Enfim, o novo diploma falimentar brasileiro – Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005*

5 de abril de 2005

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A patética tentativa de mesclar a Poesia com o Direito em minha vida deu os resultados mais desastrosos que se podia imaginar… Pensava eu, na mais loira inocência de meu ser criança – para usar, ironicamente, um verso já de há muito ultrapassado -, que essa aproximação não  apenas seria plenamente possível, como até mesmo filosoficamente desejável…

Tratava-se, no entanto, de uma errônea suposição… Parece que Direito e Poesia nunca teriam andado tão distantes entre si como em nossa época, assim como os homens da Ciência Jurídica (não obstante as aparências em sentido contrário, provocadas por arroubos inevitáveis da vaidade humana), possuem poucas afinidades com o artesanato da expressão poética…

Malgrado tais considerações, reconheço ter sido uma espécie de reincidente específico, em termos de Direito Penal, voltando a praticar, de forma contumaz, o meu delito de sempre… Resta-me o consolo, é claro, de não termos chegado, ainda, ao extremo exagero de considerá-lo hediondo, na tipificação penal dessa conduta indecente, como se fosse crível supor a existência de algum crime que não contivesse em si mesmo algo de repulsivo ou pavoroso…

Servem tais considerações para justificar a razão pela qual tento iniciar esta minha introdução de forma surpreendentemente poética. Ao buscar na memória algo que pudesse refletir aquele sentimento de desencanto que acompanha naturalmente os sonhadores, que vêem suas esperanças frustrarem-se melancolicamente no dia-a-dia, esmigalhadas pelo triunfo inevitável do embuste, vieram-me à mente, como que guiados por uma determinação invisível, aqueles versos inolvidáveis de Raul de Leoni, constantes do soneto intitulado Legenda dos Dias. Ei-lo:

O Homem desperta e sai cada alvorada

Para o acaso das coisas… e, à saída,

Leva uma crença vaga, indefinida,

De achar o Ideal nalguma encruzilhada…

As horas morrem sobre as horas… Nada!

E ao Poente, o Homem, com a sombra recolhida,

Volta, pensando: “Se o Ideal da Vida

Não veio hoje, virá na outra jornada…”

Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,

Mais ele avança, mais distante é o fim,

Mais se afasta o horizonte pela esfera;

E a Vida passa… efêmera e vazia:

Um adiamento eterno que se espera,

Numa eterna esperança que se adia…

Dir-se-á – provavelmente mais uma vez – que me terei deixado levar por emoções pessoais impertinentes… Nada parece ser mais antipoético, a princípio, do que a matéria falimentar. Afinal de contas, cuida ela de uma patologia da atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens e de serviços, de algo que ocorreu de forma anômala ao que fora originalmente previsto por quem se propusera ao exercício da atividade empresarial, sendo a idéia de morte quase inseparável da mesma…

Minha decepção com a matéria, por razões várias e evidentes, não poderia ser mais indisfarçável. Durante décadas de jurisdocência na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vivi a repetir aos alunos e alunas o estado lastimável da disciplina falimentar, entre nós, e os anseios de todos os professores do Departamento de Direito Comercial da Casa por uma legislação mais consentânea com a realidade contemporânea.

Esforçava-me sempre para não deixar transparecer a eles a minha amarga decepção com as sucessivas e malogradas tentativas de uma reforma de nossa legislação falimentar, das quais sempre procurei participar, na medida de minhas limitações, com o máximo entusiasmo, como se fora um D. Quixote enlouquecido de esperança. Dizia-lhes, então, que o Decreto-Lei 7.661, de 21 de junho de 1945, já estava com os dias contados, pois adiantados se achavam os estudos para a elaboração de um novo diploma legal sobre a matéria.

Recordo-me, com muitas saudades, de um curso de pós-graduação sobre Direito Processual Falimentar, de caráter interdepartamental, envolvendo os Departamentos de Direito Processual e Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, organizado pelo Eminente Prof. Cândido Rangel Dinamarco, em maio de 1993, com a minha modesta ajuda.1

Nele pudemos contar com a intensa participação do Professor Edoardo Ricci, da Universidade de Milão, proferindo várias palestras na Sala da Congregação, na qual levamos – o Prof. Cândido Dinamarco e eu – os nossos alunos e alunas da época. O entusiasmo de todos pelos ensinamentos do citado professor foi deveras invulgar.2

Discorrendo com notória proficiência sobre o moderno direito falimentar italiano, em especial sobre a chamada Legge Prodi, disciplinadora da administração extraordinária das grandes empresas em crise, foi possível perceber a extrema dificuldade de lidar-se com a matéria falimentar, mas, ao mesmo tempo, revelava-se, de forma cada vez mais evidente, a insuficiência de nosso velho Decreto-Lei 7.661 para resolver adequadamente os problemas causados pelas grandes empresas em crise. E multiplicavam-se, entre nós, os estudos sobre a matéria e as tentativas de levar adiante os projetos de reforma.

Por razões que a própria Razão desconhece ─ como haveria de dizer Pascal, no alto de sua sabedoria ─, porém, os numerosos anteprojetos visando à reforma da lei falimentar brasileira terminavam dando em água de barrela, como se diz popularmente… Todos os anos, diante dos alunos e alunas, repetia eu a mesma cantilena de sempre, desmanchando-me em explicações sobre a dúvida atroz que então se perenizara, após tanto tempo de espera inútil: estudar as tendências do direito falimentar contemporâneo, fundado na esperança de um novo texto legal que já era mais do que iminente ou, já descrente de tudo e de mim mesmo, após o adiamento eterno de que nos falara o poeta, continuar seguindo à risca os ditames do direito vigente desde 1945?…

Parece agora que, finalmente, essa história chega ao fim. Por mais inacreditável que possa parecer, foi dada à estampa, em edição extra do Diário Oficial da União do dia 9 de fevereiro de 2005, a Lei nº 11.101, nessa mesma data sancionada, reformando o combalido ─ e poder-se-ia mesmo dizer, em tom de blague, falido ─ direito falimentar brasileiro. Digo inacreditável porque, depois de numerosas iniciativas malogradas ao longo de tanto tempo, muito poucos poderiam ter certeza de que o velho Decreto-Lei nº 7.661, de 1945, pudesse ser substituído pelo Projeto de Lei nº 4.376/93, de autoria do Deputado Federal do Rio Grande do Sul, Dr. Osvaldo Biolchi, que já tramitava havia mais de 10 anos no Parlamento Nacional.

Ninguém jamais pôs em dúvida o meritório esforço dos consagrados juristas nacionais que fizeram nascer aquele velho diploma. Com efeito, para a época em que veio a lume, o anteprojeto então elaborado pela Comissão de Notáveis, presidida pelo Ministro interino da Justiça Dr. Alexandre Marcondes Filho ─ e composta pelos eminentes Profs. Canuto Mendes de Almeida, Filadelfo Azevedo, Hahnemann Guimarães, Luís Lopes Coelho, Noé Azevedo e Sylvio Marcondes ─, significava grande avanço.

Mas aquele texto envelhecera muito rapidamente em razão de vários fatores que serão mostrados a seguir. Assim, era natural que o clamor doutrinário no País – extremamente visível a partir da década de sessenta –, no sentido de que se fazia necessária a reforma de nosso direito falimentar, foi ganhando cada vez mais corpo, embora tenha se revelado absolutamente inócuo, por prolongado período.

Nem poderia ser de outra forma. Nossa doutrina jurídica, em que pesem os grandes nomes que a engalanaram e a engrandecem até hoje, nunca teve o condão de influir decisivamente nos movimentos reformistas de qualquer espécie. Sempre foram outros interesses mais fortes, muito bem representados pelas oligarquias dominantes ─ ou bem pelo poderes político ou cultural detido por algumas figuras espicaçadas pelo demônio da vaidade ─ que impunham a permanência ou a mudança de uma determinada disciplina normativa. Mas a doutrina jamais logrou fazer isso…

Mesmo agora ─ é necessário que se diga, a bem da verdade ─, a nova lei não foi o resultado de uma reivindicação doutrinária, fruto dos candentes apelos oriundos dos mais expressivos juristas nacionais, mas sim uma opção feita pelos dirigentes da política econômica do governo Lula. Não fosse isso, a subsistência do Decreto-Lei 7.661/45, por mais alguns anos, seria absolutamente inevitável, consoante mostrou a nossa história mais recente, a despeito dos reclamos doutrinários em sentido contrário…

Assim é que, já na década de 70, dissera o eminente Prof. Fábio Konder Comparato, com a propriedade de sempre:

“O mínimo que se pode dizer nessa matéria é que o dualismo no qual se encerrou o nosso Direito Falimentar – proteger o interesse pessoal do devedor ou o interesse dos credores – não é de molde a propiciar soluções harmoniosas no plano geral da economia. O legislador parece desconhecer totalmente a realidade da empresa, como centro de múltiplos interesses – do empresário, dos empregados, dos sócios capitalistas, dos credores, do fisco, da região, do mercado em geral – desvinculando-se da pessoa do empresário. De nossa parte, consideramos que uma legislação moderna da falência deveria dar lugar à necessidade econômica da permanência da empresa. A vida econômica tem imperativos e dependências que o Direito não pode, nem deve, desconhecer. A continuidade e a permanência das empresas são um desses imperativos, por motivos de interesse tanto social, quanto econômico”.3

Igualmente o saudoso Prof. Rubens Requião, um dos paladinos maiores da reforma, numa conferência proferida no Instituto dos Advogados Brasileiros, no Rio de Janeiro, em 8 de março de 1974, destacara com idêntica precisão:

“Muito mais que o Código Civil e do que o Código de Processo, tanto quanto, sem dúvida, o Código Penal e o Código de Processo Penal, se evidencia e se impõe a reforma da lei falimentar. A falência e a concordata, como institutos jurídicos afins, na denúncia de empresários e de juristas, se transformaram em nosso País, pela obsolescência de seus sistemas legais mais do que nunca, em instrumentos de perfídia e de fraude dos inescrupulosos. As autoridades permanecem, infelizmente, insensíveis a esse clamor, como se o País, em esplêndida explosão de sua atividade mercantil e capacidade empresarial não necessitasse de modernos e funcionais instrumentos e mecanismos legais e técnicos adequados à tutela do crédito, fator essencial para o seguro desenvolvimento econômico nacional.”

E assim, continuará a viger, até o dia 9 de junho do corrente ano de 2005, o velho diploma normativo de 1945, calcado na figura do comerciante individual, inegavelmente meritório para a época em que foi editado, como já salientado,4 mas inteiramente anacrônico para a realidade econômica do presente, na qual o papel da empresa moderna veio preponderar de forma definitiva sobre aquele que fora desempenhado pelo antigo comerciante.

Com efeito, ninguém que tivesse um mínimo de sintonia com a realidade da empresa – concebida como a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, tal como constara da definição do empresário no art. 2.082 do Código Civil italiano e como consta agora no art. 966 do nosso novo Código Civil de 20025 – poderia deixar de aplaudir o impulso reformista, fossem quais fossem as limitações e as eventuais impropriedades dos textos que já tramitaram no Congresso Nacional.

Quero dizer, com tais considerações introdutórias, que o primeiro grande mérito do novo diploma legal que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, há de ser, com toda certeza ─ não obstante algumas de suas notáveis contradições ─, a sua própria existência. A relevância do tema é deveras considerável, razão assistindo a Ascarelli, por certo, ao afirmar que “as normas sobre a insolvência do empresário comercial constituem um dos capítulos mais importantes do direito comercial.” 6

Antes de encerrar estas breves considerações introdutórias, desejo justificar a minha afirmação no sentido de que a primeira virtude da Lei nº 11.101/05 há de residir, sem dúvida, no próprio fato de sua existência. O instituto da falência é, na verdade, um dos mais importantes no âmbito do direito comercial, embora fosse exato dizer, com o nosso grande Carvalho de Mendonça,7 que ele extrapola os limites do direito mercantil, ainda que este tenha se tornado um direito empresarial, ultrapassando as nebulosas fronteiras do que se convencionou chamar de Direito Privado.

Já em 1955, o gênio profético de Ascarelli houvera se apercebido da enorme defasagem dos vários institutos reguladores da crise econômica da empresa.

No que se refere ao nosso Direito, as considerações do citado jurista não poderiam ser mais atuais e pertinentes. A influência marcadamente processualista de nossos institutos falimentares é por demais evidente e a ela não terão ficado imunes nem mesmo juristas pátrios de renome, tais como: Carvalho de Mendonça, Miranda Valverde e Pontes de Miranda.

Referida doutrina brasileira foi muito influenciada pela visão de Salvatore Satta, um dos doutrinadores máximos da índole processual da falência na Itália. No prefácio de sua famosa obra, entretanto, denominada Diritto Fallimentare, esse ilustre autor iria revelar, mais tarde, que aquela concepção rigidamente processualista da falência – que, antes, com tanto ardor, houvera defendido – foi-lhe parecendo, com o tempo, não correspondente à realidade.

Convenceu-se o grande jurista peninsular de que outros caminhos deveriam ser percorridos para o correto entendimento do instituto da falência, passando pelos seus fundamentos econômico-sociais e pela organização da sociedade em que o mesmo se insere. Era necessário, portanto, retomar os movimentos do conceito de empresa. São suas palavras:

“Per capire il fallimento io mi sono convinto che bisogna percorrere altre strade, risalire ai fondamenti economico-sociali dell’istituto, all’organizzazione della società in cui esso si inserisce: in una parola bisogna prendere le mosse dal concetto di impresa.” (grifos meus)

Poder-se-ia dizer, com efeito, com apoio na doutrina dominante, que uma análise crítica do conteúdo do nosso Decreto-Lei nº 7.661, de 21/06/45, ainda que singela, leva às seguintes conclusões sobre esse velho diploma:

1ª) Não pôde ele refletir, em razão da época em que veio a lume, as conseqüências sócio-econômicas que o segundo conflito mundial provocou nas diversas economias do mundo;

2ª) Dirigiu-se fundamentalmente para o comerciante individual, descurando, quase completamente, da importância da empresa, enquanto atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens e de serviços;

3ª) Não fez, pelo mesmo motivo do momento histórico em que foi editado, a necessária distinção entre empresário e empresa. Estabelecendo um esquema repressivo em relação ao primeiro, trouxe conseqüências desastrosas para a segunda, enquanto instituição social, com múltiplos interesses a serem preservados. As disposições constantes dos arts. 140, inciso III e 111 do texto legal são suficientes para demonstrar, por si sós, a evidência de tal assertiva; 8

4ª) Voltou-se, excessivamente, para regular a situação obrigacional entre devedores e credores, exacerbando-se num processualismo tal que os formalismos estéreis e inconseqüentes culminaram por obnubilar quase que inteiramente a realidade econômica, de sorte que o próprio fim da lei – realização do direito dos credores – não logrou ser atingido;

5ª) Subsistiu, na Lei Falimentar brasileira, em conseqüência das concepções anteriores, uma finalidade liquidatório-solutória que é indisfarçável e que só deveria existir nos casos de completa inviabilidade da atividade empresarial. Exemplo: o sistema de impontualidade e não da insolvência (v. art. 1º e art. 11, § 2º). A jurisprudência afirmara, inocuamente, que o processo falimentar não se constitui em meio de cobrança, mas é assim que tem sido. É verdade que o critério da impontualidade continuou adotado pela nova lei em exame, mas de forma atenuada, minimizando o caráter típico de meio de cobrança atualmente existente.

Ao fixar um valor mínimo para o requerimento da falência (40 salários mínimos, conforme o inciso I do art. 94) e propiciar que a falência não seja declarada caso o devedor apresente o pedido de recuperação judicial no prazo da contestação (10 dias, segundo o art. 98), de acordo com o disposto no inciso VII do art. 96, supõe-se que o pedido de requerimento da falência venha a perder um pouco de seu poder coercitivo.

Trata-se de meras conjecturas… O legislador terá sido um pouco tímido, infelizmente, nessa tentativa de coibir a utilização da falência como meio de cobrança ao permitir que os credores, nos termos do § 1º do art. 94 da nova lei, reúnam-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o pedido de falência com base na impontualidade do devedor. De toda sorte, parece que alguma melhora deverá ocorrer…

6ª) Subsistiram, igualmente, excessivos privilégios estabelecidos em favor do fisco, de tal sorte que nem mesmo os credores com garantia real sentem-se seguros no momento de concordarem com a concessão do crédito. A mudança ocorrida, nesse particular, foi substancial, com a inversão da posição entre os créditos com garantia real e os créditos tributários, passando estes a ocupar o terceiro lugar na ordem de classificação dos créditos, cedendo o segundo lugar para os chamados “créditos financeiros”, consoante os termos do art. 83 da nova Lei (incisos II e III).

Todas essas circunstâncias, ainda que sumariamente expostas, parecem levar à conclusão de que a nova lei falimentar ─ independentemente de sua real motivação, e sejam quais forem as suas limitações ─ haverá de trazer muitos benefícios à sociedade brasileira.9 Dir-se-á, com razão, não se tratar da lei dos nossos sonhos… Não é, pelo menos, a dos meus sonhos… Mas ela está aí e será com ela que precisaremos trabalhar. Acertos e erros, afinal de contas, fazem parte de toda obra humana…

Notas _____________________________________________________

* Trecho extraído do capítulo introdutório de livro ainda inédito sobre a matéria.

1 Em memorável discurso proferido no dia 11 de outubro de 2002, foi o êxito desse curso recordado pelo citado professor. Cf. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. 98, 2003, edição comemorativa de 110 anos de publicações ininterruptas, p. 743.

2 Não obstante todos os percalços sofridos pelo sistema falimentar italiano, o Prof. Edoardo Ricci encantou a todos, fosse pelo entusiasmo com que discorria sobre o tema – mostrando que um professor autêntico nunca deixa de acreditar naquilo que leciona -, fosse pela demonstração da humildade necessária para todo jurista que se proponha a estudar em profundidade o direito falimentar.

3 Cf. Aspectos Jurídicos da Macro-Empresa, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1970, p. 102.

4 Razão assistiu, por certo, ao então Ministro interino da Justiça Alexandre Marcondes Filho – em substituição ao Titular daquela Pasta, o Dr. Francisco Campos – ao afirmar, na Exposição de Motivos anexada ao texto do anteprojeto encaminhado ao Presidente da República (e que se converteria mais tarde no Decreto-Lei n° 7.661/45), estar certo de que, “decretando uma lei elaborada por grandes valores jurídicos e após um longo período de consulta a todos os interessados, Vossa Excelência prestará inestimável serviço à vida econômica do país”. Para a época em que foi editado, sem dúvida, terá prestado mesmo.

5 Não difere muito, igualmente, a noção de empresa fornecida pelo Decreto-Lei n° 132, de 23 de abril de 1993, editado em Portugal, sobre os processos especiais de recuperação da empresa e de falência, conforme se pode ver no art. 2° desse texto: “Considera-se empresa, para o efeito do disposto no presente diploma, toda a organização dos fatores de produção destinada ao exercício de qualquer atividade agrícola, comercial ou industrial ou de prestação de serviços”.

6 Cf. Corso di Diritto Commerciale, Milão, 1962, Giuffrè, p. 308.

7Cf.Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. 7, p. 60, Livraria Freitas Bastos S.A., 5ª edição, 1954, onde se lê: “Na verdade, o instituto da falência não se restringe aos domínios do direito comercial; penetra nos do direito público, do direito civil, do direito internacional público e privado, do direito criminal, do direito judiciário, em cada um dos quais vai buscar regras, preceitos e ensinamentos, tendo, muitas vezes, de modificá-los, a fim de adaptá-los ao grande meio de execução coletiva que trata de organizar. Inspira-se ainda, na ciência econômica, cujos fenômenos não lhe devem ser estranhos, na ciência financeira e na estatística, onde verifica a prova do resultado do seu funcionamento.”

8Diz o inciso III do art. 140 do Dec.-Lei 7.661 não poder impetrar concordata o devedor condenado por crime falimentar, furto, roubo, apropriação indébita, estelionato e outras fraudes, concorrência desleal, falsidade, peculato, contrabando, crime contra o privilégio de invenção ou marcas de indústria e comércio e crime contra a economia popular. O art. 111 desse mesmo diploma, por seu turno, estabelece que o recebimento da denúncia ou da queixa terá como condão obstar, até sentença penal definitiva, a concordata suspensiva da falência. Nesses dois exemplos citados, portanto, a punição ao empresário acarreta, por via oblíqua, uma sanção para a própria empresa. E como salientado, com a costumeira propriedade, pelo eminente e saudoso Professor Nelson Abrão (Curso de Direito Falimentar, 5ª edição, 1997, p. 445): “Não há muita coerência num diploma que procura a responsabilização de ordem penal do empresário e de seus gerentes, uma vez que os delitos são estranhos à sorte da empresa, que deve seguir normalmente seu ritmo de atividade, provavelmente na diretriz de profissionais que exponham ao Juízo as dificuldades e o norte de eventual tendência recuperatória”.

9 Diz-nos a respeito o saudoso professor Nelson Abrão (idem, ibidem), que tanto contribuiu para que o Projeto de reforma de nosso direito falimentar não ficasse adstrito ao mesmo espírito e à mesma letra da lei vigente: “Destarte, a ‘communis opinio’, de modo geral, sem divagações, orientou-se favorável à radical alteração que norteia o diploma em vigor, retirando seu espírito excessivamente processualista, para dotá-lo de forma procedimental consentânea com a viabilidade econômica da empresa, e os planos que pretendem preservá-la, sem grandes saltos de qualidade, mas com logicidade e racionalidade indispensáveis aos organismos que atravessam períodos de crise”.