Edição

Indignai-vos

19 de março de 2013

Compartilhe:

Morreu em Paris, no dia 26 de fevereiro último, o escritor alemão de nacionalidade francesa, Stéphane Hessel. Aos 95 anos, meu contemporâneo era jovem, ativo, lúcido e indignado com as almas adormecidas que estão empobrecendo a aventura humana sobre a Terra.

Há três anos Hessel lançou o manifesto Indignai-vos!, que serviu de inspiração para o movimento Indignados que se espalhou pela Europa em crise. O texto é um chamamento à responsabilidade. É um repúdio aos que questionam a proteção social aos desvalidos e os planos de pensão e saúde. É uma aula de história e de coragem dos que resistiram ao nazismo e salvaram o mundo de um futuro de trevas.

Membro da resistência francesa ao nazismo, ativista dos direitos humanos, o indignado bate forte na concentração de riqueza: “O interesse geral deve dominar os interesses particulares. O homem justo crê que a riqueza na esfera do trabalho deve dominar o poder do dinheiro”.

Hessel estudou na Escola Normal Superior de Paris e se graduou em Filosofia. Foi militante da resistência francesa, capturado pela polícia alemã em 1944 e deportado para o campo de concentração de Buchenwald. Libertado, ao fim da guerra, iniciou na carreira da diplomacia, tendo participado da redação da “Declaração Universal dos Direitos Humanos” da ONU. Respeitado internacionalmente, escreveu o best-seller de 46 páginas Indignai-vos!, que vendeu mais de quatro milhões de exemplares e se tornou “uma espécie de líder e incentivador para os protestos que surgiram em 2011 na Europa e nos Estados Unidos, propagando, principalmente, uma saída para a crise econômica mundial”.

Hessel aposentou-se em 1983, mas manteve-se ativo no combate às injustiças, definindo o seu sucesso tardio entre os jovens: “As sociedades estão perdidas, se perguntando o que fazer para se encontrar e buscando um sentido para a aventura humana”.

Perseguidor pertinente e incansável da mudança, apesar da idade avançada, Hessel publicou em 2012, em parceria com o filósofo Edgar Morin, o livro O caminho da Esperança (lançado aqui pela Bertrand Brasil), em que ambos defendem uma mudança radical da política em direção ao bem estar da Humanidade.

As homenagens que Hessel vem recebendo dão conta do quanto seu manifesto foi importante na pregação dos princípios a que se dedicou por toda a vida em favor dos direitos humanos e das aspirações de juventude, e talvez de todas as juventudes.

A oportunidade de lembrar a pregação desse visionário que levou multidões a protestarem, princi­palmente na Europa e em diversos lugares, inclusive em Nova York no Occupy Wall Street, contra a iniquidade das diferenças sociais, fazem-nos pensar – apesar das medidas e assistência social que efetivamente a presidente Dilma Rousseff vem tomando, tentando minorar a miséria de parte significativa da população –, mesmo assim, infelizmente, nos grotões com calamitosas situações, onde os direitos humanos são completamente ignorados, como ocorre com os desgraçados que se encontram cumprindo penas no horrível e cruel sistema carcerário brasileiro, onde centenas de milhares de presos, desassistidos e ignorados da mais simples ação humanitária, ignorados pelos governos e pela sociedade, se encontram completamente abandonados à sua própria sorte.

Diante desse quadro e repensando nas lutas que Hessel engendrou motivando os grandes protestos, relembramos com saudades a participação, em passado não muito distante, do grande movimento realizado com a passeata em 1968, no Rio de Janeiro, dos cem mil protestando contra a ditadura militar; do movimento das diretas já em 1980, que levou o povo às praças em todo o Brasil exigindo eleições; e em 1992, quando a juventude veio às ruas, com a cara pintada, inflamando a população contra o ex-presidente Collor, que terminou por ser escorraçado do governo.

A vivência da democracia não permite a omissão e a indiferença contra os males trazidos pelas diferenças sociais e pelos contrastes aberrantes que motivam a indignação e a resistência.

Oxalá a indignação de Stéphane Hessel produza resultados!