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Juizado Especial de Família

5 de maio de 2002

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Não há duvida de que hoje, trans­corridos mais de cinco anos desde a vigência da Lei n° 9.099/95, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais se constituem na âncora da Justiça brasileira, resgatando a cidadania dos excluídos e a imagem do Poder Judiciário.

Os ótimos resultados e as inúmeras vantagens obtidas incentivaram o legislador a transportar a experiência bem sucedida para a Justiça Federal, instituindo, com a Lei n° 10.259, de 16 de julho de 2001, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

Tal panorama instiga a necessidade de defender a criação de um Juizado Especial que trate exclusivamente das questões conflituosas da família e que propicie ao jurisdicionado uma Justiça mais humana, mais sensível, mais acessível, mais célere e sem custos.

Vara de Juizado Informal de Família do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco

A instituição de um Juizado Especial de Família se revela em uma nova jornada, verdadeira catequese, mas que é estimulada quando se assiste ao sucesso do Tribunal de Justiça de Pernambuco, no Fórum do Recife, com a Vara do Juizado Informal de Família, integrada por uma equipe interdisciplinar de psicólogos, assistentes sociais e terapeutas familiares.

Tive a oportunidade de participar de uma sessão de sensibilização presidida por uma psicóloga é realizada na sala adredemente preparada para receber todos os casais que iriam participar da primeira audiência no seu processo de litígio familiar. O ambiente foi tratado adequadamente com cromoterapia, iluminação diminuída, ar condicionado, musica suave e com projeção de transparências que impunham o desarmamento dos espíritos em conflito.

O trabalho técnico da terapeuta consistia em conscientizar o casal da necessidade de resolver os problemas familiares dentro da própria família, de priorizar a relação pai/mãe ao invés da relação marido/mulher e de deixar de lado os erros e queixas do passado, pois o importante, no momento, era como as partes queriam se organizar para o futuro.

As partes, outrossim, receberam informações acerca da complexidade e demora do processo judicial e foram estimuladas à conciliação, não somente por meio da conscientização de que cada um deve recuar um pouco para ambos avançarem, como também pela demonstração das vantagens proporcionadas pela conciliação: rapidez na solução do conflito, economia financeira e, também, emocional, para evitar­-se o desgaste de reviver situações conflituosas, que acirram os ânimos, estimulam ímpetos de vingança e repercutem desfavoravelmente nos filhos.

Juizado Especial de Família

Humanização e sensibilização do processo

A experiência evidencia que, nos conflitos de família, em que as partes apenas querem resolver as questões e precisam estabelecer suas relações futuras por causa dos filhos, processo tradicional, adversarial, termina por estimular as partes a se tornarem adversárias, transformando-se em instrumento de vindita, de obstinação, eis que cada uma das partes se coloca em posição de defesa, fincando raiz no seu ponto de vista.

Dessa forma, impõem-se que o juiz se conscientize da verdadeira postura a ser adotada diante dos conflitos de família, devendo o seu perfil ser de pacificador, de serenador das almas, despindo-se, ao máximo, da postura moralista ou apenas critica e proporcionando ao casal em conflito a humaniza9ao desta arena conflituosa. o ambiente, assim, tem que levar ao dialogo amistoso e não a separação conflituosa.

Transdiciplinariedade

Por outro lado, o Juizado Especial de Família deve pautar-se pela transdiciplinariedade, isto é, pela necessidade de agregar-se o conhecimento de outras ciências na aplicação do Direito.

Aos médicos, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e terapeutas de família incumbe não somente fornecer elementos que auxiliem o juiz na solução do conflito familiar, mas também amenizar a ansiedade dos litigantes, auxiliando-os a vivenciar o processo judicial com mais naturalidade, e lhes dar a certeza de que foram ouvidos os seus debafos, as suas magoas e principalmente os seus pontos de vista.

Destaque-se, ainda, que a estrutura física e de pessoal do Juizado Especial de Família deve possibilitar que as partes, ao chegarem ao Tribunal, sejam encaminhadas a assistentes sociais, cujo apoio técnico amenizaria as emoções aflitivas ou agressivas que afloram no aguardo da audiência.

Processo e procedimento

O sistema para resolver os conflitos de família continuaria sendo o do processo e procedimento, salientando-se que o procedimento sumaríssimo regulado pela Lei n° 9.099/95 demonstrou ser eficiente quando aplicado com rigorosa obediência aos princípios que regem os Juizados Especiais, que são a simplicidade, informalidade, oralidade, economia e celeridade processual.

A Lei 9.099/95, contudo, não disponibiliza medidas cautelares nem o deferimento de antecipação de tutela, necessários as situações de urgência que o Direito de Família vivencia, o que torna oportuna a meditação acer­ca da transposição do modelo de procedimento do art. 461, do CPC – ação de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, que contem, no seu bojo, a possibilidade de o juiz, de oficio ou a requerimento da parte, conceder me­dida cautelar, ou mesmo antecipar a tutela.

A adoção, no Juizado Especial de Família, de um único rito, o sumaríssimo, para todos os tipos de conflitos dessa área (separação judicial, separação de corpos, regulamenta­ção de visita, investigação de paternidade, alimentos/revisionais, guarda de menores, busca e apreensão de criança, perda do pátrio poder, divórcio etc.) facilitaria sobremaneira o trabalho dos operadores do direito, bastando que se embutisse nesse rito a previsão legal de o juiz poder, dentro desse mesmo procedimento e sem maiores formalidades, conceder medida cautelar e deferir antecipação de tutela sempre que atendidos os respectivos requisitos legais.

É importante também que este procedimento sumaríssimo faça, no seu contexto, execução de conteúdo sentencial, sem a necessidade de propor-se um novo processo de execução, tendo-se esta, portanto, como mais uma fase desse procedimento.

Importantíssimo e indispensável será a participação dos advogados na defesa atenta dos interesses das partes, uma vez que o direito em litígio e o  mais importante e um dos mais complexos problemas pessoais da vida humana, e o mais emocional e romântico de todos os sonhos.

No que concerne a competência, ha que ficar expresso que a escolha do Juizado Especial de Família e uma opção do autor, ou de ambas as partes, quando se tratar de processo de jurisdição voluntaria (v.g. separação amigável/consensual). Por outro lado, o acesso ao Juizado Especial de Família devera se restringir aos casais que sejam proprietários de um único imóvel, respeitada uma limitação de valor do referido bem, sendo condição sine qua non que se trate de residência da família.

O sistema recursal ha que ser mantido, fazendo-se necessária, porém, a instituição de um instrumento de impugnação, apenas para as liminares concedidas, em atenção as características peculiares do Direito de Família. Isso para evitar o uso do Mandado de Segurança como sucedâneo de recurso.

Todas as demais questões resolvidas no processo não precluiriam, devolvendo-se toda a matéria para eventual analise, cas fosse interposto recurso da sentença.

Conclusão

Tal como os Juizados Especiais se constituíram um divisor de águas na história do Poder Judiciário brasileiro, a instituição do Juizado Especial de família pressupõe uma mudança no atual modelo, não só de instalação física da Vara, como, principalmente, no que concerne aos profissionais que ali irão trabalhar.

Com a implantação dos Juizados Especiais de Família, adviriam inegáveis benefícios aqueles que buscam a regularização de sua situação familiar, pelo que se invita os integrantes de todos os segmentos que operacionalizam o Poder Judiciário para, com intrepidez, abalançar-se na abertura de novas portas para tutelar a criatura humana, razão e destinatários únicos da prestação dos servi­ços judiciários.

Texto do anteprojeto Sugerido

PROJETO DE LEI N° _ de __

Institui o Juizado Especial de Família

Art. 1 ° Altera o § 2° do art. 3° da Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995:

O Congresso Nacional decreta:

Art. 3°( … )

§ 2° Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Publica, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e a capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.

Art. 2° As ações de investigação de paternidade; de separação judicial; de fixação de alimentos, revisão e exoneração; de divórcio; de regulamentação de visita; de separação de corpos; de guarda de filhos, bem como outras atinentes ao Direito de Família, por opção do autor, poderão ser submetidas ao rito sumaríssimo da Lei n° 9.099/95.

§ 1 ° Para a efetivação da tutela pretendida nas ações previstas no caput, poderá o juiz, de oficio ou a requerimento, mediante petição, oral ou escrita, deter­minar, antecipada ou incidentalmente, todas as providencias cautelares necessárias para obtenção do resultado útil do processo.

§ 2° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação previa, citado o réu. A liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 3° A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado e integrará o processo de conhecimento.

Art. 3° A conciliação será antecedida por mediação conduzida por equipe multidisciplinar, que fará trabalho de sensibilização das partes.

Parágrafo único – A conciliação será conduzida pelo juiz togado ou leigo, ou por conciliador, sob sua orientação.

Art. 4° Considerando a especialidade do direito em litígio devem as partes comparecer sempre acompanhadas de ad­vogados.

Art. 5° O Juizado Especial de Família tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas de família cujo patrimônio não exceda a um imóvel.

Art. 6° Caberá recurso para o próprio Juizado da concessão de liminar.

Art. 7° Aplica-se, subsidiariamente, no que couber, a Lei 9.099/95.

Art. 8° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 9° Revogam-se as disposições em contrário.