A liberdade de imprensa na visão do STF

19 de maio de 2014

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julio-antonio-lopesÉ fato: muita gente ainda não se debruçou sobre a decisão proferida pelo STF nos autos da ADPF no 130/09, que retirou do ordenamento jurídico pátrio a Lei no 5.250/67. Digo isto porque, na prática, na condição de advogado de jornalistas e de órgãos de comunicação, percebo que os julgadores, em bom número, ainda definem algumas questões, sobretudo as de danos morais, com base em conceitos doutrinários ou jurisprudenciais superados pelo entendimento da Corte Maior do País. E o que é mais intrigante, partindo da premissa falsa de que os direitos de expressão do pensamento e de comunicação, quando em confronto com os direitos à honra, imagem, intimidade e privacidade, a estes devem ceder.

O discurso contido em algumas sentenças e acórdãos tenta disfarçar esta, digamos assim, inclinação, mas a verdade é que, mesmo invocando a técnica de hermenêutica apropriada, a ponderação, acabam por identificar abusos e fantasmas em quase tudo o que a imprensa veicula, como se, em seu seio, os profissionais estivessem sempre engendrando fórmulas para denegrir o protagonista da informação.

A Lei no 5.250/67 era um dos mecanismos daquilo que se convencionou chamar de “entulho autoritário”, eis que concebida em plena a ditadura militar instalada no Brasil a partir de 1964 para servir, mesmo, de elemento de tutela e de coerção à liberdade de expressão do pensamento e de comunicação. Ela atendia aos interesses e ao contexto de um regime de força, sendo incrível que sobrevivesse por 42 longos anos, 21 anos ainda depois do retorno do País ao Estado Democrático de Direito, com a promulgação da Constituição Cidadã!

Não há dúvidas, portanto, de que o constituinte de 1988, refletindo os anseios da sociedade, quis devolver lhe, de forma plena, aquilo que lhe fora roubado: a liberdade de pensar, de expressar seu pensamento, de comunicar-se, de informar-se e de ser informado, enfim, por qualquer meio ou veículo, sem receio de censuras ou quaisquer outras punições. Daí porque a Constituição de 1988 tornou-se a portadora de um grande bloco normativo, inserido tanto no capítulo dos Direitos e Garantias Individuais e Coletivas quanto no capítulo da Comunicação Social, a revelar-lhe, com eloquência, a primazia em nosso ordenamento jurídico.

O STF, nos autos da ADPF 130/09, deu a última palavra a respeito do assunto, fixando os parâmetros a serem observados, a partir de então, dentre os quais destaco:

a) não é possível haver censura prévia aos meios de comunicação. Qualquer controle judicial se deve dar a posteriori e, em apenas uma hipótese, pode-se restringir o noticiário: quando decretado o Estado de Sítio;

b) há um bloqueio normativo para a existência de uma “nova lei de imprensa”, que venha a cuidar de suas coordenadas de tempo e de conteúdo. De igual sorte, não pode haver legislação criminal diferenciada para jornalistas;

c) os veículos de comunicação se devem autorregular, vedado o disciplinamento através de órgãos estatais. “É a imprensa que controla o Estado; não o Estado que controla a imprensa”, diz em inspirado trecho, o relator Ayres Britto;

d) no caso concreto, deve o intérprete, em primeiro lugar, garantir o gozo dos sobredireitos de expressão do pensamento, de informação e de comunicação, para, somente depois, a ocorrência de eventuais abusos aos demais direitos da personalidade (honra, imagem, privacidade e intimidade). A isto se chama calibração cronológica de princípios;

e) o homem público está sob permanente vigília dos cidadãos e, em especial, da imprensa. A proteção de sua honra deve ser mais débil que a do homem comum. Isto se dá porque o servidor público trata de assuntos e interesses da coletividade, a quem precisa prestar contas. Está, portanto, sujeito às críticas mais acerbas e duras possíveis. É o que o STF chama de “valor social da visibilidade”;

f) a imprensa não é a Casa da Moeda. O eventual quantum indenizatório deve ser morigerado; não pode ser motivo de enriquecimento ilícito, sem causa. Deve atender, além dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, à necessária cláusula de modicidade, não podendo ter qualquer influência na definição de valores o fato de o suposto dano ter ocorrido por meio da imprensa;

g) a expressão do pensamento e a informação veiculados por meio da rede mundial de computadores, por meio digital, enfim, gozam das mesmas prerrogativas constitucionais deferidas à imprensa pelo texto constitucional de 1988. E, em época de eleições, quando mais se robustece a democracia, nas palavras do STF, é que a imprensa deve ter maior liberdade de atuação, para que o eleitor possa conhecer em profundidade àqueles que pretendem representá-los;

h) a decisão tem efeito erga omnes e imediato. Em seu eventual descumprimento, cabe reclamação à corte. Não há vácuo. Aplica-se a legislação federal existente.

Falta, agora, que juízes, tribunais e operadores do direito em geral revisitem com maior frequência esta decisão, a fim de que possam “trabalhar” as questões que lhes chegam às mãos, de maneira alinhada, na medida dos fatos sob exame, ao que pacificou a nossa Suprema Corte, para quem, não tenho dúvidas, os direitos de expressão do pensamento, da informação e da comunicação possuem um caráter preferencial.