Edição

Mediar é Divino!

22 de setembro de 2016

Compartilhe:

Paulo Cesar das NevesProjeto de capacitação de mediadores promovido pelo TJGO alcança sucesso ao envolver lideranças religiosas em uma experiência inédita na seara das soluções alternativas ao litígio.

Desde outubro de 2015, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) vem colocando em prática o projeto “Mediar é Divino”, voltado à capacitação de líderes religiosos de Goiânia e região. O programa, que já orientou duas turmas, ensina técnicas de conciliação e mediação judiciais em um curso com duração de 100 horas-aula, entre teoria e prática supervisionada.

A iniciativa, que tem como público-alvo líderes de igrejas e templos, é inédita no Brasil, colocada em prática em Goiás, por meio de projeto do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do TJGO, sob coordenação do juiz Paulo César das Neves. A proposta é direcionar àqueles que tem, social e historicamente, a missão de pacificação, os princípios da cultura do diálogo e do fortalecimento dos métodos alternativos de solução de conflitos, em especial, a mediação. A intenção é que, ao fim da capacitação, chancelada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os participantes possam levar, ao âmbito de seus templos, as técnicas judiciais para resolução de conflitos sociais.

Portanto, os representantes de instituições religiosas que se formarem no curso, estarão aptos a lidar com questões cotidianas, com as quais, em geral, lidam de uma maneira ou de outra. Tradicionalmente, líderes espirituais sempre desempenharam papel de destaque no aconselhamento dos indivíduos. Especialmente nas comunidades mais carentes, o líder religioso é, por vezes, quem o cidadão primeiro procura quando se depara com alguma adversidade na vida. Não é incomum que questões relacionadas a casamento, guarda de filhos e brigas entre vizinhos sejam levadas a ele, em busca de uma opinião ou mesmo de uma solução. Agora capacitados, eles poderão fazer muito mais por suas congregações. Vale lembrar que a iniciativa abraça lideranças provenientes de igrejas católicas, evangélicas, espíritas, kardecistas, candomblecistas e umbandistas.

Saiba mais sobre o projeto na entrevista com o juiz coordenador do Nupemec (TJGO), Paulo César das Neves:

Revista Justiça & Cidadania – Desde quando ocorre o projeto?

Juiz Paulo César das Neves – O “Mediar é Divino!” é desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás desde outubro de 2015, ocasião em que foi apresentado para diversos segmentos religiosos.

J&C – A iniciativa de capacitar lideranças religiosas é uma experiência inédita ou algum outro Tribunal do País já fez algo similar?

PCN – É uma iniciativa inédita no Brasil. Após a implementação do “Mediar é Divino!” em Goiás, diversos tribunais manifestaram interesse em desenvolver o projeto no âmbito dos seus respectivos estados. Oficialmente, recebemos a visita de representantes dos tribunais de Justiça do Distrito Federal e Territórios e do Acre.

J&C – Quais são os principais temas/assuntos abordados durante a capacitação? Onde são realizados os treinamentos?

PCN – Inicialmente, é importante anotar que o Tribunal de Justiça ministra Cursos de Formação em Mediação e Conciliação segundo diretrizes curriculares estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça. O curso lecionado no “Mediar é Divino!” segue o mesmo formato! Para se ter uma noção, o cursando no projeto receberá ao final do curso a certificação de mediador ou conciliador judicial, podendo atuar inclusive em ações que tramitam no Poder Judiciário.

No curso são abordados os seguintes temas: Panorama histórico dos métodos consensuais de solução de conflitos; Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos; Cultura da Paz e Métodos de Solução de Conflitos; Teoria da Comunicação/Teoria dos Jogos; Moderna Teoria do Conflito; Negociação; Conciliação; Mediação; Áreas de Utilização da Conciliação/Mediação; Interdisciplinaridade da Mediação; O Papel do Conciliador/Mediador e sua Relação com os Envolvidos (ou agentes) na Conciliação e na Mediação; e Ética de Conciliadores e Mediadores.

Tanto a parte teórica quanto o módulo do estágio supervisionado dos cursos são realizados no próprio Tribunal de Justiça.

J&C – Quantas turmas já foram capacitadas e qual a expectativa do programa para os próximos meses?

PCN – Já foram capacitadas duas turmas e a terceira já está prevista para setembro de 2016. Além da realização da terceira turma, a expectativa é de que nos próximos meses sejam instalados “Espaços Mediar” em instituições do segmento Umbandista, Evangélico, Espírita e um terceiro em uma Paróquia da Igreja Católica. Como forma de estimular o sentimento de tolerância religiosa as turmas do “Mediar é Divino!” são compostas por pessoas de segmentos religiosos diversos.

J&C – É claro que entendemos que o líder religioso é também um líder comunitário, daí, acredito, a escolha deste grupo para aplicar a capacitação. Mas quais aspectos podem tornar esses indivíduos mais aptos a exercerem o papel de conciliadores do que, por exemplo, um líder comunitário propriamente dito – afinal nem todo mundo segue aquela determinada doutrina de fé?

PCN – Não diria que há aspectos que tornem o participante do “Mediar é Divino!” tecnicamente mais apto a desenvolver a mediação e a conciliação do que o líder comunitário. Até mesmo porque os cursos de conciliação e mediação ministrados pelos tribunais devem observar os parâmetros estabelecidos pelo CNJ. Assim, ao final teriam a mesma capacitação. Ocorre que tradicionalmente os líderes religiosos já desempenham o ofício do aconselhamento. Independentemente da crença professada, em uma análise ampla, percebemos que os segmentos religiosos em geral buscam estimular a paz entre os indivíduos. O líder religioso é um indivíduo que, naturalmente, detém a confiança dos seguidores daquele determinado dogma. É uma referência. Especialmente nas comunidades mais carentes, os indivíduos, não raramente, quando das adversidades da vida procuram auxílio com o seu mentor espiritual antes mesmo de buscar a orientação de qualquer outro profissional. Com a capacitação ofertada, os líderes religiosos continuarão a aconselhar, mas, agora, munidos com técnicas adequadas de resolução de conflitos.

J&C – Quais são as expectativas em torno dos resultados desse programa nos próximos meses, em termos de reflexos, por exemplo, na redução dos índices de litigiosidade nessas comunidades que tiverem seus mediadores?

PCN – A expectativa é de que nos próximos meses o projeto ganhe ainda mais corpo, mais espaço. Além da terceira turma do curso de formação de mediadores e conciliadores, aguardamos a instalação dos “Espaços Mediar”, como mencionado.

Um objetivo claro do projeto é a disseminação da cultura da paz, e isso é um processo que exige trabalho com qualidade, planejamento e tempo de maturação. Apesar do fator tempo, já temos observado resultados práticos, especialmente nas demandas que envolvem as famílias. E esperamos que isso se intensifique.

O “Mediar é Divino!” procura exercer à plenitude a garantia constitucional do acesso à justiça. É mais uma porta que se abre para o cidadão!

Por mais que se procure a ampliação das unidades judiciárias, restrições legais, orçamentárias e materiais, por exemplo, impedem que o Poder Judiciário se faça presente em cada canto da sociedade. Ao contrário do que ocorre com as instituições religiosas. Ora, cada cidade, bairro, distrito, com certeza, já conta com algum templo religioso à disposição.

A prática, nessa perspectiva, possui alcance social expressivo, porquanto tem a virtude especial de abranger, não somente as regiões centrais, mas notadamente as comunidades mais longínquas, mais carentes.

O cidadão passa a contar não apenas com mais um tipo de serviço, mas com uma assistência no local que lhe confere acolhimento, paz, orientação, tranquilidade, onde professa sua fé. E isso é importante para comodidade e ampla satisfação do usuário da Justiça.

O cidadão, além de receber o serviço por uma pessoa devidamente habilitada, no seio do seu segmento religioso, poderá ainda ter a garantia da chancela do Poder Judiciário nos acordos celebrados, uma vez que alcançada a transação entre as partes, poderá haver homologação por um Juiz Coordenador de Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), inclusive.

O “Mediar é Divino!”, além de contribuir para a redução da taxa de congestionamento do Poder Judiciário, implementa efetiva aproximação da Justiça com a sociedade.