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Em torno do agravo

5 de dezembro de 2002

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O século XIII eram admitidas pela processualística duas espécies de sentença: a definitiva e a interlocutória. Dessas sentenças o recurso cabível era a “suplicação” ou “suplicação”, dirigida a Casa da Suplicação, surgida entre 1.425 e 1.429, consoante Lobão, e era constituída por dois colégios: um, dos sobre-juízes, que conheciam das apelações interpostas do Distrito da Corte; e outro, por Desembargadores agravistas, encarregados de conhecer das suplicações, como nos da notícia Oliveira Machado (Prática dos Agravos no Juízo Cível e Comercial, § 2°, pag. 4/5), João Monteiro (Programa do Curso de Processo).

O uso do recurso de apelação e sua extensão a todas as decisões, agravadas pela chicana e expedientes protelatórios, determinou a expedição de édito por D. Afonso IV proibitório do uso da appellatio na impugnação das sentenças interlocutórias.

De notar que ao tempo das ordenações Afonsinas (Livro 3°, Tít. 71) e Manoelinas (Livro 3°, Tít. 53), as apelações das sentenças interlocutórias eram restritas ao ataque das que causassem dano irreparável ou decretassem a terminação do processo.

Proibida a appellatio, restaram irrecorridos numerosos despachos gerando grande insatisfação social. A solução foi o apelo ao Príncipe, a princípio mediante petições de queixas e reclamações denominadas querimas ou querimônias. Examinando-as, o Rei lhes dava provimento pelas chamadas cartas de justiça, e eram dadas sem o exame dos autos, sob condição de que a realidade deles constantes Fosse “assy como querellou”.

As fraudes, as inverdades e a ma fé determinaram a proibição de cartas diretas. Por lei baixada por D. Duarte os pedidos deviam ter a intervenção do oficial publico que copiava as peças processual, paginava-as, numerava-as e autenticava-as e assim formadas eram encaminhadas ao magistrado superior, com a resposta do magistrado inferior. Quanto aos instrumentos das querimas eram elaboradas pelo escrivão, passaram a chamar-se Cartas Testemunháveis e Estormentos Públicos, quando elaborados pelo Tabelião. As querimas constituíram o embrião do agravo, no dizer de Alfredo Buzaid (In “Do Agravo de Petição, pag. 36/37) e Maninho Garcez (In Theoria e Prática dos Agravos, pag. 10).

Com as ordenações manuelinas e que se configura, com caracteres definidos, o agravo de instrumento.

Por medida de economia, simplicou-se o recurso, quando a sede do juízo adquem se situasse a distância de cinco léguas do Juízo a quo, fazendo-o constar dos próprios autos, mediante simples petição. Com a Carta Régia de 5 de julho de 1526, de D. João III, incorporada depois as ordenações Filipinas surge o agravo no auto do processo, considerado um protesto cabível dos despachos relativos a ordem do processo, a fim de ser conhecido e julgado pelo Tribunal Superior ao ensejo do julgamento da apelação, caso interposta da sentença definitiva.

Além dessas espécies, tínhamos também o agravo de ordenação mal guardada, que, como ensinava Gabriel Rezende Filho, visava assegurar a observância das formalidades legais extrínsecas, materiais do processo, sem atenção ao mérito da causa. Distinguindo-o do agravo no auto do processo, o mestre paulista assinalou que o primeiro cabia nos casos em que se desatendia a um preceito ou injunção de lei; o segundo, nos casos expressamente autorizados (In “Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, pag. 130/131, ed. Saraiva, 1959).

Vigentes as ordenações e leis extravagantes no Brasil, tivemos cinco (5) espécies de agravo: o ordinário, o de instrumento, o de petição, o no auto do processo e de ordenação mal guardada. (ob. art. cit.)

Com a Independência, a Disposição Provisória, de 1832, simplificando o sistema recursal aboliu o agravo ordinário e reduziu os agravos de instrumento e de petição a agravo no auto do processo.

Com a crítica dos litigantes a falta de recursos contra as decisões interlocutórias contendo dano irreparável, e o longo espaço de tempo para obter-se julgamento dos gravames recorridos no auto do processo, restabeleceu-se, com a Lei de 03.12.1841, os recursos suprimidos. O Reg. n 737, de 1850, aboliu o agravo no auto do processo, e o Decreto n 763, de 19.11.1890, estendeu ao Juízo Cível os agravos de instrumento e de petição.

O Código de 1939 – Decreto-Lei nº 1.608, de 18.09.1939, admitia e regulava as três espécies de agravo de instrumento, de petição e no auto do processo (art. nº 841). Art. 841 – “Os agravos serio de instrumento, de petição, ou no auto do processo, podendo ser interpostos no prazo de cinco (5) dias (art. 28) “.

Seguiam-se, nos artigos 842/852, as hipóteses de cabimento das diversas espécies de agravo.

O CPC/73 simplificou, para melhor, o processo do agravo.

Agravo é o recurso cabível contra os despachos e decisões interlocutórias proferidas no processo. Não se incluem nas decisões agraváveis os despachos de mero expediente, nos quais o juiz estabeleça providencias ordenatórias sem conteúdo decisório.

No Código de Processo vigente, Lei nº 5.869, de 11.01.1973, modificado pela Lei nº 5.925, de 1°.10.1973, em vigor desde 1°.01.1974, o agravo foi reduzido a forma instrumental (art. 498, II) e definido no art. 522, admitindo, no § 1°, que o agravante possa requerer fique retido, mediante petição nos autos, para ser apreciado como preliminar do julgamento da apelação, reputando-se renunciado o agravo, se a parte não pedir, nas razões de apelação ou nas contra-razões ao recurso apelatório, seja apreciado pelo Tribunal.

Nos artigos seguintes, o Código disciplina a formação do instrumento, matéria que sofreu profundas modificações como veremos adiante, na reforma encetada pela Lei nº 9.139/95.

O prazo para a interposição do agravo era de cinco (5) dias e foi ampliado para dez (10) pela Lei 9.139, de 30.11.95, que introduziu modificações oportunas na formação do instrumento, agilizando o processamento, embora com alguns inconvenientes, dentre os quais o de ser dirigido diretamente ao Tribunal competente. É que o Relator poderá solicitar informações ao juiz, além de impor as partes deslocamentos onerosos nas comarcas do interior. Para utilizar-se da possibilidade de retratação pelo prolator da decisão agravada a parte devera requerer a juntada de cópia da petição de agravo de instrumento, do comprovante de sua interposição e da relação dos documentos formadores do instrumento (art. 526).

Alguns tribunais vinham interpretando o art. 526 como impositivo, indeferindo ou julgando prejudicado o agravo quando não endereçada a petição ao juiz da causa. A Colenda Corte Especial, por expressiva maioria, reformou decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao argumento de que o Juízo de retratação era uma faculdade deferida ao agravante que, como tal, poderia renunciá-la sem prejuízo do julgamento do recurso pelo Tribunal (EREsp. 1n.411-RS, D.J. DE 28.02.2000, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, unânime).

Assim dispõe a ementa:

“PROCESSO CIVIL. CPC, ART 526 INTERPRETAÇÃO. RECURSO CONHECIDO PELO DISSÍDIO MAS DESPROVIDO. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR.

– Segundo passou a entender o Tribunal, o descumprimento da norma do art. 526, CPC, não impede o conhecimento do agravo).”

No extenso elenco de decisões agraváveis se incluem os agravos de instrumentos contra decisões exaradas pelos Presidentes dos Tribunais a quo negando seguimento aos recursos extraordinários e especiais.

Disciplinados pela Constituição nos arts. 102, III, “a”, “b’ e “c” e 105, III, “a”, “b” e “c”, e regulados nos arts. 544 e parágrafos, 545, 557 e parágrafos, 559 e § único, os recursos extraordinários e especiais são cabíveis contra qualquer acórdão proferido em única ou ultima instância, inclusive nos julgamentos dos agravos de instrumento, vale dizer, abrangendo todas as matérias, mesmo as questões decididas interlocutoriamente.

A expansão do cabimento dos recursos extraordinários e especiais e uma das razões da excessiva demora no julgamento deles, produzidos aos borbotões.

A interpretação que faço das normas constitucionais reguladoras dos recursos extraordinário e especial e a de que a expressão causas não tem o amplo significado de questões, que a maioria do STJ e do STF lhe empresta. Penso que causa corresponde a lide, a causa de pedir mobilizadora do cidadão a procura de justiça junto ao Estado. Assim positivou em brilhante voto, o Eminente Ministro Demócrito Reinaldo, nos Embargos de Divergência no REsp. 19.352-1, de que foi Relator o Min. Eduardo Ribeiro. A ementa, que transcrevo, e elucidativ.

“Recurso especial – Decisão interlocutória. A expressão “julgar”, em recurso especial as “causas”; há de entender-se como abrangendo também as decisões interlocutórias” (D.J. 14.061993).

A época não integrava a Colenda Corte Especial. Se o fizesse, acompanharia o voto vencido do Min. Demócriro Reinaldo.

A divergência manifestou-se entre julgados das ego 1ª e 3ª Turmas. Os acórdãos confrontados assim foram resumidos:

“Constitucional e processual. Recurso especial contra acórdão em agravo de instrumento que desafia decisão interlocutória. Não conhecimento.

O recurso especial, como vem definido na Constituição Federal (art. 105,111) e instrumento hábil a enfrentar os julgados provenientes de “causas decididas”; em única ou última instancia, pelos Tribunais.

A expressão constitucional “causas decididas” (pelos Tribunais) não pode ter compreensão dilargante a ponto de abranger, para justificar o apelo especial, atestos decorrentes de agravos instrumentados contra decisões do juiz singular.

O cabimento do recurso especial em agravo de instrumento exige que este se origine de uma decisão que extinga processo, com ou sem julgamento do mérito” (1ª Turma).

A Eg. 3ª Turma, ao revés, decidira:

“Quando a Constituição define os contornos do especial, a causa decidida não é apenas a de mérito, mas de qualquer uma, incidental ou não, apreciada em última instância. Esse é 0 entendimento pacifico daquela expressão nos Tribunais”.

No brilhante voto emitido, o Min. Demócrito sustentou que o legislador constituinte restringiu o cabimento dos recursos extraordinário e especial utilizando-se da palavra causa na sua acepção científica, técnica-jurídica, inscrevendo-a no significado de ação, demanda, litígio. Se ao revés, quisesse-o amplo, haveria de usar e expressar questões decididas em única ou última instância. Julgar a causa de modo nenhum significa despachar, impulsionar a causa. Veja-se, por exemplo, a mais importante das decisões interlocutórias – o despacho saneador. Com ele o juiz ordena o processo, emitindo decisão de natureza processual que permita o curso do processo. Mas as condições da ação, a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e sua representação, o interesse processual, podem ser julgados de ofício em qualquer tempo ou grau de jurisdição (CPC, art. 267, § 3°). E a interposição do agravo, mesmo retido, impede a preclusão, ou seja, permite o reexame da questão interlocutória decidida em grau inferior, não pondo fim a causa.

Emprestando a palavra causa a sinonímia de questão, os Tribunais Superiores, permissa maxima venia, se inviabilizaram. A todo instante surpreendemos, na nossa labuta diária, incessante e maçante pela repetitividade dos temas abordados, vários recursos especiais acostados ao ultimo intentado contra nova decisão interlocutória. É que o agravo de instrumento transformou-se na arma devastadora da chicana forense. Ações de despejo, de acidente no trabalho, etc., demoram anos a fio de curso intermitente, provocado pelos repetidos recursos de agravo de instrumento de longa distância, todos atingindo o Supremo Tribunal face ao permissivo da “ampla defesa” consagrada no texto constitucional (art. 5°, LV), verdadeira gazua com que se busca 0 reexame de quest6es simplesmente ordenat6rias do processo.

Mas, vivemos sob o império do processo, ciência afirmada superior no concerto dos ramos do direito. E dominantes em número e talento os juristas que dele se ocupam. O direito das gentes, o chamado direito material, definidor das relações humanas em sociedade, a que serve o processo como meio indispensável a sentença com que o Estado juiz põe fim as causas, as lides, vem tendo trato secundário, o que irritava o mestre Orlando Gomes. Por força mesmo da proeminência do processo e que as questões processuais são alçadas ao crivo dos tribunais superiores, como matéria susceptível de cabimento dos recursos especial e extraordinário, mesmo não correspondendo a decisão única ou última das lides.

Não vejam nas minhas palavras qualquer objeção ou mossa a ciência do processo. Ao contrário, a ela me dediquei como advogado, e agora, como magistrado. Proclamava-a indispensável a formação dos aplicadores do direito e a defesa da liberdade e igualdade, prodomos do Estado Democrático de Direito. E de nenhum modo pretendo suprimi-la do exame pelos Tribunais superiores. Ao contrário, a uniformização da jurisprudência, por si só impõe dirimir também as questões processuais. Mas penso que só deveriam ser julgadas no bojo das questões de direito material discutidas na causa, quando houvesse interesse e se conduzentes a nulidade insanável da decisão agravada.

No atual sistema recursal brasileiro, o agravo de instrumento é o ioiô processual. E que, tal qual o celebre brinquedo, os advogados o manejam seus sob e desce incessante da instância ordinária ao Pretório Excelso. E, por natural, o juiz de primeira instância normal mente paralisa o andamento do processo aguardando o julgamento final do agravo. Atolados de processos, esta a expressão que retrata o quadro dos tribunais superiores, conta-se por anos o vai e vem dos agravos, dificultando sobremaneira o andamento das causas.

Quando se cogitava da reforma do capítulo dos agravos, sugeri a sua extinção. Defendia o simples protesto, formulado por petição ou por termos nos altos, em audiência para ser examinado se e quando do julgamento da apelação. Ponderava que sendo o agravo uma medida dirigida a corrigir decisões interlocutórias, metade deles seria renunciado por falta de interesse, quando o agravante fosse o vitorioso na lide. De outra parte, só seria plausível o provimento do agravo se o ato judicial agravado pudesse determinar a nulidade do processo, ou seja, a inutilizarão de todos os atos praticados posteriormente ao agravo. Ora, com isso, metade, ao menos, dos agravos não seriam julgados pelos Tribunais. A única hipótese em que caberia mantido o agravo de instrumento seria para destrancar os recursos especial e extraordinário.

As sugestões, por obvio, foram rejeitadas, promovendo-se a reforma da Lei 9.139/95, criadora de dificuldades para as partes litigantes sem maiores proveitos para amenizar a pletora de recursos. Quanto ao cabimento de recursos especial e extraordinário as decisões proferidas em agravos de instrumento, permaneceu imutável ate a promulgação da Lei nº 9.756/98, que criou os chamados recursos especial e extraordinário retidos, acrescentando o § 30 ao art. 542 do CPC:

“§ 3º. O recurso extraordinário ou o recurso especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões.

A emenda foi, a meu ver, pior que o soneto. O número de medidas cautelares intentadas junco ao ST] para destrancar os recursos aumentou significativamente. Agora, alem dos recursos especial e extraordinário retidos nos Tribunais de origem, temos, as centenas, novos processos cautelares para fazê-los subir e com efeito suspensivo. E certo que a imaginação dos advogados e invencível. Tal qual gota d’água, infiltram-se recursos na mais espessa fortaleza de concreto erigível. Assim fizeram com o mandado de segurança, até surgirem as medidas provisórias. Mas não é racional se permita discutir, em sede de recursos extraordinário e especial, as decisões puramente ordinatórias da causa. Somando-se, ao processo civil decalcado dos italianos e portugueses, a saga dos economistas e administradores públicos, surgidos com a revolução, com novos planos econômicos e seguramente teremos inviabilizado o aparelho judiciário. E não haverá tribunais que bastem para a avalanche de processos previstas para o próximo ano. Aliás, bastará que o Executivo não promova o acertamento dos depósitos do FGTS para inviabilizar-se inteiramente a Justiça Federal nas duas instancias, STJ e o STF, tal o número de pessoas atingidas pelos desacertos dos pianos econômicos.

A reforma determinada pela Lei nº 9.136, introduziu alterações na formação do instrumento de agravo dirigido ao STJ e ao STF. Consoante determina o § 1º do art. 544 deverão dele constar obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento a copia do acórdão recorrido, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razoes, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. Além dessas peças processuais, a jurisprudência do STF, adotada pelo STJ, que a transformou em Sumula nº 223, impõe a juntada da certidão de intimação do acórdão recorrido.

Diz a Súmula nº 223:

“A certidão de intimação do acórdão recorrido constitui pela obrigatória do instrumento do agravo”.

Convém não esquecer que as copias das peças processuais devem ser autenticadas (STJ, 4ª Turma, AGRG 125.581-GO, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo), e que a certidão de tempestividade do recurso não substitui a certidão de publicação do acórdão recorrido, como assentou a Eg. 1ª Turma do STF no AI 227.234-6, AGRG, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 05.03.99).

De igual modo é importante assinalar que a inexistência de qualquer das peças obrigatórias deverá ser certificada no instrumento de agravo, e não poderá suprir se posteriormente a sua falta, como já positivaram o STJ e o STF (In RTJ 101/ 1.317, 115/739, 119/1.340, AGRG-AI 205.459-SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 06.02.99; STJ – 4ª Turma AGRG/AI 133.855-DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU 23.06.97).

Importa também advertir que as reproduções das peças obrigatórias devem ser legíveis. As elegíveis não podem ser posteriormente substituídas (STF – 1ª Turma, AI 201.348-0-MG, Rel. Min. Octavio Galloti, OJU de 06.02.98; STJ 1ª Turma, AGRG-AI 220.507-RJ, Rel. Min. José Delgado, DJU de 02.08.99). Alias é também de anotar-se que se não admite o suprimento de peças essenciais nas instancias extraordinárias (RTJ 101/ 1.317; 115/739, 119/1.340, AGRG 198.871-SP, 4ª Turma STF, Rel. Min. Marco Aurélio; STJ – 4ª Turma, Al125.581-GO, AGRG Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU 24.03.97; AGRG 78.751- Rel. Min. Cesar Rocha, 4ª Turma STJ, DJU 03.06.96).

A nova redação do § 3º do art. 544 permite ao Relator conhecer do recurso e dar provimento ao próprio recurso especial, se o acórdão recorrido estiver em confronto com Súmula ou jurisprudência dominante do STJ, além da conversão do agravo em recurso especial.

Valem transcritos os §§ 3º e 4º do art. 544:

“§ 3º – Poderá o relator, se o acórdão recorrido estiver em confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, conhecer do agravo para dar provimento ao próprio recurso especial; poderá ainda, se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do muito, determinar sua conversão, observando-se, daí em diante, o procedimento relativo ao recurso especial.

§ 4º – o disposto no parágrafo anterior aplica-se também ao agravo de instrumento contra denegação do recurso extraordinário, salvo quando, na mesma causa houver recurso especial admitido e que deva ser julgado em primeiro Lugar.”

Como se observa, antes mesmo da aprovação de emenda constitucional instituindo a sumula vinculante, já se consagra ao Relator o poder de julgar com apoio na Súmula, e mais, na jurisprudência dominante.

Tenho dúvidas quanto a constitucionalidade da regra, embora verifique que eminentes Ministros do STF vem adotando, bem assim as novas regras surgidas com a redação dada ao art. 557 e parágrafos pela Lei nº 9.756/98.

Aliás, o Pleno do STF já havia declarado constitucional disposição regimental autorizativa do Relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso. Vale transcrita a ementa:

“Tem Legitimidade constitucional disposição regimental que confere ao Relator competência para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso, desde que as decisões possam ser submetidas ao controle colegiado” (STF – Pleno, Ag. 151.354-3MG – Ag – EdcL – ED – Ag, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 16.04.99, p. 9. In Theotonio Negrão, CPC, Ed. Saraiva, 3ª ed. art. 557: 1 a, pág. 607).

E no STJ se lhe deu aplicação inclusive a remessa oficial (STJ – 6ª Turma, REsp. nº 190.096-DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU 21.06.99) e julgamento do mérito do recurso especial (Ag. l42.320-DF, Rel. Min. Ari Pargendler, DJU 30.06.97) (In ob. art. Cir. pág. 607).

Pedindo mil vênias, ouso discordar, pois os dispositivos autorizadores da decisão isolada do Relator, a meu ver, contrariam os princípios constitucionais da publicidade dos julgamentos, da ampla defesa e da imprescindibilidade do advogado e julgamento por decisão isolada do Relator, a meu ver, não se compatibiliza com as regras constitucionais dos arts. 50, LV, 93, incisos IX e X, e 133 da C.F./88.

De outra parte, as reformas departamentais do processo não vem dando os frutos esperados. Penso, até, que se vem realizando em detrimento de direitos assegurados pela Constituição e com o soterramento de instituições processuais essenciais, como são a publicidade, o duplo grau com julgamento coletivo, a presença imprescindível dos advogados nos julgamentos. Veja-se, por exemplo, a reforma do art. 557 e parágrafos. Apelações e recursos especial e extraordinário são hoje julgados ao magotes por Relator.

A criação dos juizados especiais consagra, a um só tempo, a rejeição do jus postulandi pelos advogados e ao sepultamento da igualdade jurídica. As partes, no Brasil, são divididas entre pobres e ricos. Aos primeiros, a justiça simples e despojada do acompanhamento obrigatório do advogado; aos minoritários, a catedral processual, verdadeiro labirinto em que os melhores e mais bem pagos espadachins do direito lograrão êxito na defesa dos interesses dos danos do poder.

Porque a divisão do processo entre cidadãos constitucionalmente iguais? A advocacia é ou não essencial a realização da justiça? A publicidade dos atos judiciais e a ampla defesa são ou não direitos a serem preservados?

São indagações que faço aos estudantes, advogados e juristas brasileiros.