O Judiciário dos nossos sonhos

5 de novembro de 2004

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O Ministro Márcio Thomaz Bastos tem pautado na direção do Ministério da Justiça uma tarefa de reconhecida competência e resultados realmente positivos. A atuação em todos os setores da Pasta Ministerial tem trazido efetivos progressos, deixando auspiciosas esperanças para um futuro próximo, destacando-se o papel da Força Nacional de Segurança Pública, a campanha de desarmamento, a ação e os trabalhos que sob sua orientação, vem sendo desenvolvidos e realizados pela Polícia Federal, na luta cotidiana e produtiva contra a corrupção e a lavagem de dinheiro nos setores públicos e privados, contra o tráfico de drogas e a pirataria desenfreada, na atuação constante e preocupação com a reforma do sistema carcerário, e efetiva participação junto aos Poderes Legislativo e Judiciário, na tentativa da melhora do projeto da Reforma do Poder Judiciário.

A entrevista concedida pelo Ministro para a Revista Justiça & Cidadania demonstra a preocupação com os assuntos de sua responsabilidade funcional, mas, sobretudo, a competência de quem sabe agir e fazer.

O Judiciário dos nossos sonhos

Com que medidas o governo está enfrentando a questão da Segurança Pública no país?

O principal papel do governo é o de apoiar os projetos de Segurança Pública apresentados pelos estados e municípios, formando parcerias, inclusive envolvendo outros órgãos federais. No ano passado, criamos o Sistema Único de Segurança Pública, o SUSP, que é coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), articuladora das políticas do setor. Todos os Estados já aderiram ao sistema, criaram os Gabinetes de Gestão Integrada (GGIs) e já estão recebendo os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública. Além disso, o Ministério da Justiça realiza a compra direta de alguns instrumentos importantes para o combate à criminalidade, como viaturas, laboratórios de DNA e Sistema de Identificação Digital. Em novembro, por exemplo, serão distribuídos 1.250 carros para todas as unidades da federação, que custaram R$ 49 milhões. Era isso o que tinha de ser feito e estamos fazendo. Para se ter uma idéia, existem 56 policias atuando com dinâmicas distintas pelo país, até sem compartilhar informações. Enquanto isso, o crime organizado está usando padrões de operação e redes de cooperação. Até dezembro queremos que todos os estados estejam com o Sistema Automatizado de Identificação por Impressões Digitais (Afis), para compartilhar o banco de dados da Polícia Federal, permitindo mais eficiência ao combate à criminalidade. Temos que ter uma polícia integrada, um Judiciário que julgue e um sistema prisional voltado para a recuperação dos presos. Precisamos reorganizar as instituições de segurança do país, como estamos fazendo com a Polícia Federal, que está cortando na própria carne, fazendo grandes operações, como a Suporte e a Esteira Livre, ambas realizadas no Rio de Janeiro, além de outras também de importância, como a Praga do Egito, Anaconda e Vampiro. E não podemos esquecer a Campanha do Desarmamento, que superou todas as expectativas do governo. Até os primeiros dias de novembro havíamos recolhido mais de 170 mil armas.

Qual é o papel da Força Nacional de Segurança Pública no combate à violência?

A Força Nacional de Segurança Pública é uma equipe especial para atuar nas situações de crise e combate ao crime organizado. É composta pelos melhores homens das corporações estaduais de Polícia Militar e treinada na Academia Nacional de Polícia (ANP), da Polícia Federal. Eles serão requisitados pela União para atender a solicitação dos governadores, sempre em situações críticas.  Mas, para não desfalcar as corporações, os policiais retornam a seus estados de origem após cada operação. Até dezembro, serão treinados 1.500 policiais e a intenção é padronizar os procedimentos policiais, além de melhorar a qualificação.

A campanha do desarmamento tem sido um sucesso. O senhor espera que a entrega de armas pela população diminua a criminalidade?

Se pensarmos que a cada dia, um entre 100 brasileiros perde a vida por disparo de armas de fogo, seja proposital ou por acidente, e que uma arma a menos evita, no mínimo, uma morte, logo, os homicídios tendem a diminuir. A arma de fogo, ao contrário do que possa parecer, não é uma segurança para o cidadão. Ela pode ser usada contra ele mesmo e sua família. São muitos os casos em que as pessoas são rendidas por bandidos com a própria arma ou de crianças e adolescentes curiosos se machucarem ou até provocarem mortes. Assim, ter uma arma em casa é mais perigoso do que se livrar dela. Como disse anteriormente, uma das grandes realizações do governo para combater a criminalidade é justamente uma campanha de desarmamento, um passo decisivo na busca de um país seguro, menos violento. Para isso, estamos incentivando, com nossas idas a todos os estados brasileiros, a criação de comitês estaduais de apoio ao desarmamento.

E em que a reforma do Judiciário pode ajudar?

A reforma constitucional do Judiciário é necessária para dar mais transparência e democratizar este poder. Mas ainda não é suficiente para promover as mudanças que queremos para termos o Judiciário dos nossos sonhos. Para isso, é necessário um conjunto de medidas, e uma delas foi a criação, em maio de 2003, da Secretaria de Reforma do Judiciário, que está elaborando uma série de ações e projetos. A Secretaria está trabalhando tanto em diagnósticos do setor como em projetos para modernizar a máquina administrativa dos tribunais e articular as alterações legislativas constitucionais e infraconstitucionais.

Isso inclui alterações na legislação processual?

Sim. Uma das principais frentes de ação da Secretaria de Reforma do Judiciário são alterações na legislação processual brasileira, principalmente nos códigos de processo civil e penal, fundamentais para que os julgamentos aconteçam com maior celeridade. Optamos por fazer mudanças pontuais nos dois códigos e não reformá-los totalmente para não corrermos o risco de ver suas aprovações levarem anos para se concretizar. Quanto a isso, acredito que não existam divergências no meio jurídico. Entre os projetos em elaboração estão os que simplificam o processo de execução judicial, extrajudicial e fiscal, e também a sistemática de recursos.

Estes projetos já estão no Congresso? O que propõem?

O primeiro deles, sobre Execução de Títulos Judiciais, foi aprovado em junho na Câmara Federal e está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Pela proposta, as fases de liquidação e execução de sentença deixam de ser autônomas e passam a fazer parte do processo de conhecimento. O projeto sobre execução extrajudicial está prestes a ir ao Congresso e o de simplificação dos recursos está em fase final de elaboração. Acredito que o impacto destas propostas para agilizar a tramitação de ações na Justiça será muito grande. Também estamos propondo um projeto que institucionaliza nos tribunais a mediação como forma alternativa de solução de conflitos, que foi resultado de um trabalho elaborado por juristas e apresentado ao Ministério da Justiça. Ele é hoje um substitutivo de um projeto que está na CCJ do Senado.

Um dos grandes problemas do país continua sendo a superlotação dos presídios. Como o governo está enfrentando isso?

O Ministério da Justiça tem atuado em diversas frentes, sempre buscando a parceria com os estados, que são os gestores do sistema prisional. É um problema que se agravou muito ao longo dos últimos anos não só no Brasil como no mundo, principalmente na América Latina. Para se ter uma idéia, em 1992 a proporção era de 74 presos por 100 mil habitantes no Brasil. Em 2003, esse número saltou para 165 presos por 100 mil habitantes. Enquanto cerca de 7 mil presos ingressam no sistema penitenciário brasileiro todo mês, apenas 4.500 recebem a liberdade, após ter sua pena concluída.  E esta é uma situação que não pode ser resolvida somente com a construção de presídios e a criação cada vez maior de vagas no sistema penitenciário. O problema é que o sistema penitenciário nunca deu, em nenhum lugar no mundo, os resultados que se esperavam.

Precisamos de um sistema penitenciário que, se não recupera o preso, ao menos não o transforma num criminoso pior do que ele era quando entrou. O que estamos fazendo é incentivar governos estaduais e outras instituições a investir na recuperação e na ressocialização dos presos. É preciso investir em penas alternativas, uma prática que tem uma concepção mais humanista do tratamento do apenado. É menos custoso ao Estado, já que um preso com pena privativa de liberdade custa em média R$ 800 por mês, enquanto que outro com pena alternativa custa apenas R$ 70 mensais. É também uma medida com menor taxa de reincidência criminal e o condenado que a recebe não se vê forçado a entrar no sistema penitenciário. Além disso, já encomendamos estudo para verificar se o resultado da aplicação da lei dos crimes hediondos foi bom ou ruim. Se conseguiu reduzir a ocorrência de tais crimes ou não, ou se apenas amplia a superlotação do sistema. A partir dos resultados dessa análise, vamos rever a lei no que for preciso.

Qual é a política penitenciária deste governo?

O governo vem desenvolvendo um plano de reestruturação do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), órgão do Ministério de Justiça responsável pela política para o sistema no país, que sofreu uma reformulação profunda. O DEPEN definiu como prioridades desenvolver, em 2004, programas que combatam a superlotação e o crime organizado. Para isso, o Governo Federal vai construir, pela primeira vez no país, cinco presídios federais de segurança máxima até 2006. Estamos fazendo o que determina a lei, há 20 anos, e nenhum outro governo cumpriu. O primeiro deles, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, já está sendo construído.  O segundo será em Catanduvas, no Paraná e está em processo de licitação, e estamos nos preparando para licitar o terceiro presídio federal em Porto Velho (RO). A principal função dessas penitenciárias é desarticular qualquer ação do crime organizado, além de funcionarem como modelos. Neles ficarão os presos considerados chefes de quadrilha, principalmente. O DEPEN criou a Ouvidoria-Geral do Sistema Penitenciário e uma nova área de Reintegração Social, que abarca ações para os presos e capacitação de agentes penitenciários, além de investimentos em equipamentos e cursos para Inteligência Penitenciária.

A descoberta de esquemas de corrupção passa para a população a impressão de que a corrupção aumentou nesta administração. O que está realmente acontecendo?

O que acontece é que, nesta administração, o combate à corrupção está mais visível e cheio de êxitos. É só olhar quantas quadrilhas foram desmanteladas, nos mais variados setores da vida privada e pública do Brasil, desde o início do governo. De redes de contrabando até a operação Vampiro, no Ministério da Saúde, uma investigação longa, de algo que estava entranhado como um câncer na administração pública. Sem contar outras operações da Polícia Federal, como a Anaconda, Praga do Egito e Poeira no Asfalto. O presidente Lula determinou que se fizesse um combate, que eu chamo de impessoal e republicano, à corrupção. Vamos pegar quem tivermos que pegar. É um trabalho de limpeza que remonta a uma tradição antiga do PT: não transigir com a corrupção. Como estamos fazendo isso de uma maneira muito visível, pode passar a impressão de que é a corrupção que está aumentando, quando na verdade o que está aumentando é o combate. Está mudando a sinonímia. Hoje, corrupção não significa mais impunidade, significa cadeia, processo, perseguição. Isto é uma política de estado, mais que de governo.

O senhor tem falado muito na prioridade que está sendo dada ao combate à lavagem de dinheiro no brasil. O que está mudando?

A lavagem de dinheiro é a atividade fim de todo o crime, é o objetivo, a razão final para o crime organizado existir. Quando você dificulta este tipo de ilícito, cria uma cultura de combate a essa atividade. Montamos, em julho de 2003, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), no Ministério da Justiça, e alteramos regras do Banco Central para a realização de depósitos de altos valores. Os principais objetivos do DRCI são: garantir a eficácia do combate à lavagem de dinheiro; impedir que o crime remunere o criminoso; promover a cooperação jurídica internacional e estrangular o financiamento das atividades criminosas, além de identificar, prevenir e desmantelar os meios que resultam em recursos ilicitamente obtidos. O departamento também é responsável pelos acordos internacionais de cooperação jurídica, tanto em matéria penal quanto em matéria civil, figurando como autoridade central no intercâmbio de informações e pedidos judiciais feitos pelo Brasil. Também responde pela condução da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem (Encla), que elaboramos em dezembro do ano passado, integrando diversos órgãos do governo que lidam com este problema. Em resumo, significa o compartilhamento de informações e ações entre as instâncias envolvidas na prevenção e combate a este tipo de crime, como os ministérios da Justiça e da Fazenda, o Conselho de Controle de Atividade Financeira (COAF), o Banco Central, a Polícia Federal, o Ministério Público entre outros. Esta estratégia tem 32 metas. Uma delas é assinarmos, até o final do governo, 50 tratados de cooperação internacional, para termos uma rede de combate ao crime organizado no mundo inteiro. Não estamos inventando a roda. Apenas criamos uma sistemática de combate à lavagem de dinheiro, que não existia, baseada na cooperação entre os diversos órgãos.

O governo brasileiro fechou um acordo de cooperação jurídica em matéria penal com a Suíça. Qual a importância deste acordo?

O acordo, assinado em junho, visa a ampla troca de informações entre Brasil e Suíça para o combate à lavagem de dinheiro. As novidades do tratado são a possibilidade de cooperação em fraude fiscal e, em casos excepcionais, a permissão de repatriamento do dinheiro de origem ilegal antes mesmo de sentenças definitivas contra os acusados. É um instrumento bilateral moderno e de vanguarda, que prevê, entre outras medidas, assistência em favor de procedimento penal no Estado requerente para a tomada de depoimentos e troca de informações. Este acordo tem o papel de facilitar, ao máximo, a execução de investigações e ações penais em crimes de lavagem de dinheiro, evasão fiscal e demais atividades ilícitas. Mas também estamos avançando para fechar outros acordos. Já estamos negociando com o Reino Unido um tratado nos mesmos padrões do documento assinado com a Suíça. O acordo com o Reino Unido é importante por ser Londres um dos principais centros financeiros mundiais e destino, ou local de passagem de recursos ilícitos de todo planeta. Este acordo busca também facilitar as negociações com as ilhas conhecidas como “paraísos fiscais”, países com tributação favorecida, ligados ao Reino Unido, como Jersey, Ilhas Mann, Ilhas Virgens Britânicas e Cayman.

A impressão que se tem é que o dinheiro desviado do país nunca retorna, mesmo que se encontrem os responsáveis. É possível reaver o dinheiro lavado?

Com certeza, é possível fazê-lo voltar para os cofres da União. A não ser que se faça outra partilha deste dinheiro, através de uma modificação legal. O DRCI traz no nome o termo “recuperação de ativos” e tem como atividade primordial recuperar o dinheiro, produto da lavagem e de origem criminosa, e trazê-lo para os cofres públicos. Os acordos com nações que tenham grande potencial de cooperação internacional agilizam a comunicação entre as duas pontas e, conseqüentemente, o processo de bloqueio e repatriação de bens tomados ilicitamente. Por meio desses acordos, ao invés de longos documentos que normalmente são enviados basta uma comunicação inicial para que se façam os bloqueios devidos nas contas suspeitas. Assim, as provas são produzidas em parceria, quando possível, e os serviços de inteligência são permutados entre os dois países.

O Ministério da Justiça elaborou um novo processo de classificação indicativa de filmes. O que mudou?

O Departamento de Classificação da Secretaria Nacional de Justiça concluiu um processo de consulta pública para mudanças na classificação de filmes em cinema, vídeo e DVD. A principal novidade é que a nova portaria sobre o assunto permite que crianças e adolescentes entre 10 e 16 anos assistam a filmes com classificação superior à faixa etária delas, mas desde que acompanhados dos pais, ou que os mesmos autorizem, por escrito, outra pessoa maior de 18 anos a acompanhar os filhos. Era uma demanda da sociedade e significa a divisão da responsabilidade, pelos conteúdos assistidos por menores de idade, entre Estado, família e sociedade. A comissão revisora incumbida de propor os avanços incluiu uma nova faixa etária, a de 10 anos, para a classificação de filmes. Hoje, a legislação define as faixas de 12, 14, 16 e 18 anos para o público considerado menor de idade. Todas estas alterações foram feitas com a participação da sociedade, por meio de uma audiência pública. Além disso, a população pôde se manifestar na página do Ministério da Justiça na Internet. A própria sociedade irá monitorar o cumprimento das novas normas,  reclamando ou denunciando irregularidades cometidas pelos produtores, exibidores ou distribuidores dos filmes ao Ministério Público e também ao Ministério da Justiça.

Que medidas o governo está tomando para combater a pirataria?

A postura do governo é endurecer no combate às máfias por meio de grandes operações da Polícia Federal, trabalhar na mudança de cultura da sociedade e envolver todos os países do Mercosul em investigações conjuntas. Nossas ações institucionais não estão focadas em blitz em camelôs ou batidas policiais de caça a pequenos comerciantes estrangeiros porque eles são apenas a ponta de um negócio bilionário, encabeçado por mafiosos, estes sim, alvos das medidas de repressão à pirataria no Brasil. É preciso lembrar que a pirataria está ligada ao crime organizado e é prejudicial à sociedade como um todo. Para coordenar estas ações, o Governo Federal acaba de criar o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual, com representantes dos Ministérios da Justiça, Relações Exteriores, Cultura e Desenvolvimento, além de integrantes do Congresso Nacional e da sociedade civil, como empresários do setor de cinema, livro e indústria fonográfica em geral. Uma das idéias é fazer uma campanha nacional de conscientização da sociedade sobre os danos da pirataria. Agora, em novembro, durante reunião de ministros da Justiça e Interior do Mercosul, em Brasília, devemos assinar dois acordos para a prevenção e combate aos crimes contra os direitos da propriedade intelectual e falsificação/contrabando de cigarros.