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Interrupção do Fornecimento de Energia Elétrica decorrente de Caso Fortuito: Excludente de Responsabilidade da Concessionária

30 de abril de 2006

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A responsabilidade civil das concessionárias de serviços públicos equipara-se à do Estado e encontra-se estabelecida no § 6.º do artigo 37 da Constituição Federal, o qual dispõe que: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

A Constituição Federal adotou a responsabilidade civil objetiva do Estado, fundamentada na Teoria do Risco Administrativo, segundo a qual, na prestação do serviço público a obrigação de indenizar nasce independentemente da configuração de dolo ou culpa. Há apenas a necessidade de comprovação de nexo de causalidade entre a ação ou omissão do agente administrativo e o dano efetivamente causado.

Entretanto, é importante observar que a Carta Magna restringiu a responsabilidade objetiva do Estado aos danos que tiverem sido causados pelos seus agentes. Logo, na hipótese de danos oriundos de culpa concorrente ou exclusiva da vítima, ato de terceiro ou fato da natureza, a responsabilidade do Estado passa a ser subjetiva, respeitando a regra geral do Código Civil, respondendo apenas quando comprovada a culpa do agente, seja por imperícia, imprudência ou negligência.

A Teoria do Risco Integral da Administração, adotada em outros países, não encontrou acolhimento em nossa legislação nem amparo na Jurisprudência, de forma que nem todas as ocorrências de dano implicam dever de indenização por parte do Estado ou de seus concessionários.

Reproduzimos a linha de entendimento do STF, citada por Antonio Elias de Queiroga em “Responsabilidade Civil e o Novo Código Civil”:

“Esta Corte tem admitido que a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito público seja reduzida ou excluída conforme haja ou não relação de causalidade. Nas hipóteses de ato de terceiro ou fato da natureza, a situação é bem diversa, pois a responsabilidade civil do Estado passa a ser subjetiva. A obrigação de ressarcir o dano fica condicionada à existência de prova de culpa do ente público”.

Adicionalmente, já advertiu o STF, por meio do RE 109615-2/RJ, que:

“O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias – como o caso fortuito e a força maior – ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima”.

Assim, nos casos de danos causados por atos de terceiro ou por fenômenos da natureza, o Estado ou seu concessionário somente devem responder se ficar comprovado que concorreram com culpa para a ocorrência do evento ou ato danoso, seja mediante ação ou omissão de seus agentes. Por exemplo, no caso de dano causado por enchente, o Estado somente irá responder se ficar comprovado que poderia ter evitado o infortúnio com medidas preventivas.

No caso específico das Concessionárias de Energia Elétrica, vários fatores externos, alheios à vontade e ao controle das distribuidoras, concorrem para interrupções na prestação do serviço.

As redes de distribuição são sujeitas a intempéries climáticas, tais como ventanias, tempestades ou outras manifestações da natureza e, portanto, o fornecimento de energia elétrica pode sofrer interferências, ainda que a concessionária atenda aos padrões de qualidade contratados. Por serem predominantemente aéreas, as redes são vulneráveis a acidentes, manipulações, interceptações por pipas, atos de vandalismo e ações de violência por parte de terceiros, o que, na grande maioria das vezes, não pode ser previsto ou evitado pelas distribuidoras.

O serviço de fornecimento de energia elétrica é afetado ainda por queda de árvores sobre a rede de baixa tensão, por derrubada de postes em decorrência de choque de veículos, por atos de vandalismo contra os equipamentos de distribuição e pelo acesso desautorizado à rede elétrica.

Tais situações se configuram claramente em hipótese de caso fortuito, devendo ficar excluída a responsabilidade da concessionária por não ter concorrido com culpa para o evento. Este é um caso típico de responsabilidade subjetiva do Estado e de seus agentes em que somente a comprovação de culpa pode gerar o dever de indenizar.

As concessionárias têm o dever de prestar um serviço adequado ao consumidor, mas não podem ser responsabilizadas por fatos para os quais não concorreram. Não seria razoável exigir das distribuidoras de energia elétrica a permanência de um técnico em cada poste de sua área de concessão e ainda que – por absurdo – isso fosse possível, não eliminaria a ocorrência dos eventos de caso fortuito.

A rede elétrica é projetada em toda a área de concessão para suportar eventos da natureza com níveis de intensidade regulares, atendendo às normas técnicas pertinentes. Seria possível projetar uma rede com estrutura que suportasse eventos da natureza de qualquer intensidade, porém o seu custo seria extremamente elevado. Como os investimentos realizados pela concessionária são repassados para a tarifa, não é economicamente viável ou vantajoso para o consumidor que se construa uma rede para suportar eventos da natureza com maior constância e gravidade, quando, na realidade, acontecem apenas de forma eventual em cada região.

Da mesma forma, a demora no restabelecimento da energia deve ser analisada sob o ponto de vista da dimensão do evento ocorrido, pois este pode ser de tal ordem que inviabilize uma solução imediata ou em curto prazo de tempo. A ocorrência do caso fortuito pode dificultar o acesso dos técnicos às áreas afetadas ou à identificação exata do ponto da rede elétrica danificado. A existência de caso fortuito é motivo para excluir ou abrandar a responsabilidade da concessionária, tanto pelos danos causados com a interrupção, quanto pelos danos causados pelo decurso de tempo até a sua religação.

Interpretação diferente desta, além de estar em dissonância com a legislação vigente e assentamento jurisprudencial, imporia um ônus ilimitado às concessionárias de energia, em prejuízo do equilíbrio econômico-financeiro da concessão e conseqüentemente de toda a sociedade.

É fato que as decisões judiciais têm impacto direto no campo econômico e social e que onerar demasiadamente as concessionárias pode contribuir para afugentar os investimentos da iniciativa privada, os quais são especialmente necessários no Setor Elétrico Brasileiro.

É importante ter em mente que este é um setor estratégico, por ser determinante para o desenvolvimento industrial e social do país, necessitando de investimentos intensivos, com longo prazo de maturação.  O Setor Elétrico necessita de investimentos anuais da ordem de 20 bilhões, dos quais necessariamente 11 bilhões virão do setor privado, porque o setor público não detém de recursos dessa monta para investimento setorial.

Assim, em virtude do ordenamento jurídico vigente, a responsabilidade objetiva das concessionárias de serviço público deve restringir-se aos atos praticados por seus agentes, não abarcando obrigação de indenizar danos causados por culpa exclusiva da vítima, atos de terceiros e fatos da natureza. Caso contrário, as concessionárias estarão diante de risco econômico ilimitado e vulneráveis à quebra do equilíbrio econômico-financeiro da concessão, deflagrando-se um cenário de insegurança jurídica. Vale lembrar que a segurança jurídico–regulatória é um dos fatores decisivos para direcionamento dos recursos pelos investidores privados.