Medidas contra a morosidade

1 de agosto de 2014

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Calos-VellosoFoi acertada a ampliação da competência das Turmas do STF para analisar as ações por crimes comuns cometidos por autoridades, em decorrência do foro privilegiado, afirmou Carlos Velloso, ministro aposentado daquele Tribunal. Confira na entrevista

Há dois meses, o Diário da Justiça Eletrônico publicou uma importante alteração no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (STF). Daquele momento em diante, passou a ser das duas Turmas de julgamento da Corte a competência para julgar uma série de ações judiciais, dentre as quais as que tratam dos crimes civis cometidos por parlamentares e que, por força do foro privilegiado, têm de ser processadas pelo mais Alto Tribunal. A mudança teve como objetivo desafogar o Plenário, para que o órgão volte a se dedicar a questões iminentemente constitucionais.

Em três sessões, as duas Turmas do STF julgaram oito ações penais e 12 inquéritos, segundo informou a assessoria de comunicação da corte à consulta feita pela Revista Justiça & Cidadania. O número de processos concluídos parece ínfimo frente às 152 ações penais e 512 inquéritos que tramitam no Supremo, mas representa o início de um importante movimento para reduzir o acervo da Corte e preservar sua missão de guardião da Constituição.

Pelo menos, é como avalia o ministro aposentado daquele Tribunal, Carlos Velloso. Em entrevista ao portal da Revista Justiça & Cidadania, o ministro classificou como acertada a alteração no Regimento Interno. Além dos processos judiciais por crimes comuns cometidos por deputados, senadores, ministros de Estado, membros de Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas, também foi transferida para as Turmas a competência para julgar as ações ajuizadas contra os atos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

O STF é composto por 11 ministros, que se dividem nas duas Turmas. Atualmente a Primeira Turma é integrada pelos ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso. Já a Segunda Turma, pelos ministros Teori Zavascki, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Carmem Lúcia.

Na avaliação de Velloso, o julgamento pelas duas Turmas tende a ser mais rápido. “Nas Turmas, tendo em vista o número menor de julgadores – praticamente a metade dos juízes do Plenário –, os julgamentos demoram menos. E o que me parece importante: nas Turmas não há a exposição excessiva do julgamento pela televisão. Exposição essa que acaba desgastando o Supremo e fazendo-o parecer, aos olhos da sociedade, mais uma corte penal e não a Corte Constitucional do Brasil”, afirmou.

Confira à integra da entrevista:

Revista Justiça & Cidadania ­– Como ministro aposentado, como o senhor avalia a alteração do Regimento Interno do STF?
Carlos Mário Velloso – Foi acertada a decisão do Supremo Tribunal Federal de passar para as Turmas o julgamento das ações penais originárias. O Plenário está com a sua pauta realmente abarrotada. Segundo estimativas, são mais de 700 recursos extraordinários, muitos com repercussão geral, além das Ações Diretas de Inconstitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal funciona por meio de seu Plenário e das suas Turmas. Nas Turmas, tendo em vista o número menor de julgadores – praticamente a metade dos juízes do Plenário –, os julgamentos demoram menos. E o que me parece importante: nas Turmas não há a exposição excessiva do julgamento pela televisão. Exposição essa que acaba desgastando o Supremo e fazendo-o parecer, aos olhos da sociedade, mais uma corte penal e não a Corte Constitucional do Brasil.

A pauta do Plenário era atropelada por essas ações penais?
– Sem dúvida que sim. Devemos lembrar que a verdadeira missão do Supremo Tribunal Federal é guardar a Constituição e significa julgar as ações do controle concentrado, as Ações

Diretas de Inconstitucionalidade, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão, as Ações Declaratórias de Constitucionalidade e as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental, além dos mandados de injunção. E, no controle difuso, há os recursos extraordinários com repercussão geral. Não é pouco, está-se a ver.

Com a ampliação da competência, as Turmas de julgamento terão mais autonomia?
– Penso que a alteração do Regimento Interno, no ponto, não dará mais autonomia às Turmas. Essa autonomia está no próprio Regimento, ao estabelecer a forma de o Supremo Tribunal Federal trabalhar, por meio do seu Plenário e das suas Turmas. A alteração regimental simplesmente racionaliza os trabalhos da Corte Suprema.

Qual é a sua opinião sobre o foro privilegiado?
– A minha opinião sobre o foro privilegiado não é nova. Nunca concordei com esse tipo de foro, pois não é republicano. Todos devem ser julgados pelo juiz natural: ou seja, o juiz de 1º grau e, por meio dos recursos cabíveis, pelos tribunais de 2º grau e então pelos tribunais superiores e pelo Supremo Tribunal Federal. Nossos juízes de 1º grau ingressaram na carreira mediante um dificílimo concurso público de provas e títulos. São homens preparados. Muitos são professores universitários. São homens dignos. Temos cerca de 15 mil juízes de 1º grau. Apenas um reduzidíssimo número deles não estaria honrando a toga. Então, volto a dizer: o foro privilegiado não é republicano, pois cria desigualdade e desvia os tribunais de sua verdadeira missão, em regra, de julgar recursos. O Supremo, mencionei, é o guardião mor da Constituição.

Esclareço que o foro privilegiado para os parlamentares foi instituído pela Emenda Constitucional nº 1, outorgada pela Junta Militar em 1969. No exterior, em encontros de magistrados em universidades, quando me indagam a respeito da competência do Supremo Tribunal Federal, fico acanhado ao falar da sua competência criminal. Mas concordo com o foro privilegiado para o presidente da República, da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal.

Submeter ao Supremo as ações por crimes comuns, praticados por autoridades, contribui para a morosidade dos trabalhos do Tribunal?
– Sem dúvida isso ocorre. Convém esclarecer: os deputados estaduais, governadores, prefeitos e outras autoridades também com foro privilegiado acabam (sendo julgados) nos Tribunais de Justiça, no STJ e nos Tribunais Regionais Federais e nos Tribunais Regionais Eleitorais, desviando a atenção dessas cortes, cuja vocação é julgar recursos. É claro que isso concorre para a mazela da Justiça brasileira: ou seja, para a lentidão e a demora na prestação jurisdicional. A extinção do foro privilegiado prestaria um excelente serviço à Justiça e à sociedade.