UNIÃO SINCERA DE VIDAS E DA CONCRETIZAÇÃO DO MAIS PRECIOSO DOS SONHOS, que é a da materialização, numa perfeita união de corpos, de almas e de objetivos comuns, da lealdade, do respeito, da confiança e da solidariedade entre um casal.

A própria Lei no 11.340/2006, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, também ampliou significa­tivamente o conceito de família ao alcançar as uniões homoafetivas, o que demonstra que, inegavelmente, as relações familiares são cada vez mais complexas e ricas, não podendo o Judiciário deixar de acompanhar a evolução social, e de romper barreiras, desmistificando tabus que, apesar de tentarem engessar indevidamente as relações jurídicas, devem socorrer os jurisdicionados, em atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana, restabelecendo a justiça rompida, mesmo quando não se identifica previsão legal, com respostas condizentes ao respeito dos direitos alheios violados.

Resulta urgente que as uniões homoafetivas recebam da jurisprudência o devido reconhecimento no âmbito do Direito das Famílias. Conceito que, de acordo com a inestimável contribuição doutrinária da culta Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, “melhor atende à necessidade de enlaçar, no seu âmbito de proteção, as famílias, todas elas, sem discriminação, sem preconceitos”, sendo certo, ainda, que, como bem sintetizou a ilustre jurista acima citada, em sua magna obra Manual de Direito das Famílias (Editora Revista dos Tribunais, 6a ed.), hoje “o formato hierárquico da família cedeu lugar à sua democratização, e as relações são muito mais de igualdade e de respeito mútuo”.

Por tudo que acima foi dito, não se pode deixar de considerar perfeitamente admissível o casamento homoafetivo, até porque o traço fundamental da família é – e sempre deveria ser – a lealdade, não se justificando uma verdadeira estatização do afeto com a arbitrária e imotivada interferência na vida das pessoas e na liberdade que possuem de constituir livremente seus núcleos familiares, que podem e devem ser alcançados e amparados pelo casamento civil, eis que a Constituição da República não faz qualquer menção ao sexo dos nubentes, não havendo, de fato, impedimento razoável para o casamento de pessoas do mesmo sexo, além do tradicional preconceito, cujas rígidas raízes vêm sendo paulatinamente enfraquecidas pela inevitável e salutar evolução da sociedade contemporânea.