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Há muitos erros de português

31 de julho de 2006

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O filólogo Evanildo Bechara, com 73 anos, é imortal da Academia Brasileira de Letras. Considerado um dos maiores especialistas em filologia e gramática portuguesa do mundo, sua opinião sobre os nossos professores deve ser avaliada com muita atenção. Somos obrigados a admitir que a situação é assustadora. É parte de um depoimento do Prof. Evanildo Bechara à repórter Valéria Martins, do Jornal de Letras.

“Os professores, mesmo de nível universitário, não conhecem bem a língua e ensinam errado aos alunos”.

Quando a jornalista lhe pediu que justificasse a denúncia em relação aos professores, afirmou: “Outro dia me mostraram uma prova para a quinta série, ou seja, para alunos de 10 ou 11 anos, que era errada até do ponto de vista pedagógico. Trazia um texto da carta de Pero Vaz de Caminha, escrita em português antigo. Dizia assim: ‘mandamos em terras batéis e esquifes’. No final do texto, havia um glossário onde ‘esquife’ aparecia como sinônimo de ‘caixão fúnebre’. Ora, ‘batéis’ são barcos grandes e ‘esquifes’, barcos pequenos. ‘Esquife’ é uma palavra estrangeira, um empréstimo que recebemos das línguas nórdicas. Ou seja, o professor não leu corretamente a carta de Pero Vaz de Caminha, não conhece o vocabulário da língua portuguesa e está passando noções erradas aos alunos numa prova. É gravíssimo.”

E disse mais: “Há muitos erros de português. O nível diminuiu muito, mesmo nos meios onde se deveria saber escrever corretamente. Mas esses profissionais são vítimas do mau ensino da língua, que já está institucionalizado. Hoje mesmo, eu estava analisando algumas provas de vestibular da PUC e da UFRJ. As interpretações que os próprios professores fazem nas questões são verdadeiros absurdos. São interpretações pessoais, nas quais os alunos não conseguem penetrar facilmente. Na parte de gramática, também há erros.”

Quem gostaria que seu filho aprendesse, na escola, noções erradas de gramática e textos com interpretações dúbias? São os desafios que se colocam para os cursos de formação de professores, na esperança das necessárias providências.

O profissional de educação precisa ser vocacionado. Entretanto, a remuneração dos professores é um problema, ainda insolúvel, o que vem afastando do magistério aqueles que fizeram excelentes cursos de formação e se preocupam com a atualização constante. Estes, certamente, optam por outros trabalhos. Não se pode deixar de registrar que os baixos salários impedem que o professor reserve uma verba para a compra de livros e pagamento de cursos de reciclagem – mal dá para comer e para vestir. E morar dignamente, então, nem se fala.

O investimento na melhoria dos recursos humanos dos profissionais da educação, principalmente em relação ao domínio da língua, é imprescindível e urgente. Seja professor de física, química ou qualquer outra disciplina, todos têm obrigação de falar e escrever corretamente o português. O exemplo é o maior aliado da educação. Isso para não citar a precariedade registrada nos cursos de Direito em relação ao vernáculo.

Para que as autoridades assumam a responsabilidade de manter cursos, promover oficinas, seminários e encontros para os professores, a fim de tê-los atualizados é preciso que este ponto seja considerado prioritário no planejamento de qualquer governo municipal e estadual e as verbas, destinadas a esse programa, sejam de fato utilizadas para o crescimento pessoal e profissional do professor.

Há uma história popular que é bem elucidativa. Quando, numa cidade do interior, foi feita empiricamente uma pesquisa sobre a popularidade do seu prefeito, um sábio local manifestou a sua opinião: aqui a população está bem dividida. Metade acha que ele é um prefeito medíocre, a outra metade acha que ele é um medíocre prefeito.

Recordo o fato para lembrar os oito anos de gestão na educação do Governo Fernando Henrique Cardoso. Que confusão: O seu então ministro sistematicamente vem a público, com sua notória atração pela mídia, para criar a mais impressionante bateria de factóides do país. Uma fértil imaginação.

Escreveu um longo artigo, afirmando peremptoriamente que “a educação brasileira está melhor.” Como vivemos numa democracia, apesar da arrogância neoliberal, temos o direito de questionar essas afirmações, com base no que vemos objetivamente em sucessivas visitas a escolas – e no que afirmam os sacrificados secretários estaduais e municipais de educação, que aprenderam a não mentir. Não há ganhos concretos em exercícios demagógicos.

Comemora-se a quase universalização do ensino fundamental, mas há um grande silêncio sobre as saídas (evasão) de crianças depois de matriculadas. Por que houve o aumento de matrículas e uma diminuta inauguração de novas escolas? A resposta é simples: coube todo mundo porque muitos não ficaram, a merenda prometida era pífia (quando chegava) e os livros didáticos distribuídos, depois dos mistérios da escolha dirigida, muitas vezes não saíram de depósitos ou das próprias escolas. Era comum, nesse período, ouvir reclamações do tipo “não sei o que fazer desses livros”, “os professores não foram treinados para utilizá-los”, “uso um método que prescinde de livros”etc.

Ou seja, em termos de qualidade, quando se pode medir o aperfeiçoamento de um sistema, a educação nunca esteve tão ruim, no conjunto. É possível que existam bons alunos, na rede pública. Graças a professores dedicados e competentes, que também os há. Mas dizer que o conjunto melhorou é um exercício ficcional de mau-gosto.

Não se trata de má vontade com o ex-ministro. Ele também destruiu o ensino médio, que agora está sendo recomposto pelas atuais autoridades. Se quiserem números, recorram aos dados do Saeb 2003 (MEC). Só a língua portuguesa melhorou pouquíssimo, mas ainda ficou na faixa da reprovação dos técnicos. A matemática piorou (para onde vai a nossa ciência da informação), o mesmo ocorrendo com ciências. Crianças da quarta série mal sabem ler, escrever e contar jovens da oitava série não conseguem interpretar o que lêem. São dados oficiais, sem manipulação, cadê a explicação?

Sobre o ensino superior, qualidade virou exceção. O número de cursos criados nos últimos anos do Governo FHC foi uma barbaridade, sob a pressão desmesurada de políticos de todos os calibres. Depois, imputaram a culpa no pobre do Conselho Nacional de Educação, apenas uma vítima de toda essa orquestrada insanidade. Só nos resta mesmo o protesto.

Enquanto se pode estimar o futuro, nas grandes nações, cada vez mais beneficiadas pela propagação da globalização, para nós não resta outra alternativa que não seja a adesão completa à prioridade educacional. A formação de professores e o seu treinamento constante gozam de absoluta prioridade, devendo entusiasmar os que se encontram sacrificados pelo desânimo. Se o futuro aponta para a Sociedade do Conhecimento, não podemos estar fora disso.

Ganharemos todos: os professores, os alunos e a educação brasileira.