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Legítimos defensores da dignidade nacional

11 de janeiro de 2013

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O julgamento do Mensalão, além de elevar o conceito e a respeitabilidade da Suprema Corte, fundamentada pelos princípios republicanos definidos na Constituição Federal, também resultou no ganho da admiração e no respeito que a Instituição granjeou perante a unanimidade da população brasileira, sobejamente demonstrada pela grande popularidade dos membros da Corte, principalmente o Ministro Joaquim Barbosa.

A atuação judicante dos ministros, todos, esmiuçando detalhadamente os volumosos autos, foi extremamente eficiente, técnica, processualista e jurídica. Não há que se reportar ao erro ou desvio de ação e de conduta.

O grande participante do julgamento, indiscutivelmente, foi o Relator, Ministro Joaquim Barbosa. Sua atuação foi brilhante, agressivo ante os fatos criminosos relatados, convicto das acusações que fazia e na defesa dos princípios na imputação dos crimes praticados pelos acusados.

A atuação do Ministro Ricardo Lewandowski, correspondeu ao papel que lhe incumbia como Revisor, desenvolvendo um trabalho que deu destaque ao contraditório constitucional. Defendendo com intransigência a sua posição, lastreada na lei e na lógica processualista. Enfim, cumpriu a bom termo a condição de Revisor da peça acusatória.

Os advogados cumpriram, com rigor e competência, o compromisso e dever profissionais na defesa de seus clientes, sendo, quem merecia, excluído do processo ou inocentado e absolvido.

Os princípios adotados pela Revista, de defesa do Poder Judiciário e da Magistratura, nos impele a replicar aos que, escudados em altos cargos da República e entidades de classe, talvez por ignorância ou até por equívoco, para não desmerecê-los, se insurgem, debatem e extravasam com palavreado insolente, irresponsável e impróprio contra a majestade do Supremo Tribunal Federal, na tentativa suicida de defender, por corporativismo, os companheiros de desventura que foram condenados por pilhagem e uso de dinheiro público em malfeitos ilegais.

Ao resultado do julgamento do Mensalão no Supremo Tribunal Federal, no seu final, aplica-se o velho brocardo jurídico, principalmente por emanado na última instância, sem mais possibilidade de recursos – “sentença não se discute, cumpre-se”.

Foi constrangedor, pela dignidade, compostura e moralidade devidas por ética ao múnus público, constatar, no decorrer do processo, os tristes acontecimentos da inominável corrupção, descrita com provas irrefutáveis, mostrando às escâncaras os deslizes e o locupletar de dinheiros praticados abertamente contra a administração federal, arrostando políticos que até então eram merecedores de admiração e respeito pelas lutas que empreenderam, inclusive com armas contra o governo ditatorial em prol da redemocratização do País; personagens que, em passado recente, pagaram muito caro pela oposição que fizeram. Muitos curtiram exílio prolongado; outros, prisões por anos seguidos, além de sofrerem sórdidas violências.

Com a anistia, alguns ganharam condições de participar da vida pública. Entretanto, com as acusações dos comprovados malefícios, apesar da invocação do louvor e até do heroísmo, tiveram o dissabor de serem inquinados, em um pronunciamento da Ministra Rosa Weber, em razão da comprovação dos malfeitos de corrupção, com o triste libelo: “o passado de heroísmo não repara os atos de corrupção praticados”.

No processo do Mensalão, vale ressaltar a ação e o posicionamento do Ministério Público, com a relevante e minuciosa denúncia formulada pelo então Procurador Geral, Antônio Fernando de Souza, endossada magnificamente pela peça oratória da acusação produzida com minúcia de detalhes e provas pelo eminente Procurador Geral, Roberto Gurgel, que proporcionou ao Relator, Ministro Joaquim Barbosa, esmiuçar no seu voto, nas mínimas particularidades criminosas apontadas de cada denunciado, a penalidade infringida que lhes cabia e ao Ministro Ricardo Lewandowski, na condição de Revisor, apresentar, às vezes com discordância, mas com descortino, firmeza e elaboração bem fundamentada, seus votos, com razoabilidade, denodo e mesmo até com coragem, como justifica o Ministro Celso de Mello o voto vencido.

O julgamento do “Mensalão” constitui-se inegavelmente em um marco histórico que abre para o Brasil, desde agora e para o futuro, a perspectiva de um significativo marco institucional, pela afirmação do Estado Democrático de Direito que vivenciamos e pelo princípio da existência da igualdade de todo brasileiro perante a lei.

A realização do feito perante o STF trouxe a mobilização da opinião pública nesses meses, quando, com plena e absoluta transparência, foi mostrado através da televisão, o devido respeito à lei penal e aos preceitos constitucionais, exibindo os ministros se dedicando ao exaustivo trabalho de julgar o maior escândalo político da história do Brasil.

O resultado final do julgamento produzirá efeitos penais, com os quais todos os brasileiros sentir-se-ão orgulhosos, face a representatividade de um passo importante que resgata o Brasil do atraso institucional histórico representado pela chaga infamante da impunidade dos poderosos.

Torna-se oportuno ressaltar que o já histórico julgamento do “Mensalão” conseguiu provocar o despertar de uma consciência cívica na população, que nos últimos anos vinha sendo mantida em estado letárgico graças a uma hábil e deliberada manipulação do sentimento popular, em passividade ante as transgressões dos princípios republicanos, o que motivou, com o desenrolar do julgamento do Supremo e com os votos didáticos e esclarecidos dos ministros, o posicionamento da sociedade brasileira sobre o destino que merecem os poderosos que se julgam acima da lei.

Os ministros que compõem a alta Corte, no laborioso desempenho realizado nesse memorável julgamento, que se tornou histórico pela excepcional condição de condenar e levar para a cadeia renomadas personalidades públicas que se julgavam acima da lei, cometendo atos de improbidade administrativa e corrupção, conspurcando o exercício de cargos que obtiveram através da política, se impuseram, com a fundamentação das acusações e de seus votos prolatados, como legítimos defensores da dignidade nacional.

Pela importância e pelo sentido pejorativo e asqueroso das ações atribuídas aos referidos delinquentes e safardanas do “Mensalão”, vale repetir algumas das desairosas e pejorativas críticas que lhes aplicou o decano do Supremo Tribunal Federal, para que fiquem aquilatadas, de forma absoluta, as ações abjetas e os atos desqualificados praticados contra a dignidade e a moralidade pública pelos infelizes condenados pela justiça.

Segundo ele, o “Mensalão” foi um verdadeiro assalto à administração pública, chamando os parlamentares de “marginais do poder”. Para o ministro, foram comprovados os crimes de corrupção passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, cometidos pelos réus ligados ao PP, PL (atual PR), PTB e PMDB. Esse quadro de anomalia revela as gravíssimas consequências que derivam dessa aliança profana entre corruptos e corruptores, desse infiel e indigno grupo de agentes corruptores, tanto público quanto privados, e de parlamentares corruptos, em comportamentos criminosos devidamente comprovados, que só fazem desqualificar e desautorizar a situação desses marginais do poder.

Para Celso de Mello, a corrupção é um gesto de “perversão” contra a lei e contra a ética. O ministro lembrou que o crime tem um alto custo social, desviando recursos que iriam para pontes, hospitais e escolas. Para Celso de Mello, não há justificativa para a corrupção, especialmente quando os réus têm posição de destaque na administração pública.

A conduta dos réus, notadamente daqueles que ostentam ou ostentaram funções de governo, não importando se nos Poderes Legislativo ou no Executivo, maculou o próprio espírito republicano. Em assunto do Estado e de governo, nem o cinismo, nem o pragmatismo, nem a ausência do senso ético, nem o oportunismo podem justificar, quer juridicamente, quer moralmente, quer institucionalmente, práticas criminosas, como a corrupção parlamentar ou as ações de corrupção de altos dirigentes do Executivo ou de agremiações partidárias.

O ministro comparou o parlamentar que vende seu voto ao juiz que vende sentença, “a corrupção compromete a integridade dos valores que forma a ideia da República e afeta o princípio democrático. O ato de corrupção é um gesto de perversão da ética do poder e da ordem pública. Esses atos significam tentativa imoral e ilícita de manipular criminosamente à margem do sistema constitucional e do processo democrático’, acrescentou.

“O ato de corrupção constitui um gesto de perversão da ordem. E isso reflete no próprio sistema jurídico que entre nós prevalece, porque se impõe a todos os cidadãos da República um dever muito claro: que o Estado brasileiro não tolera o poder que corrompe e nem admite o poder que se deixa corromper. Esse processo revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho do Estado, transformam a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta do poder”.

É oportuno consignar o constrangimento que traz a publicação como matéria de capa dessa edição de outro voto proferido pelo decano do STF, esse sobre a perda de mandato dos parlamentares condenados na AP 470. O editor que cultua a ética, a moralidade, a dignidade e o respeito às instituições lamenta o ocorrido com membros do Poder Público, principalmente de alguns envolvidos na trama, que mereceram a sua estima e admiração pelo passado de atitudes cívicas e gloriosas.

Também vale exaltar a atitude republicana da Presidente Dilma Roussef, ao declarar: “Como Presidenta da República não posso me manifestar sobre decisões do Supremo Tribunal Federal. Acato suas sentenças, não as discuto. O que não significa que alguém neste mundo de Deus esteja acima dos erros e das paixões humanas”. Como igualmente se manifestaram pelo cumprimento das decisões do Supremo, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo; o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro e o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.