Guarda compartilhada Pelo bem das crianças

6 de fevereiro de 2015

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Arnaldo-FariaAs mudanças na lei que estabelece as regras sobre o destino, cuidados e educação dos filhos em caso de divórcio dos pais deverão contribuir para trazer mais paz a uma situação que tende a ser conflituosa.

Nos últimos dias de 2014, a sociedade brasileira viu se concretizar o respaldo legal que pretende fazer valer os direitos de pais e mães que, após o divórcio, muitas vezes, perdem na Justiça as garantias de conviver adequadamente com seus filhos. A 22 de dezembro, a presidente Dilma Rousseff sancionou o Projeto de Lei no 117/13, de autoria do Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá (PTB/São Paulo), que altera o Código Civil e torna a guarda compartilhada regra no País, mesmo se não houver acordo entre os pais. Publicada no Diário Oficial da União, a lei no 13.058 altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

Para o autor do texto, o fato chega, em primeiro lugar, para colocar fim a um usual equívoco de interpretação, que vinha sendo perpetrado por alguns operadores do Direito. Arnaldo Faria de Sá também celebra o que acredita ser uma vacina contra a alienação parental e menciona o apoio recebido pela avó do garoto Bernardo Uglione Boldrini, de onze anos, encontrado morto em um matagal na cidade de Frederico Westphalen (RS), em abril de 2014. O parlamentar revela que Jussara Uglione lhe enviou uma correspondência em que afirma: “(…) se nessa época já existisse a lei, talvez Bernardo estivesse vivo.”

Revista Justiça & Cidadania – Do ponto de vista da sociedade, como o senhor enxerga esta conquista, com a aprovação do PLC 117/13?
Deputado Arnaldo Faria de Sá – Quando fizemos essa propositura do PLC 117/2013 – hoje, graças a Deus, Lei 13.058/14, sancionada sem vetos –, a intenção era corrigir um erro de interpretação do parágrafo 2o do artigo 1.584, que continha a expressão “sempre que possível”. Essa expressão deveria ser usada para que fosse deferida a guarda compartilhada, sempre que os pais estivessem aptos a exercer a paternidade. Acontece que parte dos magistrados, assim como alguns membros do Ministério Público, interpretaram diferentemente da intenção do legislador, imprimiram um conceito em que só se concederia a guarda compartilhada se os pais se dessem bem. Então, o novo texto vem corrigir isso explicando o sentido real do que significa guarda compartilhada. São muitos filhos e pais que se separam depois do divórcio, acabando com a convivência entre ambos. O pai ou a mãe que não detém a guarda é um mero visitante em finais de semana alternados. O malefício para as crianças é muito grande e o avanço vem nesse sentido de fazer o que é certo, ou seja, quem se separa são os cônjuges, mas nunca o pai ou a mãe dos filhos. A convivência deve ser igualitária, tentando preservar-se a higidez mental da criança, aplicando-se o duplo referencial; conviver com ambos equilibradamente. Essa conquista é imensa e, mais que justa, necessária, como já disse. Pai e mãe não podem ser vistos como visita. O projeto foi tão bem assimilado pelo Legislativo que obteve parecer favorável em todas as comissões nas duas casas e, como mencionei, foi sancionado pela Presidência da República sem vetos.

JC – Alguns juízes afirmam que essa mudança poderá contribuir para reduzir a violência contra as crianças e a prática da alienação parental. Qual sua opinião sobre isso?
AFS – É verdade! A alienação parental é um mal nefasto para as crianças. Quando um dos cônjuges não aceita a separação, deseja se vingar pelo fim da relação, ou, por algum motivo menor, usa a prole. E, então, dificulta a convivência dos filhos com o outro, faz denúncias falsas, não deixa que o outro participe da vida dos filhos, não passando qualquer tipo de informação, como rendimento escolar, consultas médicas etc. Não é raro quando implantam “falsas memórias”, denegrindo a imagem do outro pai para que a criança venha desenvolver uma repulsa a este. Isso é muito sério. Essa tortura psicológica é uma violência seriíssima contra a criança, além de causar sérias sequelas psicológicas, às vezes irreversíveis, no relacionamento entre esta e o pai alienado. Assim, a guarda compartilhada, a convivência com ambos, funcionaria como uma vacina contra esse mal, já que determina a convivência igualitária, dificultando a conduta negativa de um dos ex-cônjuges contra o outro.

JC – Daqui para frente, na prática, quais deverão ser as mudanças no dia a dia de advogados e juízes quando diante de um conflito que envolva a guarda de crianças? Afinal, a obrigatoriedade da guarda compartilhada pode influenciar no conflito entre as partes, que já não é uma situação fácil.
AFS – Penso que a conduta deve ser pautada pela preservação do maior/melhor interesse da criança e do adolescente. Esse é o espírito da lei. Foi essa a intenção do legislador ao definir, nesses casos, o modelo que deva ser seguido pelo Judiciário e os operadores do direito, ou seja, preservar o convívio igualitário. Não tem segredo. É simples. O que não se pode mais tolerar é que depois de uma reedição da lei da guarda compartilhada – em pouco tempo, pois a anterior é de 2008 –, e após exaustivos debates, consultas a entidades e audiências públicas com especialistas, continuem com o conceito anterior do “sempre que possível” e das visitas. Isso acabou! Só poderá ser negada a guarda compartilhada em duas hipóteses: se um dos genitores abrir mão em juízo, ou se não estiverem em condições de exercer o poder familiar. Fora isso, a guarda compartilhada é regra e a unilateral passa a ser exceção. O tempo de convívio deverá ser o mais equilibrado possível, se for 50% a 50% será ótimo. E isso deverá ser visto caso a caso, considerando as situações fáticas, como a de pais que moram perto, às vezes no mesmo bloco de apartamentos, ou dos que moram em cidades distantes. Mas veja, isso não impede o deferimento da guarda compartilhada, mesmo que morem em países diferentes, o caso a caso será, como disse, na questão do tempo de convivência, unicamente.

JC – Se a guarda, a partir de agora, for obrigatoriamente compartilhada, como ficam as questões relativas a pensão alimentícia, custeio de educação, entre outros aspectos?
AFS – Essa questão continua sendo regida pela situação fática nos termos da lei de alimentos. Cada genitor vai contribuir na medida de sua possibilidade, dentro da necessidade dos filhos.

É o binômio necessidade/possibilidade. Os filhos não podem ser prejudicados com isso. Não haverá mais a disputa da pensão alimentícia, em que um dos genitores paga e o outro administra. A mudança que deve haver é a divisão das despesas equitativamente dentro do conceito acima. Este é o ideal a ser perseguido. Não havendo acordo, o Judiciário pode fixar quais as despesas que cada um arcará para mantença dos filhos dentro dessa nova realidade. Por exemplo: o pai paga a escola, a mãe o cursinho de inglês ou outra atividade, o lazer com a criança ficará ao encargo de cada um dentro do seu período de convivência e assim por diante. Mas tem uma observação importante que gostaria de destacar. Tem gente pensando que não vai mais pagar nada. Isso não é verdade! Para um pai ou mãe que venha a desenvolver essa estrutura da convivência ampliada, como determina a lei, ambos têm que manter uma estrutura de moradia e tempo para se dedicar aos filhos. Dependendo do caso, com certeza a despesa irá aumentar, então precisam pensar bem nisso, antes de qualquer medida.

JC – Gostaria de colocar aqui uma situação prática e recente: meses antes de ser assassinado, o menino Bernardo Boldrini procurou a Justiça para pedir que sua tutela fosse retirada do pai. No caso da obrigatoriedade, como a Justiça poderá lidar com uma situação similar no futuro?
AFS – Realmente! Olha, esse drama infelizmente manchou nosso Direito de Família. A criança tem o direito consagrado de ser ouvida nas decisões que influenciam sua vida. Essa criança foi vítima de um sistema arcaico, burocrático demais. O Judiciário é capaz de desmontar uma grande peia de traficantes, de bandidos, mas não se mostra capaz ainda de ouvir a simplicidade do pedido de uma criança. Na maioria das vezes, as pessoas são encaminhadas para setores de psicologia e assistência social, para que esses profissionais a avaliem com equipe multidisciplinar. Temos de ter cuidado aí, muito cuidado, porque esses laudos são apenas uma fotografia do momento da vida dessa criança. O Judiciário deve prestar muita atenção a isso, de preferência que o juiz e o próprio Ministério Público ouçam diretamente, até porque, são eles que vão decidir o futuro dessas crianças. É lógico que outros campos da ciência são bem vindos, mas o Direito é diferente da Psicologia e vice-versa. Então, nesses casos, penso que não deva haver uma decisão repentina, mas um acompanhamento da situação. Já que foi citado esse caso especificamente, tenho de mencionar aqui que durante a tramitação do projeto de lei, quando estava no Senado, a avó do menino Bernardo enviou uma correspondência apoiando abertamente a aprovação de nossa iniciativa, contando o drama que Bernardo e ela viveram. Terminou dizendo que, se nessa época já existisse a lei, talvez Bernardo estivesse vivo. A lei deve ser cumprida pelo Judiciário, pelo bem de nossas crianças. Elas agradecem!

E como fica?

Principal diferença: a guarda compartilhada deixa de ser opção e se torna regra, a ser descartada apenas em casos excepcionais (pais usuários de drogas, por exemplo);

Local de moradia: o juiz irá estabelecer, prevalecendo a cidade que melhor atender aos interesses da criança;

Tempo de convivência: dividido de modo equilibrado entre mãe e pai; se um deles vive em localidade muito distante, a convivência poderá ser compensada durante os períodos de férias e/ou feriados prolongados;

Pensão alimentícia: este valor e demais gastos (médicos, estudos e outros) serão divididos de forma equilibrada, independentemente da residência de qual dos pais a criança viva;

Modelo de criação e educação formal: os pais decidem em conjunto a melhor opção;

Conflito entre os pais: a regra será aplicada de todo modo e eles deverão obedecer a ordem judicial:

Opinião da criança: será ouvida em casos muito excepcionais (após avaliação da família por equipe multidisciplinar);

Revisão da guarda: continua a caber, mas dependerá de processo judicial.