Homenagem a um magistrado

31 de outubro de 2007

Compartilhe:

Muitas cerimônias ficam pasteurizadas pelo formalismo ou incredulidade dos que participam dela. Os gestos e as falas parecem estudados demais. Artificiais. Todos ali presentes são atores em cena e devem se ater ao script. Este déjà vu acaba por inserir uma suspeita de que tudo não passa de uma farsa. Um dos motivos desta impressão é banalização das homenagens pela necessidade de lustrar os egos de um mundo globalizado cujos habitantes são estimulados a cultivar a vaidade própria ou alheia. O conteúdo das loas obedece mais à aparência ou às conveniências do que à essência. Falta substância aos adjetivos. Assim mesmo, aceitei o convite para assistir a entrega de uma medalha e um diploma de cidadão honorário, e escrevo estas considerações para afirmar que fiquei surpreendido.

O motivo de ter aceitado o convite tem ressonância no improviso do Sr. Ministro Lewandowski, que me soou inequivocamente autêntico. A Câmara de vereadores da cidade do Rio de Janeiro votou a concessão da medalha Pedro Ernesto e o título de cidadão Carioca ao primeiro descendente de japoneses a atingir a mais alta corte técnica do país, o Sr. Ministro Massami Uyeda, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. A prova viva de que o Brasil realiza um pluralismo cultural e racial sem par no planeta. Sem dúvida, o homem merece homenagens, mas esta homenagem era apropriada?

Qual a razão de se conceder a cidadania carioca ao jurista paulista da cidade de Lins? O que fez para merecer a medalha de Pedro Ernesto? Seu mérito como jurista já não está reconhecido pelo fato de ter sido nomeado para a citada corte? Ora, a síntese entre os discursos do ex-vereador Ivan Moreira e do ex-Secretário de Estado, Dr. Marins, afasta quaisquer dúvidas residuais quanto ao mérito da homenagem. Como se tivessem combinado o enredo, o conselheiro do Tribunal de Contas relatou a longa trajetória profissional e acadêmica do Ministro, e o advogado subiu a Tribuna para alinhavar esta moldura de sucesso com o contexto da cerimônia.

Primeiro, ficaram consignadas as vitórias e o respectivo esforço, depois  veio a ênfase sobre seu significado e substância. Deixei o Palácio convencido de que o Sr. Ministro Massami Uyeda é um honorável Carioca.

O improviso sincero do ministro do Supremo Tribunal Federal alertara para a questão do mosaico cultural brasileiro. O proponente da comenda nos contou como o descendente de japoneses evoluíra até sua sagração na sabatina do senado federal, e, estentoreamente, o causídico registrara a contribuição da mãe do homenageado, cuja mão firme o obrigara a estudar, sublinhando sua crença no Conhecimento e na Ciência. De Pedro Ernesto, Massami Uyeda tem a similaridade do exemplo de dedicação à Causa Pública. É carioca por merecer cidadania no porto que oferece abrigo à cultura pluralista, antropofágica e universal brasileira. A discreta e elegante cerimônia foi apropriada e de ímpar significação para as futuras gerações.

Ali, estava a condenação de cotas raciais que contaminam o futuro profissional e acadêmico de qualquer homem. Ali, estava presente um homem que alcançou elogios por mérito e por estudo. Um homem que galgou as “Torres de Marfim” da Justiça sem subterfúgios ou concessões. Ali, estava a certeza e a prova da possibilidade de equanimidade humana, independente de raça, credo ou cultura. Neste aspecto, Joaquim Barbosa e Massami Uyeda merecem estar no panteão dos nosso heróis.

No palácio Pedro Ernesto, o filho brasileiro uniu o Bushido e o Cursus Honorum. Havia respeito às próprias origens e tradições no domínio do idioma japonês (no cumprimento ao representante consular), e conhecimento da cultura latina e do vernáculo ao citar Virgílio, Manuel Bandeira e Fernando Pessoa, quando a tribuna agradeceu a merecida homenagem. Ali, o autor de jurisprudências se humanizou e foi  generoso ao comparar o Rio de Janeiro à mítica Pasárgada, onde agora o Honorável Carioca  Massami Uyeda é exemplo, ou seja, é mais do que amigo ou samurai, é rei. A cerimônia teve significado.