Entrevista com Carmem Fontenelle

31 de outubro de 2006

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A advogada Carmem Fontenelle, candidata à presidência da OAB/RJ, disse sentir-se orgulhosa de ter sido escolhida para representar seu grupo nas próximas eleições da entidade, principalmente pelo fato de ser do sexo feminino, o que demonstra o peso que as mulheres têm hoje na advocacia.

“O fato de ser mulher apenas aumenta a minha responsabilidade como presidente da OAB/RJ”

Como a senhora vê a campanha movida pelo presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, Roberto Busato, em defesa da moralidade pública?

Na verdade, o presidente Busato sintetiza as aspirações e anseios de todos os advogados e de toda a sociedade civil. Por posicionamentos firmes e claros em defesas da ética profissional, da dignidade pessoal e da moralidade da coisa  pública é que a OAB ao longo de seus 78 anos de existência se firmou como porta-voz do povo brasileiro. Esta luta diária e permanente é que fez a OAB no princípio do ano ser considerada, por 68% da população brasileira, como a entidade mais ética do país.

Recentemente, a OAB teve uma grande vitória no CNJ, ao conseguir anular vários atos administrativos do Tribunal de Justiça da Bahia que não tinham o respaldo da transparência, princípio básico que deve nortear todas as atividades da Justiça, em particular, e dos demais poderes.

A ministra Ellen Gracie está na presidência do STF e o número de juízas em todas as instâncias e de profissionais do sexo feminino tem aumentado consideravelmente. A que a senhora atribui esse fato?

A conquista das liberdades da mulher vem ocorrendo de forma progressiva ao longo dos anos, em todos os segmentos da sociedade civil. Na advocacia brasileira, Mirthes Gomes de Campos, há 100 anos atrás, teve que travar uma luta, inclusive judicial, para ser reconhecida como advogada. A partir daí, a mulher competente foi se firmando na área da advocacia e dentro do poder judiciário e é claro que o aumento deste número nas atividades judiciais se deve a todo o somatório destas mulheres do passado. A ministra Ellen Gracie, por sua vida pessoal e competência profissional, vem apenas coroar toda esta trajetória feminina que, ao longo do século XX, revolucionou e mudou a cara do mundo. Hoje as mulheres, no mundo inteiro, do país mais pobre ao mais rico, ocupam lugares de mando, são força de trabalho relevante, chefes de família, estadistas, e, por seu intelecto, competência, força pessoal, sensibilidade e ética, abriram espaços antes ocupados apenas por homens. Lutam hoje ao lado deles em todos os níveis da vida, do pessoal ao profissional, dividindo tarefas, responsabilidades, realizações, projetos e sonhos.

A senhora vai entrar na história da OAB/RJ, caso vença as eleições, como a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da entidade. Como a senhora vê esse fato?

Apenas por ter uma mulher como candidata à presidência da OAB/RJ, nosso grupo demonstra que se renova em suas idéias e propostas a cada eleição.  Uma mulher presidente da OAB/RJ (como tem acontecido em diversos ramos da sociedade e, como dissemos acima, no campo do direito o melhor exemplo é a ministra Ellen Gracie), confirma o papel de igualdade que as mulheres vêm conquistando ao lado dos homens. Como presidente da OAB/RJ farei uma gestão endereçada a todos os advogados do estado do Rio, pautada na valorização do profissional, no aprimoramento do respeito às prerrogativas da classe, na assistência ao advogado recém-formado e na ampliação das conquistas que os advogados já obtiveram durante a gestão de Otávio Gomes. Cabe destacar que estarei sempre vigilante na defesa da intransigente transparência da administração pública.  O fato de ser mulher apenas aumenta minha responsabilidade como presidente da OAB/RJ, pois sendo a primeira a ocupar este cargo, terei que reafirmar a competência feminina em representar toda a sociedade em cargos desta importância. Por ter sido escolhida a candidata de meu grupo, pessoalmente,  já me sinto honrada com tal distinção. Mas todos podem ter a certeza que, ao final da minha gestão os advogados terão orgulho da mulher que, elegeram como presidente da OAB/RJ.

O que a levou a escolher a advocacia como profissão?

Sou neta, filha e irmã de advogados. Meu avô e meu pai foram presidentes da OAB/RJ, meu escritório de advocacia foi fundado há quase cem anos e com toda esta história familiar dedicada à advocacia e à OAB, nunca nenhum de nós esteve envolvido em qualquer desmando ou ato de corrupção. Minha trajetória familiar avaliza meu futuro. Quando entrei na faculdade comecei a estagiar e a freqüentar o fórum da capital. Apaixonei-me pelo direito, pela militância; advogar é minha vida, os fóruns e a OAB são minhas casas. Sou advogada militante, na área de família há mais de 30 anos, ingressei na OAB convidada pelo então presidente Nilo Batista para integrar a Comissão de Direitos Humanos e desde aquela época venho desempenhando várias funções dentro de nossa instituição até chegar a vice-presidente de Otávio Gomes, desde sua primeira eleição. Portanto, sei exatamente quais as necessidades e aspirações dos advogados militantes, por ser uma deles.

Quais são as principais reivindicações das mulheres perante o Judiciário e a OAB/RJ? Ainda existem preconceitos a ser superados?

As principais reivindicações que tenho recebido não são exclusivamente de assuntos afeitos às mulheres, mas questões de interesse de toda a classe. Cabe destacar que até o final do ano, pelo que tenho percebido dentro da OAB, o número de mulheres advogadas será o mesmo dos homens advogados. Novas e antigas advogadas se inseriram no conjunto de profissionais, não existindo reclamações específicas. Quanto à questão do preconceito de mulheres advogadas, este existiu no passado. Atualmente, as mulheres já firmaram seu espaço no mercado de trabalho, inclusive naquelas atividades que dependem de concurso público como a magistratura, promotoria e defensorias públicas, onde as mulheres cada vez mais estão presentes. Quanto à participação das mulheres pelo quinto constitucional, diversas já se inscreveram e foram indicadas nas listas sêxtuplas, mas não foram aproveitadas pelo tribunal correspondente ou mesmo pelo chefe do executivo. Mas certamente, pelo que se tem constatado, entendo que a indicação de uma mulher pelo quinto dos advogados será apenas uma questão de tempo.

Foi sancionada em 7 de agosto último a lei 11.340, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica contra a mulher. Essa lei se basta para solucionar esse terrível problema?

A lei “Maria da Penha”, lei 11.340/06 é uma vitória de muito relevo para a sociedade, as famílias e as mulheres.  O olhar específico sobre a questão da violência doméstica retira esta realidade terrível da generalidade e permite um aprimoramento do sistema jurídico na abordagem do problema concreto. Segundo pesquisas, a cada 15 segundos uma mulher é agredida em nosso país. E estudos comprovam que crianças criadas em lares violentos tendem a repetir no futuro este comportamento, não apenas no âmbito familiar, mas na sociedade. Esta lei propicia a interrupção do circulo vicioso, na medida em que prevê não só a coerção do agressor, mas também, a reabilitação da vítima, através do atendimento médico e psicológico adequados e mecanismos contundentes de proteção.

Com a aprovação da lei, o Brasil atende às recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Ela representa um passo significativo para assegurar à mulher o direito à sua integridade física, psíquica, sexual e moral. Nós conquistamos direitos em diversas áreas, mas a implantação deles sempre foi muito difícil. As profissionais do direito tem um papel importante na viabilização dessas conquistas, mas precisam tomar mais conhecimento de seus direitos. Um dos princípios do direito é a luta pela igualdade social. O profissional do direito deve se aproximar mais de nossa realidade e mostrar as causas femininas de forma mais qualificada. Por isso, me empenharei à frente da OAB/RJ para que seja cumprido o preceito legal que obriga a criação de uma vara especial no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para atender aos processos criminais de agressões às mulheres.

Já existem delegacias especializadas em crimes contra as mulheres, mas a maioria das vítimas não procura a polícia para registrar suas queixas pois se sentem envergonhadas. Quando uma mulher encontra-se em situação de violência, fica muito vulnerável. É necessário que receba também atendimento psicológico. A lei tem um papel educativo, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido para sua plena implementação. Temos que lutar muito.

Como a senhora vê a ação dos Conselhos Nacionais de Justiça e MP? O controle externo do poder judiciário é válido?

Os Conselhos Nacionais de Justiça e do MP são conquistas da sociedade brasileira, implantados pela Emenda Constitucional nº 45. Estes conselhos na prática trouxeram mais transparência na administração de suas áreas de atuação. Cabe relembrar o caso de nepotismo dos tribunais em todo o país e que o CNJ obrigou a demissão de parentes de magistrados empregados nos tribunais. Como advogada, fico orgulhosa pois este tema, que sempre foi jogado para debaixo do tapete, foi apresentado no CNJ pelo representante da OAB naquele conselho. Isto prova que tanto o Conselho quanto a OAB exercem seus papéis de fiscalização com vigor e empenho.

Como a senhora pretende compor o Conselho da OAB/RJ e quais serão suas atribuições?

O Conselho da OAB representará todas as áreas de atuação do direito, bem como as regiões do estado. O Conselho será a síntese do pensamento dos advogados do estado do Rio e sua importância se traduz no contato diário com a presidência da OAB, no encaminhamento das soluções dos problemas específicos da classe. O Conselho também será o fomentador e gestor da política institucional da OAB naquilo que se refere à representação da sociedade civil e suas aspirações. Entendo que o Conselho da OAB é de fundamental importância para o sucesso da administração. Por isso,  são escolhidos, dentre todos os advogados do estado, independentemente de qualquer outro critério, aqueles que se destacam em suas áreas de atuação: os éticos que possuem a experiência da militância profissional para representar o conjunto da advocacia fluminense.