Harmonia e austeridade

31 de março de 2017

Compartilhe:

Milton Fernandes de SouzaAs duas palavras sintetizam as diretrizes adotadas durante a gestão do desembargador Milton Fernandes de Souza à frente do TJRJ. O objetivo é encontrar caminhos para superar a crise no Estado e, a despeito deste cenário, buscar a qualificação e a maior eficiência dos serviços prestados ao cidadão.

Eleito presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) em dezembro do ano passado por maioria – 101 votos, contra 41 da desembargadora Maria Inês da Penha Gaspar –, o desembargador Milton Fernandes de Souza prega a harmonia para superar a crise no Estado do Rio de Janeiro e promove a união de esforços para alcançar esse objetivo maior. Neste sentido, o novo presidente também declara estar comprometido com o enxugamento da máquina administrativa. Entre suas metas estão proporcionar o melhor atendimento ao cidadão que procura a Justiça, aprimorando a qualidade dos serviços forenses, fortalecer o primeiro grau de jurisdição e intensificar as ações para garantir a pacificação no sistema penitenciário do Rio de Janeiro.

O desembargador tomou posse no mandato para o biênio 2017-2018 em 6 de fevereiro, e terá ao seu lado na direção do Tribunal o corregedor-geral da Justiça, desembargador Cláudio de Mello Tavares; a 1a vice-presidente, desembargadora Elizabete Filizzola Assunção; o 2o vice-presidente, Celso Ferreira Filho e a 3a vice-presidente, Maria Augusta Vaz Monteiro de Figueiredo; além do diretor-geral da Escola da Magistratura do Estado (Emerj), desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo.

Aos 64 anos de idade, natural da cidade do Rio de Janeiro, o desembargador Milton Fernandes de Souza presidia, até então, a 5a Câmara Cível do TJRJ. O magistrado é membro efetivo do Órgão Especial e presidente da Comissão de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) onde foi aluno de Caio Mário da Silva Pereira e Afonso Arinos de Melo Franco, o magistrado ingressou no Tribunal de Justiça em janeiro de 1984, tornando-sedesembargador em abril de 2000. Na presidência do TJRJ, ele sucede o desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, que, ao final de sua gestão para o biênio 2015-2016, apresentou um balanço de sua administração, no qual destacou a implantação das audiências de custódia, a expansão da rede de proteção à violência contra a mulher e o programa Justiça Itinerante.

À solenidade de posse do presidente Milton de Souza compareceram as seguintes autoridades: ministro Marco Aurélio Bellizze, representando a ministra Laurita Vaz, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ); ministro Antonio Saldanha Palheiro (STJ); o governador do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão; o presidente do Tribunal Regional Eleitoral, desembargador Antônio Jayme Boente; o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, José Eduardo Gussem; o prefeito do Rio, Marcelo Crivella; o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Jorge Picciani; o presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz; o general de Brigada Flávio Murillo Barbosa do Nascimento, representando o General-de-Exército Walter Souza Braga Netto, Comandante Militar do Leste e o deputado federal Julio Lopes.

Revista Justiça & Cidadania – O senhor assume o cargo em um momento de profunda crise no Estado do Rio de Janeiro. De que maneira este cenário poderá afetar o Judiciário fluminense?

Milton Fernandes de Souza – A crise afeta de todas as maneiras, sobretudo quando se trata de uma crise financeira. Sem dinheiro é muito difícil administrar qualquer situação. Isso nos afeta, sobretudo, na medida em que não podemos fazer investimentos muito grandes, por exemplo, no processo eletrônico. Nós temos que fazer contenção de despesas até com o corpo de trabalho. E isso tudo afeta os serviços judiciários de uma determinada maneira, mas estamos tentando fazer uma gestão com medidas que não afetem a atividade fim. Na atividade fim não se mexe, a menos que seja para melhorar.

RJC – Uma de suas declarações quando o senhor venceu as eleições foi a defesa da harmonia para superar a crise do estado. A harmonia é o principal elemento neste momento?

MFS – É um dos principais. Sem harmonia não se consegue nada. Enquanto houver divergências e brigas não é possível fazer nada. A divergência não destoa da harmonia, é algo natural. É normal termos, em duas pessoas e algumas circunstâncias, dois entendimentos diferentes. Por isso mesmo, promover a harmonia significa conversar, buscar o entendimento, tentar superar todas estas divergências para evitar qualquer conflito que impeça alcançar a finalidade a que se pretende chegar. Ou seja, institucionalmente, o Poder Judiciário não atinge seu objetivo de prestar à sociedade seus serviços se houver desarmonia e desentendimento.

RJC – Quais seriam outros elementos estratégicos para superar a crise?

MFS – Seriedade, tranquilidade e cautela. Estes são os elementos essenciais para que se possa superar a crise.

RJC – A atuação como presidente do Tribunal requer conhecimentos administrativos, mas esta é uma atribuição que nem sempre faz parte do conjunto de habilidades do profissional do Direito. O que o senhor considera como diferencial em seu perfil que poderá garantir o êxito na gestão do Tribunal de Justiça?

MFS – Eu, pessoalmente, não tenho um diferencial, mas temos no Poder Judiciário do Rio de Janeiro um quadro técnico muito bom. O que é necessário [para um presidente] é conhecer o Poder Judiciário. Estou aqui há 33 anos e tenho grande conhecimento dessa estrutura, já atuei na administração, já fui juiz auxiliar de presidente, já fui gestor do fundo de pensão, então eu conheço o Poder Judiciário. Contando com o auxílio de nosso corpo técnico, nós conseguimos resolver todas as situações.

RJC – Qual o seu principal objetivo à frente do Tribunal de Justiça?

MFS – O principal objetivo é fazer com que o Tribunal de Justiça mantenha a sua condição de excelência. Se possível até mesmo melhore esta condição que já tem.

RJC – E o que define essa característica de excelência em seu ponto de vista?

MFS – Em algumas situações, a Justiça do Rio de Janeiro tem se mostrado pioneira, como é o caso do fundo do Tribunal. Hoje, as despesas de custeio são totalmente subsidiadas por nós. O Estado não repassa nada para esta finalidade, apenas para a folha de pagamento. Esse pioneirismo começou aqui no Rio de Janeiro e alguns estados estão começando a captar esse modelo e fazer o mesmo. É claro que, com a crise, tudo é mais difícil quando se trata da questão financeira. Com isso os outros estados se retraíram um pouco, mas temos esse diferencial. Por outro lado, captamos boas ideias de outros tribunais também, nem sempre fomos pioneiros. Então não há essa distinção de melhoria, digamos, entre o Poder Judiciário do Rio de Janeiro e outros. Cada estado tem suas características e peculiaridades, porque o Brasil é muito grande.

RJC – O senhor também declarou que um de seus compromissos de gestão é proporcionar o melhor serviço ao cidadão que procura justiça. Na prática, o que essa diretriz envolve?

MFS – A diretriz é exatamente atender as demandas judiciais. Tentar resolver esses conflitos de interesse de uma forma cada vez mais eficaz.

RJC – E nisso estariam envolvidas a mediação e outras medidas alternativas?

MFS – Sim, também. Tudo faz parte. Todas as formas lícitas de resolução de conflitos podem ser instrumentos eficazes para a pacificação dessas questões.

RJC – Existe um aumento crescente da judicialização já verificado há muito anos em todo o País. O que o senhor percebe como os fatores principais para esse aumento aqui no Rio de Janeiro?

MFS – A judicialização realmente cresceu. A própria crise faz com que as pessoas procurem o Judiciário cada vez mais. Além disso, embora isso esteja melhorando de tempos para cá, temos um comportamento do poder público que reiteradamente descumpre determinadas situações e comandos constitucionais, até mesmo sobre temas que já estão consolidados na jurisprudência. O governante não cumpre, porque talvez isso signifique uma despesa a mais, e um exemplo muito comum neste sentido pode ser visto na área da Saúde. Nós também temos a questão das concessionárias [de serviços públicos], que é um aspecto muito importante. Além disso, os consumidores procuram, cada vez mais, fazer valer os seus direitos e não têm encontrado o respaldo para isso com o comerciante ou com o industrial. Mas é claro que existe uma parcela de litigantes “por natureza”.

RJC – De fato, em entrevista recente o senhor fez uma espécie de crítica ao excesso de judicialização. Há saída para isso?

MFS – Sim, a mediação pré-judicial, o aparelhamento maior dos comerciantes e pincipalmente das concessionárias de serviços públicos para que seja possível atender essas demandas onde ocorrem muitos conflitos. E, embora isso seja uma solução de longo prazo, a educação para que as pessoas se conscientizem de que a judicialização nem sempre é o melhor caminho sequer o mais barato.

RJC – Outro ponto anunciado pelo senhor como prioridade é o de garantir a pacificação no sistema penitenciário do Rio de Janeiro. Que medidas o senhor pretende adotar? Além do Judiciário, o senhor poderia nos dizer o que pode ser feito pelos poderes Executivo e Legislativo para contornar uma situação de crise que não acontece apenas no Rio de Janeiro?

MFS – Esta é uma questão muito séria e nós já começamos a implementar algumas medidas. Teremos um encontro aqui no Rio de Janeiro com um dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, da área criminal, que virá conversar com os juízes para tentar resolver essa crise. Nós temos hoje na faixa de 51 mil presos, dos quais 21 mil são presos provisórios, quase metade do contingente carcerário. Temos que resolver essa questão, pois é um problema sério. O que o poder Executivo pode fazer é talvez melhorar a questão dos presídios, aumentando a capacidade, além de separar facções criminosas para evitar os confrontos que temos assistido.

RJC – O seu antecessor na presidência do Tribunal apresentou um balanço destacando a questão das audiências de custódia, da expansão da rede de proteção das mulheres e da justiça itinerante. O que mais o senhor apontaria como mérito do desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho em sua gestão?

MFS – O desembargador Luiz Fernando pegou uma fase de crise muito aguda, inesperada, foi quase como o estouro de uma bolha e ele não estava preparado para isso. Por isso teve todo o mérito de conseguir – apesar de todos os problemas – manter um determinado equilíbrio financeiro no que diz respeito ao pessoal e ao fundo do Tribunal. Sou otimista e acredito na força do trabalho. Alguns ajustes na parte administrativa que ele não pôde fazer, teremos que realizar.

RJC – Como o senhor, por sua experiência, enxerga a Justiça daqui a dez ou vinte anos?

MFS – Daqui a dez anos, eu enxergo a Justiça funcionando. Vejo com muito otimismo essa capacitação cada vez maior dos servidores. Embora a juventude tenha outras perspectivas, outra forma de conduta, o que é natural entre as gerações, eu vejo gente com capacidade de gerir muito bem o Tribunal e de prestar um serviço muito eficaz para a sociedade. Acredito na tecnologia também para ajudar nessa eficiência, por exemplo, evitando a locomoção. Teremos uma situação em que o advogado pode ficar no escritório dele e o juiz, mesmo se não estiver em seu gabinete, resolve uma demanda. Se tudo correr bem, daqui a dez anos nós teremos um avanço muito grande.

RJC – Vivemos um momento de transformação política. Há quem acredite que depois da Operação Lava Jato o País mudará para sempre no que se refere às relações ilícitas que envolvem a política nacional. O senhor concorda? Qual a sua perspectiva para o futuro?

MFS – Eu acho que isso é muito bom. Espero que dê uma “sacudidela”, no País, na sociedade, para que todos se conscientizem de que eleição é algo muito sério. Que os dirigentes políticos têm que ser muito sérios. E de que uma campanha política não pode custar um preço fora da realidade para que esse candidato se eleja. Se isso ocorre, se esse candidato precisa recorrer ao caixa 2 e do caixa 3 para financiar sua campanha, naturalmente ele já está comprometido, e muito.

RJC – O presidente Temer anunciou recentemente a intenção de implementar uma reforma política até o final de seu mandato. O que podemos esperar disso?

MFS – Embora não tenha uma ideia formada sobre as soluções para resolver esta situação no âmbito político, eu torço para que ele consiga fazer uma reforma política real, não apenas maquiada.