Incidência de imposto de renda nos juros de mora: conflito entre STJ e TST

17 de outubro de 2013

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Mauricio-de-Figueiredo1. Introdução
A jurisprudência trabalhista firmou posicionamento no sentido de que não há incidência de imposto de renda nos juros de mora decorrentes de pagamento de condenação de verbas trabalhistas, cabendo destacar, inclusive, a edição de verbete sumular discorrendo sobre o assunto.

Contudo, a discussão voltou à tona na medida em que recente decisão proferida pela 1ª Seção do STJ concluiu que um trabalhador do Rio Grande do Sul deve pagar imposto de renda sobre juros de mora de verbas trabalhistas.

O presente artigo visa analisar os fundamentos que levaram o Tribunal Superior do Trabalho a uniformizar a jurisprudência trabalhista, bem como estabelecer os critérios e parâmetros que conduziram à decisão do Superior Tribunal de Justiça e, por fim, iniciar o debate acerca da matéria e como a referida decisão influenciará a jurisprudência trabalhista, pacificada há mais de três anos, por força da Orientação Jurisprudencial nº 400 do TST.

2. Fundamento legal para a exclusão dos juros de mora da base de cálculo do imposto de renda  
A Lei nº 10.406/2002 institutiu o novo Código Civil em nosso ordenamento jurídico, e, dentre os dispositivos constantes do referido diploma está o artigo 404 e seu parágrafo único, cuja redação passou a ser mais abrangente e esclarecedora do que aquela contemplada pelos artigos 1.060 e 1.061 do Código Civil de 1916, pois assim estabelece o artigo vigente. Verbis:

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.

Por força da disposição contida no mencionado dispositivo, pode-se concluir que o legislador conferiu natureza indenizatória aos juros de mora incidentes sobre as obrigações de pagamento em dinheiro resultantes do seu inadimplemento.

É de se notar que tanto o caput quanto o parágrafo único do art. 404 do Código Civil passaram a distinguir de forma cristalina os juros de mora, o prejuízo sofrido e os lucros cessantes, o que leva à conclusão de que a indenização pelo inadimplemento das obrigações de pagamento em dinheiro é a mais ampla possível, não podendo sofrer redução patrimonial em razão da incidência do imposto de renda sobre o valor dos juros, independentemente da natureza da obrigação principal.

Caso esta não fosse a intenção do legislador, não haveria a necessidade de se prever, de forma expressa, a fixação de indenização suplementar para no caso de, não havendo estipulação de cláusula penal, os juros de mora não cobrirem o prejuízo sofrido pelo credor, desde que houvesse comprovação nesse sentido.

Infere-se da previsão legal que a expressão “obrigações de pagamento em dinheiro” alberga as obrigações de pagamento em dinheiro de verbas trabalhistas, tendo em vista a identidade de obrigações oriundas de Direito Civil e as obrigações emanadas do Direito do Trabalho, ainda mais levando-se em conta a natureza alimentar do crédito trabalhista.

Dessa forma, o divisor de águas para a fixação desse entendimento foi a entrada em vigor do artigo 404 e do parágrafo único do Código Civil, que alteraram, inclusive, a interpretação restrita dada tanto aos arts. 153, III, e 157, I, da CRFB, quanto aos arts. 16, parágrafo único, da Lei nº 4.506/64 e 46, § 1º, I, da Lei nº 8.541/92, ou mesmo ao § 3º do art. 43 do Regulamento do Imposto de Renda, corporificado no Decreto nº 3.000/99.

O caput do artigo 46, § 1º, inciso I da Lei nº 8.541/92, estabelece a incidência do imposto de renda nos rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial, os quais não guardam nenhuma similitude com os juros de mora, mesmo diante da norma do § 1º, inciso I, na medida em que, além de a sua exegese não poder prescindir da orientação consagrada no caput do artigo 46, em função do qual sobressai a conclusão de os juros ali referidos ainda assim desfrutarem de natureza eminentemente indenizatória, dela se percebe não ter havido nenhuma distinção entre parcelas de natureza indenizatória ou remuneratória para determinar a incidência dos juros em relação às parcelas remuneratórias, não sendo por isso admissível que o intérprete introduza tal distinção, segundo regra de hermenêutica de ser vedada a distinção onde a lei não distingue.

3. O entendimento do Tribunal Superior do Trabalho acerca da matéria
Na execução da sentença, após apuradas e liquidadas as rubricas devidas ao reclamante, são discriminadas as verbas em que haverá incidência de tributos.

Durante algum tempo, permaneceu a dúvida se haveria a incidência de tributos sobre os juros de mora, razão pela qual a questão chegou até o Tribunal Superior do Trabalho, cujas decisões passaram a definir a questão à luz da disposição contida no novo Código Civil, valendo citar a decisão proferida no Incidente de Uniformização de Jurisprudência, no qual a matéria restou pacificada. Verbis:

IMPOSTO DE RENDA. INCIDÊNCIA SOBRE OS JUROS DE MORA. DESCABIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 404 E SEU PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
I – Extrai-se do artigo 404 e seu parágrafo único do CC de 2002 ter sido conferida natureza estritamente indenizatória aos juros de mora incidentes sobre as obrigações de pagamento em dinheiro, resultantes do seu inadimplemento, na medida em que os elegera como expressão patrimonial integrante da reparação das perdas e danos, por meio de indenização que ordinariamente abrange o prejuízo sofrido e os lucros cessantes.
II – Em outras palavras, aquele conjunto normativo passou a consagrar nítida distinção entre os juros de mora e o prejuízo sofrido e os lucros cessantes. Isso com o claro objetivo de que a indenização pelo inadimplemento das obrigações de pagamento em dinheiro fosse a mais ampla possível, insuscetível de diminuição patrimonial pela incidência do imposto de renda sobre o valor dos juros, quer esses se reportem à natureza indenizatória ou salarial da obrigação pecuniária descumprida.
III – Tanto assim que a norma do parágrafo único do artigo 404 do Código Civil de 2002 prevê, de forma incisiva, o pagamento de indenização suplementar para o caso de, não havendo cláusula penal, os juros de mora comprovadamente não cobrirem o prejuízo sofrido pelo credor.
IV – A expressão “obrigações de pagamento em dinheiro”, por sua vez, alcança naturalmente as obrigações de pagamento em dinheiro de verbas trabalhistas, em razão da evidente identidade ontológica entre as obrigações oriundas do Direito Civil e as obrigações provenientes do Direito do Trabalho, tanto mais que, no âmbito das relações de trabalho, o inadimplemento de pagamento em dinheiro das aludidas verbas trabalhistas ganha insuspeitada coloração dramática, por conta do seu conteúdo alimentar.
V – Impõe-se por corolário jurídico-social a aplicação do artigo 404 e seu parágrafo primeiro do Código de 2002, a fim de excluir da incidência do imposto de renda os juros de mora que o sejam indiscriminadamente sobre títulos trabalhistas de natureza indenizatória ou salarial, mesmo porque, num ou noutro caso, aqueles títulos desfrutam de reconhecida natureza alimentar, sendo impostergável a conclusão de os juros não se equipararem a rendimentos do trabalho.
VI – Com a superveniência do Código Civil de 2002, regulando no art. 404 e seu parágrafo único a natureza desenganadamente indenizatória dos juros de mora, não se coloca mais como pertinente a coeva interpretação dada aos arts. 153, III, e 157, I, da Constituição, tanto quanto aos arts. 16, parágrafo único, da Lei nº 4.506/64 e 46, § 1º, I, da Lei nº 8.541/92 ou mesmo ao § 3º do art. 43 do Regulamento do Imposto de Renda, corporificado no Decreto nº 3.000/99.
VII – Nesse sentido de não haver incidência de imposto de renda sobre os juros de mora já se posicionava o STF, conforme se constata da decisão monocrática proferida pelo Ministro Cezar Peluso, no AI-482398/SP, publicada no DJ de 7/6/2006, na qual Sua Excelência deixara assentado que não há incidência de imposto de renda sobre juros moratórios, por não configurarem renda e proventos de qualquer natureza, mas meros componentes indissociáveis do valor total da indenização. Recurso a que se nega provimento. (ROAG-2110/1985.4 – Relator Ministro Barros Levenhagen DJ – 4/9/2009).

Por fim, em agosto de 2010, foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho a Orientação Jurisprudencial nº 400 do TST, que assim estabelece, verbis:

400. IMPOSTO DE RENDA. BASE DE CÁLCULO. JUROS DE MORA. NÃO INTEGRAÇÃO. ART. 404 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. (DEJT divulgado em 2, 3 e 4/8/2010)
Os juros de mora decorrentes do inadimplemento de obrigação de pagamento em dinheiro não integram a base de cálculo do imposto de renda, independentemente da natureza jurídica da obrigação inadimplida, ante o cunho indenizatório conferido pelo art. 404 do Código Civil de 2002 aos juros de mora.

A referida Orientação Jurisprudencial está em pleno vigor até os dias atuais, e perante a mais alta Corte Trabalhista esta questão não tem despertado maiores discussões.

Porém, esse período de bonança está ameaçado em razão de recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça.

4. A decisão proferida pelo STJ
O Superior Tribunal de Justiça sempre pautou suas decisões na esteira do entendimento que o TST veio a pacificar em 2010, valendo destacar os seguintes arestos, verbis:

TRIBUTÁRIO RECURSO ESPECIAL ART. 43 DO CTN IMPOSTO DE RENDA JUROS MORATÓRIOS CC, ART. 404: NATUREZA JURÍDICA INDENIZATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA. 1. Os valores recebidos pelo contribuinte a título de juros de mora, na vigência do Código Civil de 2002, têm natureza jurídica indenizatória. Nessa condição, portanto, sobre eles não incide imposto de renda, consoante a jurisprudência sedimentada no STJ. 2. Recurso especial improvido. (REsp. nº 1.037.452 – SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 10/6/2008).

TRIBUTÁRIO IMPOSTO DE RENDA SOBRE JUROS MORATÓRIOS VERBAS REMUNERATÓRIAS DECORRENTES DE CONDENAÇÃO EM RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL. RETRATAÇÃO DE DECISÃO (ART. 557, § 1º, CPC). MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO (ART. 557, CAPUT, CPC). DECISÃO.
[…]
Contudo, há que se registrar que a Segunda Turma desta Corte, em assentada ocorrida no dia 20/5/2008 (cinco dias depois da publicação do acórdão citado), mudou a orientação jurisprudencial que então prevalecia para considerar que os valores recebidos pelo contribuinte a título de juros de mora, na vigência do Código Civil de 2002, têm natureza jurídica indenizatória. Nessa condição, portanto, sobre eles não incide imposto de renda. Veja-se:
[…]
No julgado suso citado, a Segunda Turma entendeu que o atual Código Civil, no parágrafo único do art. 404, deu aos juros moratórios a conotação de indenização, já que destinados a cobrir prejuízo experimentado pelo credor. Dessa forma, com fulcro no art. 557, §1º do CPC, entendo por bem RETRATAR-ME da decisão proferida às fls. 154/157 para, nos termos do art. 557, caput, do CPC, NEGAR SEGUIMENTO ao recurso especial interposto pela Fazenda Nacional. (AgEg no RESp 1062587, Rel. Min. Campbell Marques, DJ 10/11/2008).

Os Tribunais Federais também proferiam suas decisões nesse mesmo sentido. Verbis:

TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – INCIDÊNCIA SOBRE DIFERENÇAS SALARIAIS RECEBIDAS ACUMULADAMENTE E SOBRE JUROS DE MORA – INADMISSIBILIDADE – ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. 1. O imposto de renda não incide sobre os créditos trabalhistas recebidos acumuladamente por força de decisão judicial. 2. Os juros moratórios são, por natureza, verba indenizatória dos prejuízos causados ao credor pelo pagamento extemporâneo de seu crédito. Inteligência do art. 404 do Código Civil (Lei nº 10.406, de 10/1/2002). 3. No caso de mora no pagamento de verba trabalhista, que tem notória natureza alimentar, impondo ao credor a privação de bens essenciais de vida, e/ou o endividamento para cumprir seus próprios compromissos, a indenização, através dos juros moratórios, corresponde aos danos emergentes, ou seja, àquilo que o credor perdeu em virtude da mora do devedor. Não há nessa verba qualquer conotação de riqueza nova, a autorizar sua tributação pelo imposto de renda. Indenização não é renda. 4. Provimento antecipatório concedido. (AI nº 2005.04.01.012942-8/RS Rel: Des. Federal Dirceu de Almeida Soares. DJ 20/7/2005).

Contudo, conforme notícia veiculada pelo jornal Valor Econômico de 27 de maio de 2013, na sessão de julgamento ocorrida no dia 22 daqueles mês e ano, o STJ alterou profundamente o seu entendimento, pois a 1a Seção daquela Corte retomou um julgamento interrompido em fevereiro de 2011 e decidiu, por maioria de votos, que um trabalhador do Rio Grande do Sul deveria pagar imposto de renda incidente sobre juros de mora de verbas trabalhistas, tendo o Ministro Benedito Gonçalves asseverado que não havia notícia de que as verbas eram decorrentes de despedida.

Quando do início do julgamento, no início de 2011, a e. 1ª Seção fixou tese e orientou os tribunais de que, nesses casos, não haveria incidência de imposto de renda tendo em vista a natureza indenizatória dos juros de mora relativos ao atraso no pagamento.

Entretanto, após provocação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a Corte teria esclarecido que a isenção alcançaria apenas as verbas trabalhistas de natureza indenizatória decorrentes de condenação judicial.

Conforme se pode observar, essa restrição é descabida e está em rota de colisão com a disposição contida no art. 404 do CCB, que não faz qualquer distinção no tocante à natureza da verba.

Com todo o respeito que a decisão merece, não há como prevalecer o entendimento do e. STJ na medida em que pouco importa a natureza da verba trabalhista para se afastar a incidência de imposto de renda sobre os juros de mora, pois, ao receber o seu crédito, por força de sentença condenatória da Justiça do Trabalho, os juros de mora não representam acréscimo salarial, mas sim mera recomposição do valor originariamente devido.

Com efeito, a recente decisão proferida pelo STJ, além de provocar grave insegurança jurídica, contraria o entendimento pacificado por seus próprios membros há anos atrás, que construíram sólida jurisprudência com base na interpretação do art. 404 do Código Civil brasileiro.

5. Conclusão
Diante das considerações acima expostas, apresentamos as seguintes conclusões:
a) após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a jurisprudência trabalhista firmou entendimento no sentido de que não havia incidência de imposto de renda sobre juros de mora em razão da disposição contida no art. 404 do CCB;
b) o caput e o parágrafo único do artigo 404 do Código Civil consagram nítida distinção entre os juros de mora e o prejuízo sofrido e os lucros cessantes. Isso com o claro objetivo de que a indenização pelo inadimplemento das obrigações de pagamento em pecúnia fosse a mais ampla possível, insuscetível de diminuição patrimonial pela incidência do imposto de renda sobre o valor dos juros, inobstante a natureza indenizatória ou salarial da obrigação pecuniária descumprida;
c) a sanha arrecadadora do Fisco fez com que o Superior Tribunal de Justiça alterasse de forma radical a sua jurisprudência, que, após a vigência do Código Civil de 2002, passou a interpretar de forma justa o artigo 404 do referido diploma;
d) a decisão do STJ contraria os seus próprios precedentes, além de divergir da jurisprudência pacificada pelo Tribunal Superior do Trabalho;
e) caso prevaleça o entendimento manifestado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça em 22 de maio de 2013, restará violado o artigo 404 do CCB, e o trabalhador sofrerá diminuição patrimonial em razão da incidência do imposto de renda sobre o valor dos juros decorrentes do pagamento de créditos trabalhistas oriundos das condenações.