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O grande desafio de descongestionar o Judiciário

10 de setembro de 2016

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Fábio Medina OsórioEntrevista: Ministro Fábio Medina Osório, titular da Advocacia-Geral da União (AGU).
Depois de assumir o cargo, em maio deste ano, Fábio Medina Osório declara enfrentar os desafios que vem pela frente. Seu principal movimento se dá no sentido de fortalecer a identidade da AGU como advocacia de Estado. A regra é o compromisso com os ideais republicanos e com as agendas contemporâneas de combate à má gestão pública, à corrupção e à improbidade administrativa.

Ao assumir a Advocacia-Geral da União (AGU), em maio, Fábio Medina Osório levou para a instituição seus conhecimentos jurídicos sobre combate à improbidade administrativa, má gestão pública e corrupção. O novo Advogado-Geral da União aliou, ainda, toda bagagem acadêmica com sua experiência de ex-membro do Ministério Público e advogado militante. Medina Osório é formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em Direito pela mesma instituição e doutor pela Universidade Complutense de Madri, onde foi o último orientado de Eduardo Garcia de Enterria, em 2003.

O Advogado-Geral da União é especializado em leis sobre combate à corrupção e fez carreira como promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Exonerou-se do Ministério Público para exercer a advocacia privada, em 2006. Ele é autor dos livros “Direito Administrativo Sancionador” e “Teoria da Improbidade Administrativa”, obras de referência nas principais escolas de Direito do País e nas cortes superiores em Brasília. Leciona nas Escolas do Tribunal Regional Federal da 4a e da 2a Regiões, como professor colaborador. Nesta entrevista exclusiva, partilha um pouco de sua recente experiência na AGU.

Revista Justiça & Cidadania – O Sr. está assumindo o cargo em meio a um momento complexo para a Nação. Não se trata apenas de nos encontrarmos imersos em um processo de impeachment da Presidente da República, mas de uma série de questões relacionadas a este contexto. Por exemplo, a continuidade/integridade da Operação Lava Jato. Como o Sr. pretende começar a lidar com a grande quantidade de desafios que tem pela frente?

Fábio Medina Osório – Em relação à Lava Jato, entendo que é uma agenda do Brasil, não somente do Ministério Público Federal, nem do Judiciário. Por isso, a AGU agregou uma força de trabalho para auxiliar essa força tarefa em Curitiba e vem realizando reuniões para alinhar estratégias e ações. A AGU tem a missão de oferecer segurança jurídica ao País, contribuindo para a agenda de desenvolvimento. Os desafios são muitos, diante da multiplicidade de atribuições da instituição e de sua interface com todos os ministérios, administração pública direta e indireta, além do trabalho extrajudicial. Temos mais de 8 mil advogados públicos na AGU.

Para enfrentar os desafios, nosso primeiro movimento foi fortalecer a identidade da AGU como advocacia de Estado. Isso significa uma advocacia compromissada com ideais republicanos e agendas contemporâneas de combate à má gestão pública, à corrupção e à improbidade administrativa. Assim, fortaleci a AGU nessa área específica de atuação proativa. O maior desafio, sem dúvida, é ter um time qualificado e motivado. Para tanto, busquei fortalecer as pautas de consenso das carreiras, priorizando o PL 36, recentemente aprovado no Congresso e, nessa linha, entendo ser fundamental que o AGU prossiga na luta por novas conquistas para as carreiras. Também busquei priorizar a recomposição do orçamento da AGU. Para uma AGU forte, é importante investir em recomposição orçamentária. O déficit é grande.

JC – O que é, em seu ponto de vista, mais desafiador neste momento? O que é prioridade para a AGU, para o País, para a sociedade?

FM – Cabe ao Presidente da República e ao governo fixar as grandes prioridades para o País e para a sociedade, junto com o Congresso Nacional, à luz do princípio democrático. Evidentemente, parece-me que um grande desafio para a AGU seja descongestionar o Judiciário brasileiro e agregar eficiência no setor público. Precisamos apostar forte na agenda de consenso, na cultura da mediação, dos acordos e da composição dos conflitos, essa foi uma diretriz de governo. Solucionar problemas de forma eficiente, célere e com segurança é certamente uma enorme prioridade para a sociedade brasileira.

JC – A AGU, por definição de sua atuação, assessora o Poder Executivo Federal nas questões jurídicas. Quais são os desafios de exercer esse papel quando pensamos no relacionamento com os demais Poderes constituídos?

FM – A AGU defende todos os Poderes da República, não apenas o Poder Executivo Federal. Daí porque a Advocacia-Geral da União exerce a advocacia da República Federativa do Brasil, e não apenas do Poder Executivo Federal. A AGU foi construída, tal como a conhecemos hoje, na gestão do Ministro Gilmar Mendes. Ele foi o grande propulsor da AGU. Reestruturou toda a instituição, ao modernizar o seu funcionamento, de maneira a tornar mais eficiente a defesa dos direitos, interesses e patrimônio das autarquias e fundações federais. À medida que a instituição ganhou relevo para o Estado, os desafios, de lá para cá, só aumentaram.

JC – E, mais especificamente, como o senhor vê a importância da atuação da AGU perante o STF?

FM – A atuação junto ao STF é fundamental, pois a mais alta Corte do País tem impacto profundo nos destinos da Nação. A atividade da AGU ocorre rotineiramente por meio da Secretaria-Geral de Contencioso (SGCT). Em casos mais estratégicos, e sempre foi assim, o Advogado-Geral da União faz pessoalmente as sustentações orais. É sempre importante mapear os casos mais relevantes e dialogar permanentemente com a Secretaria-Geral do Contencioso. Esse é o nosso papel. De outro lado, dialogamos com a Casa Civil, os ministérios e o Presidente da República, aferindo as prioridades para estreitar o acompanhamento técnico.

JC – O Sr. fez uma crítica direta, em entrevista recente ao “O Globo”, quanto à postura de seu antecessor no cargo, em relação ao posicionamento por ele assumido em alguns momentos, na “defesa” de posicionamentos da Presidente da República atualmente afastada. Qual o desafio de atuar em uma posição como esta (e num momento como este) e manter, como deve ser a postura de um jurista, a imparcialidade?

FM – Esse momento ocorreu logo no início da gestão e foi necessário para resgatar a identidade da AGU como advocacia de Estado. Não foi uma postura política, e sim um posicionamento jurídico. Como jurista, entendo, e entendi na ocasião, que houve um desvirtuamento no uso da instituição. Esse aprimoramento institucional vem sendo avaliado pelas instâncias competentes. Tenho respeito pela figura do José Eduardo Cardozo como profissional, como advogado e como político.

JC – Em sua opinião, que pontos devem constar no projeto de lei em substituição à atual Medida Provisória (MP) que trata dos acordos de leniência? O que a MP traz de pontos negativos/equivocados?

FM – A MP 703 teve o prazo de tramitação encerrado no fim de maio e, por isso, perdeu a validade. Um bom acordo se faz com múltiplos atores na mesa de negociação e com flexibilidade e bom senso. É necessário analisar cenários de risco.

JC – Na prática, os acordos de leniência permitem que, consideradas as circunstâncias, as empresas envolvidas voltem a prestar serviços para os governos. Também projetando um cenário para daqui a alguns meses, como o Sr. avalia que será o panorama para as empreiteiras, transcorrido, os processos da Lava Jato?

FM – As empresas investigadas ou processadas estão discutindo acordos. A tendência, a meu ver, é um cenário de expansão de acordos em processos judiciais e investigações. O Brasil se aproximou muito do direito norte-americano. Nesse sentido, impera o pragmatismo dos investigadores e acusadores, e o espaço de negociação com os advogados. O ambiente de acordos tende a se expandir. Evidentemente, é importante pensar em parâmetros racionais para evitar arbitrariedades e injustiças. Também me parece importante imaginar controles sobre os espaços discricionários dos reguladores.

JC – A AGU lançou uma cartilha com “condutas vedadas aos agentes públicos federais em eleições – 2016”. Qual o objetivo desta medida?

FM – A cartilha foi lançada inicialmente nas eleições de 2008 e foi iniciativa pioneira do Ministro Dias Toffoli, em sua gestão na AGU. A ideia foi e continua sendo prevenir ilícitos. Fundamental apostar na prevenção. A legislação eleitoral é muito complexa. Nossa missão é evitar que os gestores públicos federais cometam ilícitos eleitorais.

JC – Como o Sr. projeta que ficará a imagem da AGU quando o processo de impeachment – seja lá qual for o resultado – tiver sido concluído? E o que fazer para resgatar possíveis danos a esta imagem que tenham sido provocados até aqui?

FM – A AGU é um órgão com a missão da advocacia de Estado.

JC – Tratando agora das questões mais prementes ao Poder Judiciário, gostaria que o Sr. nos desse sua opinião sobre um tema em destaque na mídia: o excesso de demanda em todas as instâncias do Poder Judiciário.

FM – Essa é, sem dúvida, a grande prioridade da AGU: encaminhar uma solução para o congestionamento do Poder Judiciário. A União não pode representar o fator de ineficiência do sistema judiciário brasileiro. O atraso na satisfação dos direitos é causa de aumento das dívidas da própria União. O fluxo de riquezas fica estancado. Por isso, nossa prioridade é estancar a cultura do litígio.