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Lei 10.257 de 10/07/2001.0 recém-criado usucapião urbano coletivo (Estatuto da Cidade)

5 de dezembro de 2001

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Trata-se de diploma legal pretensamente regulamentador dos arts. 182 e 183 da Constituição Federal, o que se aguardava desde 1989. Não, porém, na infeliz versão regulamentar que em parte relevante ostenta.

Estabelece, inicialmente, diretrizes gerais razoáveis da política urbana (arts. 1° a 3°), relacionando as instrumentos, especificados no art. 4″, consistentes em regras básicas para o parcelamento, edificação ou utilização compulsória do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado (arts. 5° e 6°).

No art. 10 a lei cria o discutível e especial usucapião urbano coletivo, ao destiná-lo a áreas com mais de 250 metros quadrados e sem limites em sua extensão, desde que ocupadas por pessoas de baixa renda para sua moradia, por cinco anos ininterruptos e sem oposição, não importando não serem identificados as terrenos ocupados por possuidor e integrantes da área total, só sendo exercitável por possuidores que não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

Possivelmente haverá questionamentos sobre a constitucionalidade desse surpreendente e malfadado modelo de usucapião urbano.

Tratando-se a art. 183 de exceção constitucional (seu paradigma rural esta no art. 191 da CF) temos a clássica interpretação restritiva das exceções legais (exceptiones sunt strictissimae interpretationis).

Desse modo, a norma constitucional de exceção nos parece desautorizar que, através de lei infraconstitucional, seja distendida a áreas de dimensões ilimitadas. Sobretudo quando o fim social preconizado está bem distante do que se poderá ver alcançado.

Nessa nova modalidade de usucapião coletivo pode o possuidor de baixa renda, para eleito de contagem do prazo, acrescentar a sua posse a de seu antecessor, desde que contínuas.

Na falta de acordo expresso entre os condôminos da área usucapida, as frações ideais de terreno serão iguais (§ 3° do art. 10).

Só poderá, esse condomínio especial, ser extinto por deliberação tomada por dois terços dos condôminos.

Essa previsão legal abre seria fenda regulamentar tanto nos pianos de loteamento existentes em leis municipais quanta nos projetados pela própria Lei 10.257 para o futuro de áreas urbanas. Isso porque a extinção do condomínio admitida no usucapião coletivo instituído, conforme o disposto em seu art. 10 § 4°, permite se antever o inadvertido incentivo a invasão de áreas urbanas como meio de se projetar loteamentos descompromissados dos pianos urbanísticos previstos em lei. Estes últimos, também lá previstos, serão os únicos destinados, através de seus regramentos, a uma apresentação estética e de boa qualidade de vida e segurança a seus moradores.

Pior ainda é a criação, por lei, de uma ingênua e anômala justiça social, pois exeqüível sob os mais variados riscos de fácil previsão. Só exige a lei, para ser exercitado o usucapião coletivo, o simples decurso do quinquênio, mais a imprecisa ausência de oposição referenciada.

Logo, tratando-se, na sua maior parte, de áreas invadidas perigosas, encostas de morros, beiras de rios ou mangues passiveis de enchentes das chuvas sazonais, nada dispõe a lei sobre a previa inspeção do local para a definitiva contenção desses sérios riscos, assim também para sua previa e indispensável urbanização, sem o que não pode haver um assentamento definitivo.

Agora as invasões ocorrerão em todos os terrenos urbanos e não somente naqueles de problemática constituição.

Criar-se-á, por meio da farsa das invasões, a formula para se projetar loteamentos irregulares, insalubres (obviamente sem saneamento básico) e inseguros ate em bairros nobres, eternizando-os no local através de uma formula de urbanização extremamente precária, pois muito longe de atingir a visão estética e qualidade de vida obtenível pelos loteamentos projetados sob o rigor dos pianos municipais de urbanização.

Inadvertidamente, o usucapião coletivo poderá se converter em meio moralmente ilegítimo de ser contornado o cumprimento das leis municipais de loteamentos, possibilitando­-se a favelização de todos as municípios do Pais.

O que se projetou como instrumentos de política urbana nos primeiros artigos programáticos, de forma regulamentar desinspirada a lei a seguir os deixou ao oblívio, mormente através de seus arts. 10 a 14.

O usucapião especial coletivo ora em analise será declarado pelo juiz competente em ação judicial com a intervenção obrigatória do Ministério Publico e mediante sentença recorrível que, com seu trânsito em julgado, servira de título no cartório respectivo de registro de imóveis, observando-se na ação o rito sumario.

Não ignora a lei a necessidade da urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda. Tanto que, em seu art. 35, III, faz expressa referencia a respeito, malgrado ao estar cuidando da transferência do direito de construir.

Quando, porém, regulamenta o usucapião especial urbano e coletivo não condiciona, a aquisição da área usucapienda, a sua previa urbanização, o que na verdade inafastavelmente se impunha.

Inclusive essa urbanização equivaleria ao saneamento básico e a contenção de encostas e de enchentes nas áreas de risco, obviamente de custo bem elevado.

Acentue-se que tais obras antecedentes seriam indispensáveis para uma melhor e mais segura qualidade de vida dos moradores da área.

Em suma, o que almeja a Lei 10.257, que entrará em vigor no prazo de 90 dias contados de sua publicação, é regulamentar separadamente a utilização ordenada e desordenada do solo urbano.

Cremos se tratar de uma lei federal com regência municipal inédita no plano dos direitos reais imobiliários e sobretudo para as classes sociais menos favorecidas, ao implantar mecanismos legais destinados a viabilizar uma propriedade condominial através de novel usucapião urbano coletivo para áreas invadidas em não recentes datas, e por isso abandonadas por seus proprietários de origem.

Malgrado ultrapasse os limites constitucionais do usucapião urbano, como vimos, além do perigo que representa o usucapião coletivo no modelo implantado, não é menos verdade conter, o novel diploma legal, um ambicioso fim social para o assentamento definitivo da população de baixa renda em áreas urbanas invadidas.

Ainda que pretenda por um lado ostentar um modelo de justiça social, por outro não podemos ocultar esse seu regramento inconsequente, ao desde logo pretender assentar definitivamente pessoas desvalidas em áreas de elevadíssimos custos para a estabilização do solo e sua urbanização higiênica e estética, quando melhor seria o deslocamento de seus moradores, ate mesmo com apoio federal, para outras áreas.

Ha históricas responsabilidades do Governo Federal na mudança da capital do Pais, nesse aspecto sem qualquer apoio financeiro ao então Estado da Guanabara.

Há, também, o inadvertido incentivo a novas invasões de terrenos urbanos eventualmente baldios.

De longa data a cidade do Rio de Janeiro e desde quando capital federal, recebeu migrações de grupos sociais paupérrimos vindos de outras regiões do Pais.

No mais das vezes aqui chegando em grandes grupos, foram encaminhados, por inescrupulosos especuladores imobiliários mas atuantes em seus fins lucrativos, para seu assentamento em áreas a serem projetadamente invadidas da noite para o dia.

Pelo grande numero de desassistidos assentados em cada invasão, sempre careceu o Poder Publico Municipal de meios para recolocação desses grupos em outras áreas com conjuntos habitacionais construídos para tal fim.

Agindo desse modo ate certo ponto engenhoso, logram os especuladores obter dificuldades intransponíveis as autoridades competentes para a evacuação da área invadida, como já tem acontecido em incontáveis oportunidades, muitas das quais nas encostas de morros desnudadas da vegetação nativa da Mala Atlântica e assim, tomando-se áreas suscetíveis a erosão acelerada.

Essas desvalidas famílias, como acima foi ressaltado, sempre se instalam sem maiores cuidados nessas e noutras áreas no mais das vezes com o auxilio de fornecimento de materiais de baixa qualidade para a construção de toscas moradias, fornecidos por esses especuladores, que cobram mensalidades e logram bons rendimentos, inclusive ocorrem cessões de uso a famílias nem tanto desamparadas.

Hoje, as invasões igualmente ocorrem em outros municípios do Estado do Rio, como os da Baixada Fluminense e até das Regiões Serranas.

O razoável será, portanto, se evitar de imediato que a Lei 10.257 possa servir de estímulo a novas invasões, o que leis estaduais e municipais suplementares certamente tentarão coibir.

Em conclusão, é melancólica essa ligeira analise da nova Lei 10.257 de 10/7/2001, uma vez que o problema habitacional das populações de baixa renda não foi nada bem resolvido, inclusive conduzindo as apreensões supramencionadas.

É de se aguardar, portanto, uma futura lei federal que realize a verdadeira justiça social devida a esses cidadãos, tão sofridos por força dos insuportáveis perigos a que estão submetidos, a culminar com a temida violência do dominador tráfico de drogas.