Mercado e trabalho: limites ao poder econômico

31 de julho de 2011

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O presente artigo tem por escopo apresentar a vinculação entre os temas mercado e trabalho, analisando seus conceitos, suas características e as perspectivas atuais sobre ambos, bem como analisar alguns limites impostos ao poder econômico no âmbito do trabalho humano e a tendência à manutenção da regulação.

Pode-se conceituar o mercado como local “onde demanda e oferta, consumidores e empresas, compradores e vendedores se encontram”[1], ou mesmo como o “encontro de pessoas com o propósito de negociar através da compra e venda privadas”[2]. É, portanto, a ambiência na qual indivíduos e entidades com bens e serviços disponíveis se encontram com o objetivo de entabular suas transações. A principal função do mercado é a determinação de preços, que, por sua vez, é a principal informação com a qual os agentes econômicos trabalham para tomar suas decisões de consumo e produção.

Por sua vez, o trabalho pode ser conceituado como toda atividade humana destinada a produzir riquezas, bens e serviços. Constitui um dos fatores de produção da atividade econômica, ao lado da natureza (recursos naturais) e do capital. Logo, o trabalho assume relevância no âmbito do mercado, na medida em que constitui um dos fatores que impulsionam sua manutenção e seu desenvolvimento.

A atividade econômica, que consiste na organização dos fatores de produção, é norteada pela busca pela eficiência, ou seja, pela utilização da menor quantidade de recursos com a obtenção do maior resultado possível. O objetivo, portanto, é a maximização dos lucros. Esta afirmativa é válida para a utilização de todos os fatores de produção, sejam os recursos naturais, seja o capital ou a força de trabalho. Quanto menos trabalho for necessário para a produção de determinado bem ou serviço, mais eficiente se verifica a atividade econômica desempenhada.

Nessa busca constante pela eficiência, o poder econômico[3] tende a abusar dos fatores de produção que estão à sua disposição, utilizando ao máximo (e muitas vezes de maneira predatória) a mão de obra disponível, sendo necessária a intervenção estatal impondo limites à atividade. Assim, a regulação da atividade econômica pelo Direito importa na imposição de limites ao exercício de tal atividade, tendo por finalidade o fomento do desenvolvimento econômico, sem prejuízo da manutenção de um estado de bem estar social, evitando, dessa forma, situações de conflitos. É o campo destinado ao Direito Econômico, caracterizado pela intervenção do Estado no domínio econômico.

A questão dos conflitos entre o mercado e o trabalho sempre esteve presente. BAGNOLI (2009) chama atenção para o fato de que conflitos estão sempre presentes na humanidade e que “surgem a partir do rompimento do equilíbrio, da quebra da fraternidade”[4]. Tal situação de desequilíbrio se constata nas oportunidades em que um dos partícipes da relação se encontra em situação de excessiva prevalência, em detrimento de outro partícipe. É o que se verificou com o poder econômico[5], bastando uma rápida análise histórica para se constatar.

A civilização mundial já conheceu em sua história, como modalidades de trabalho humano, a escravidão, a servidão, as corporações de ofício e o trabalho assalariado. Este último ganhou robustez com a Revolução Industrial do século XVIII, deixando de ser mera mercadoria e passando a ser o principal fator econômico da produção. O trabalho assalariado é produto do próprio capitalismo.

A máquina a vapor foi uma das maiores responsáveis pela sociedade industrial, pois, pela primeira vez, a força do homem e a dos animais foi substituída por uma fonte de energia praticamente ilimitada. O poder de transformação do homem se multiplicou, assim como a possibilidade de produzir novos bens. Houve impacto nas relações entre os bens de produção, aumentando ainda mais a importância do capital e reduzindo o valor do trabalho. Com a máquina a vapor, veio a linha de produção, a evolução dos meios de transporte, a descoberta e utilização de novos materiais, enfim, a própria industrialização.

A industrialização importou na divisão do trabalho, na produção em série e na urbanização. Exigiu, portanto, grande massa de trabalhadores para impulsionar o crescente desenvolvimento econômico mundial, transferindo a população da zona rural para as grandes cidades[6]. As desigualdades sociais passaram a ser mais visíveis, embora a possibilidade de transferência entre as classes sociais apresentasse aspecto positivo.

Inicialmente, não havia limites regulatórios à atuação da atividade econômica e o resultado se mostrou aterrador [7]. Então, surge o Direito do Trabalho, produto típico do século XIX, de modo a limitar e regular a atividade econômica no tocante ao trabalho humano, de modo a torná-la, inicialmente, menos penosa e menos fatigante.[8] É a imposição de limitação ao poder econômico por parte do Estado.

Requeria-se e amadurecia a intervenção do Estado, justificava-se uma legislação especial de proteção e de tutela aos mais fracos, vítimas, agora não só dos que dispunham dos meios de produção, como igualmente desses próprios meios diretamente, os quais lhes mutilavam o corpo, lhes dispersavam a família, lhes enfraqueciam a prole, os colocavam na rua, sem emprego.[9]

O surgimento do intervencionismo estatal não foi resultado, apenas, de sentimento humanitário. O liberalismo econômico demandou a imposição de freios, principalmente, em virtude de rebeliões sociais que estavam eclodindo no seio da sociedade capitalista. Os movimentos operários tiveram início, tendo sido criados na Inglaterra, em 1824, os primeiros centros de ajuda mútua e de formação profissional, embriões da aglutinação profissional. Em 1833, os trabalhadores ingleses organizam os sindicatos (trade unions) como associações locais ou por ofício, para obter melhores condições de trabalho e de vida. O Manifesto Comunista de 1848, e das Internacionais consequentes, reforçaram o caráter revolucionário das reivindicações dos trabalhadores. Os sindicatos conquistam o direito de funcionamento em 1864, na França; em 1866, nos Estados Unidos; e em 1869, na Alemanha.

Um dos documentos de maior importância para a imposição de limites ao poder econômico, no aspecto laboral, foi a edição da Encíclica Rerum Novarum, pelo Papa Leão XIII, datada de 1891, na qual a Igreja recomendava a intervenção estatal na econômica como único meio capaz de afastar os abusos do regime, reconhecendo a injustiça social que assolava o proletariado.

As indústrias e empresas, em geral, também perceberam, em que pese tardiamente, que as longas jornadas, as condições insalubres e a baixa remuneração eram fatores que reduziam a produtividade, impactando o resultado da atividade econômica a médio e longo prazos.

Após a fase de sistematização e consolidação do Direito do Trabalho, teve início a fase de institucionalização normativa, o que se verificou com o advento da Primeira Guerra Mundial. O ramo jurídico justrabalhista passou a fazer parte da estrutura jurídica dos países de economia central. São marcos de tal período a Constituição de Weimar e a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ambas no ano de 1919.

A introdução do Direito do Trabalho no âmbito constitucional brasileiro se deu com a Constituição de 1934, considerada uma Carta social-democrática. Com ela foram criados a Justiça do Trabalho e o salário mínimo. Houve a previsão para a organização sindical[10], representação profissional ou de classe. Foi, ainda, reconhecido o direito de propriedade limitado pelo interesse social ou coletivo, bem como foram reconhecidos diversos direitos sociais[11] .

Já a Constituição de 1937, produto do novo governo instituído pelas forças armadas, na ditadura getulista, implicou a legitimação da intervenção estatal, fixando-se diretrizes da legislação do trabalho, com o estabelecimento do repouso semanal, da indenização por dispensa imotivada, das férias remuneradas, do salário mínimo, da jornada de oito horas, da proteção à mulher e ao menor, do seguro social e da assistência médica. Todavia, a Carta proibiu o direito de greve[12].

A Constituição de 1946 estabeleceu os princípios básicos do Direito do Trabalho, assumindo conteúdo social que a colocava entre as mais completas do mundo. Passou a ser reconhecido o direito greve, tendo sido incluída a Justiça do Trabalho como órgão do Poder Judiciário.

Com a Carta de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969, deu-se a proibição ao direito de greve no âmbito do serviço público e atividades essenciais. Foi fixada a idade mínima para o trabalho em 12 anos, tendo sido estabelecido percentual de trabalhadores brasileiros em alguns serviços predeterminados. Restou derrogado o principio da estabilidade, com sua substituição pelo regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O Estado passou a intervir no sindicalismo, tendo sido estabelecida a contribuição sindical obrigatória.

A Constituição de 1988, conhecida como Carta-cidadã, estabeleceu como princípio fundamental, insculpido no artigo 1o, a dignidade da pessoa humana, corolário do qual decorrem os também princípios constitucionais do valor social do trabalho (art. 1o, VI), valorização do trabalho humano (art. 170) e primazia do trabalho (art. 193), denotando a preocupação do constituinte com a manutenção de limites do poder econômico no âmbito das relações laborais.

Após a institucionalização do Direito do Trabalho no pós-guerra, com seu reconhecimento e ingresso nos instrumentos constitucionais dos países de maior expressão (e também nos países periféricos, como o Brasil), houve um período de grande crescimento econômico e estabilidade mundial, mesmo com a Guerra Fria entre EUA e URSS. Foi um período de expansão de empresas americanas e europeias, que trouxeram práticas trabalhistas mais avançadas, inclusive para os países periféricos, nestes incluído o Brasil.

Na sequência, adveio um período de crise normativa, diante do qual se passou a pregar a necessidade de desregulamentação no âmbito das relações de trabalho. Alguns fatores foram utilizados como argumentos à nova ideologia: o mundo passava por um crise econômica, cujo marco inicial se deu nos anos 1970, com a crise do petróleo, que desencadeou uma recessão nos Estados Unidos e na Europa, provocando altas taxas de desocupação no mercado de trabalho. Não bastasse, a renovação tecnológica provocada pela automação, robotização e microinformática agravou a redução dos postos de trabalho. As empresas passaram a sustentar a necessidade de reestruturação nos modelos clássicos de gestão empresarial[13], e medidas práticas, como a terceirização dos serviços, passaram a ser indicadas como solução do custo-trabalho. Formalmente, a necessidade de desregulamentação passou a ser a bandeira do neocapitalismo, sob a denominação de flexibilização

DELGADO (2003) esclarece o momento histórico:

Nesse contexto de crise econômica, tecnológica e organizacional, consolidou-se nos principais centros do sistema capitalista, mediante vitórias eleitorais circunstancialmente decisivas (Margaret Thatcher, na Inglaterra, em 1979; Ronald Reagan, nos EUA, em 1980; Helmut Kohl, na Alemanha, em 1982), a hegemonia político-cultural de um pensamento desregulatório do Estado do Bem-Estar Social. No centro dessa diretriz em prol da desregulamentação das políticas sociais e das regras jurídicas limitadoras do mercado econômico, encontrava-se, por lógica decorrência, o Direito do Trabalho[14].

AMAURI (2010) chama a atenção para os ataques à manutenção da estrutura regulatória trabalhista, típica da ideologia do neoliberalismo, cuja ideia central é a redução da presença do Estado nas relações privadas:

“Há, desde a década de 90 do século passado, inúmeras críticas à manutenção do Direito do Trabalho no Brasil em sua conformação atual. A ideia básica no sentido da critica é a de que o Direito do Trabalho engessa e inibe investimentos empresariais, tutela uma das partes da relação sem que haja necessidade real para tanto (os contratantes seriam sujeitos em igualdade de condições), limita a competitividade dos produtos brasileiros no exterior, impede que o valor da mão de obra se eleve naturalmente por força das leis (inafastáveis) de mercado e se baseia em um conjunto normativo ultrapassado e de origem corporativista (CLT).”[15]

Todavia, a desregulamentação do mercado de trabalho, reconhecendo-se a autonomia dos partícipes da relação laboral (mesmo que um deles em patente estado de subordinação), é medida que se impõe? Apenas as leis de mercado devem regular as relações trabalhistas? Pode-se reconhecer legitimidade ao Estado que se ausenta de sua função básica de promoção do desenvolvimento social? Não se pode olvidar que o Estado, ao impor limites à atuação do poder econômico no âmbito do mercado de trabalho, ou seja, ao regular as relações laborais, busca promover melhor distribuição de riquezas, melhoria do bem-estar da população e equilíbrio entre as forças sociais.

A Declaração de Filadélfia, instrumento que estabelece os objetivos da Organização Internacional do Trabalho, afirma, em seu Anexo I, que é princípio fundamental sobre o qual repousa a Organização o fato de que “o trabalho não é uma mercadoria”[16]. Nesse mesmo sentido é a Declaração da OIT sobre a justiça social para uma globalização equitativa (resultado da Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, durante sua 97a reunião, em 2008) [17].  Logo, o trabalho não pode ser comercializado de acordo com o preço de mercado. Mesmo porque, como salienta CARDOSO (2003), “o mercado, deixado a si mesmo, o mercado sem o Estado, é a guerra, a selva ou a máfia, ou tudo isso junto”[18].

Os efeitos da política neoliberal no Brasil, desde a década de 1990, foram arrolados por ALVES (2010)[19] como sendo o desemprego estrutural, a informalidade, a flexibilização de direitos, a precarização de regras trabalhistas, a fragmentação da representação sindical, a perda da capacidade negocial dos sindicatos e o aumento da desigualdade social. Tais efeitos podem ser facilmente observados, mormente no aspecto sindical. Em recente publicação[20], o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) afirmou que, “no Brasil de hoje, é muito mais fácil abrir um sindicato do que uma empresa. Em média, 2,3 deles são criados diariamente”. Mas, ressaltou que “a maioria não serve para nada”, o que comprova a fragmentação e a perda de representatividade dos sindicatos.

No momento presente, em virtude da recente crise econômica global, em 2008, a discussão acerca da necessidade de desregulamentação voltou à baila. O mercado voltou a sustentar que a flexibilização das regras trabalhistas é a forma de garantir a competitividade dos empreendimentos econômicos.

Diversas leis[21] foram editadas sob a ideologia neoliberal de precarização da tutela do trabalhador, em violação ao princípio constitucional da vedação ao retrocesso social (art. 5o, § 2o da CRFB/88). Trata-se da estratégia da captura do legislador por parte dos grupos de maior poder econômico, decorrentes de lobbies[22] engendrados pela força do capital[23], diante dos quais são editadas leis para defender ou proteger determinados interesses econômicos. A relação entre poder político e poder econômico é de retroalimentação: ambos têm por objetivo a maximização dos resultados de suas atividades, e se apoiam mutuamente na busca por seus propósitos. Dessa forma, “o político, para se manter no poder (ou no seu partido), pode ser cooptado pelos interesses do poder econômico privado, ainda que em prejuízo da coletividade”[24]. Capturando o legislador, o empresariado, em benefício próprio, conseguiu flexibilizar uma gama considerável de normas protetivas do trabalho, em prejuízo da coletividade.

Não fosse suficiente, o capital emprega também o que ALVES (2010), citando Adalberto Moreira Cardoso, denominou de “flexibilização a sangue-frio”. Trata-se de mero descumprimento da legislação trabalhista por parte do empregador[25]. Não apenas pressionando o Poder Legislativo, o capital, agora, faz a própria “desregulamentação na prática”, simplesmente deixando de observar e cumprir normas trabalhistas, em que pese seu caráter cogente. Tal fenômeno consiste na consciente deslegitimação do Direito do Trabalho por meio da flexibilização da legislação a sangue-frio. Tal fenômeno é possível dadas a remercantilização da força de trabalho e a despolitização da economia, com a consequente reprivatização das relações de classe ocasionadas pelo neoliberalismo institucionalizado na década de 1990, e que, até hoje, reflete na relação capital-trabalho.

Trata-se, portanto, de nova estratégia do capitalismo neoliberal, consistente no descumprimento deliberado das normas trabalhistas por parte dos empregadores, como espécie de risco calculado do empreendimento. Alguns empresários chegam ao cúmulo de analisar estatisticamente o “custo-trabalhista” pelo descumprimento, ou seja, quanto custará se o empregado entrar na Justiça pleiteando seus direitos violados. Muitos chegam à conclusão, legitimados pela falha na fiscalização por parte dos setores competentes, que vale mais a pena simplesmente não observar as normas legais, funcionando no “risco” do ajuizamento de ações, já que nem todos os empregados ingressam judicialmente em busca da satisfação de seus direitos (e os que o fazem, muitas vezes, aceitam acordos propostos por valores muito inferiores aos créditos incontroversamente devidos).

Não satisfeito, o capital também faz a captura da jurisprudência, cujo resultado é a prolação de “decisões que privilegiam as teses dos empregadores em detrimento dos mais comezinhos princípios de Direito Constitucional e de Direito do Trabalho”.[27]

Mas, o capital não pode continuar idealizando que a desregulamentação do mercado de trabalho seja a solução para todos os seus problemas. Ao contrário, a ausência de regulação mínima do mercado financeiro foi o estopim da grave crise econômica que abalou o mundo no ano de 2008. Há que se observar a função social da empresa, que se caracteriza pela utilização sustentável dos bens e meios de produção, dentre eles o trabalho. A função social da empresa, portanto, consiste, dentre outros aspectos, na valorização do trabalho, com a manutenção de garantias que assegurem existência digna ao trabalhador.

Em momentos de crise econômica, a iniciativa privada e o empresariado são os primeiros a levantarem a bandeira da desregulação como solução para todos os males e problemas que os afetam, sem atentarem para o fato de que a sociedade deve sempre progredir, e não regredir na aquisição de direitos e garantias. BAGNOLI (2009) chama atenção para tal inclinação:

“Este cenário também propicia a tendência de criticar a regulação. Busca-se uma desregulação cada vez maior, com a tese de que a regulação limita a liberdade do poder econômico e interfere em seu direito de propriedade. A justificativa a abalizar todo esse processo, embora equivocada, é a suposta maturidade do poder econômico, cada vez mais apto a se autocontrolar e de que o mercado apararia eventuais arestas.”[28]

MCMILLAN (2004) também se posicionou quanto à necessidade de manutenção da regulação:

“O Estado ajuda a estabelecer as regras do jogo do mercado de maneiras que vão além de simplesmente manter o sistema legal. A regulamentação, algumas vezes, pode ajudar no funcionamento dos mercados, ao sustentar arranjos financeiros ou ao precaver contra a monopolização.”[29]

A tendência à necessidade de manutenção da regulação do mercado de trabalho foi manifestada na 98a Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra, em junho de 2009, com a edição do Pacto Mundial para o Emprego. Diante de tal instrumento normativo, os Estados membros foram instados a enfrentarem, coletivamente, a crise mundial mediante políticas alinhadas com o Programa de Trabalho Decente da OIT[30]. O Pacto sustenta, ainda, a necessidade da adoção de providências tendentes a fiscalizar e a regular de maneira mais sólida e coerente, em escala mundial, o setor financeiro, grande vilão e responsável pela crise que assola o mundo, de modo a promover mercados eficientes e bem regulados que beneficiem a todos.

O mero crescimento econômico não pode ser confundido com desenvolvimento econômico. Os números absolutos, muitas vezes, podem indicar crescimento, mas e o aspecto social?

E é necessário recordar a diferença existente entre os conceitos de crescimento econômico e desenvolvimento econômico. O crescimento econômico caracteriza-se por um aumento quantitativo na produção de bens e serviços, graças à atuação de um ou de dois fatores de produção preponderantes, geralmente capital e tecnologia, expresso, por exemplo, pelo aumento do PIB. Já o desenvolvimento econômico é caracterizado por um aumento, não só quantitativo, como também qualitativo, em função da participação harmônica de todos os fatores de produção, consubstanciado por um processo de transformação social, com o progressivo deslocamento da mão de obra do setor primário para o setor secundário e para o setor terciário, expresso, por exemplo, pelo crescimento do PIB, com minimização das disparidades de renda a nível pessoal, regional ou setorial.[31]

SCHWARZ (2010), explicando os objetivos da política econômica descrita no chamado “Livro Branco” de J. Delors, Crescimento, Competitividade e Emprego, esclarece que “os objetivos da política econômica e da política de emprego complementam-se reciprocamente”, mas ressalta que “o desemprego é um problema estrutural cuja resolução não se atinge por si só, por meio do crescimento econômico”[32]. O mero crescimento econômico, portanto, não soluciona a questão, mormente quando condições sociais são deixadas de lado. É necessário justiça social para o desenvolvimento econômico.

E não se obtém justiça social deixando que o mercado se autorregule. Salienta MCMILLAN (2004) que “uma economia moderna simplesmente não funciona com os princípios libertários”, ressaltando que a “completa separação entre Estado e economia é uma fantasia que não funciona”[33].

No momento atual, a questão da flexibilização foi deixada um pouco de lado. A economia brasileira, respondendo satisfatoriamente à crise mundial[34], acalma os defensores da política neoliberal. Mas, ao menor sinal de crise ou mesmo de insatisfação com um determinado setor da economia, o mercado retoma, com força total, a ideologia do laissez-faire, pregando a força da mão invisível de Adam Smith, apresentando o modelo como solucionador de todos os problemas econômicos. Não se contesta que o arcabouço normativo juslaboral brasileiro mereça alterações para se adequar aos novos tempos. Afinal, o modelo, no geral, já conta com mais de cinquenta anos de vigência, período em que a sociedade em muito se alterou e modernizou. Os tempos são outros e há necessidade de revisão de normas laborais.

Contudo, tal afirmação não se confunde com adoção da tese de que é necessária a desregulação do mercado de trabalho, com a flexibilização de direitos trabalhistas (autêntica perda de direitos sem qualquer contrapartida social). É preciso revisar o modelo instituído, mas não se pode olvidar que o retrocesso social não pode ser consentido. A civilização progride, e não regride. Direitos conquistados devem ser mantidos ou substituídos por outros, mais adequados, mas não simplesmente suprimidos pela força do poder econômico e sua sanha pela redução de custos. A necessidade econômica pode ser a mola propulsora de mudanças normativas, mas não a definidora de mudanças no aspecto juslaboral.

 

REFERÊNCIAS DE PESQUISA:____________________

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NOTAS:_______________________

[1] PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p.54.

[2] MCMILLAN, John. A reinvenção do bazar: uma história dos mercados (trad. Sergio Goes de Paula) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2004, p.11.

[3] Poder econômico consiste no poder de controle que os possuidores dos meios de produção detêm em relação aos que não os possuem.

[4] BAGNOLI, Vicente. Direito e poder econômico: os limites jurídicos do imperialismo frente aos limites econômicos da soberania. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.15.

[5] “Poder econômico é o domínio dos recursos econômicos” – FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio; SALOMÃO FILHO, Calixto; NUSDEO, Fabio. Poder econômico: direito, pobreza, violência, corrupção. Barueri, SP: Manole, 2009, p.3.

[6] “E com o capitalismo surge um elemento novo, correlato seu e fornecedor permanente para a sua insaciável sede de braços humanos: o proletariado. O artesão empobrecido, o trabalhador rural, o pequeno empreiteiro, todos demandavam a cidade em busca de serviço.” – MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antonio Carlos Flores de. Introdução ao Direito do Trabalho. 6a ed. – São Paulo: LTr, 1993, p. 23.

[7] Em algumas fábricas a jornada ultrapassava 15 horas; os descansos e as férias não eram observados, mulheres e crianças não tinham tratamento diferenciado. Vale a transcrição de depoimentos da época: “Uma criança estava trabalhando a lã, isto é, preparando a lã para a máquina; Mas a alça o prendeu. Como ele foi pego de surpresa, acabou sendo levado para dentro do mecanismo; e nós encontramos um de seus membros em um lugar, outro acolá, e ele foi cortado em pedaços; todo o seu corpo foi mandado para dentro e foi totalmente mutilado”.;

“Nosso período regular de trabalho ia das cinco da manhã até as nove ou dez da noite. No sábado, até as onze, às vezes meia-noite, e então éramos mandados para a limpeza das máquinas no domingo. Não havia tempo disponível para o café da manhã e não se podia sentar para o jantar ou qualquer tempo disponível para o chá da tarde. Nós íamos para o moinho às cinco da manhã e trabalhávamos até as oito ou nove horas quando vinha o nosso café, que consistia de flocos de aveia com água, acompanhado de cebolas e bolo de aveia, tudo amontoado em duas vasilhas. Acompanhando o bolo de aveia vinha o leite. Bebíamos e comíamos com as mãos e depois voltávamos para o trabalho sem que pudéssemos nem ao menos nos sentar para a refeição. (O jornal Ashton Chronicle entrevistou John Birley em maio de 1849);

“No último verão, eu visitei três fábricas de algodão com o Dr. Clough, da cidade de Preston, e com o sr. Barker, de Manchester, e nós não pudemos ficar mais do que dez minutos na fábrica sem arfar (ficar sem ar) para respirar. Como é possível para aquelas pessoas que ficam lá por doze ou quinze horas aguentar essa situação? Se levarmos em conta a alta temperatura e também a contaminação do ar, é alguma coisa que me surpreende: como os trabalhadores aguentam o confinamento por tanto tempo.” – Disponível em http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=504.

[8] Evaristo de Moraes Filho, citando Gallart Folch: “A legislação do trabalho, eminentemente desigual, propõe-se a compensar com uma superioridade jurídica a inferioridade econômica do trabalhador”. Ob.cit, p.48.

[9] MORAES FILHO, Evaristo de. Ob. Cit, p.60-61.

[10] “As primeiras formas de organização foram as Sociedades de Socorro e Auxílio Mútuo, que visavam a auxiliar materialmente os operários nos momentos mais difíceis, como nas greves ou em épocas de dificuldades econômicas. A essas associações mutualistas sucederam as Uniões Operárias, que por sua vez, com o advento da indústria, passaram a se organizar por ramos de atividade, dando origem aos sindicatos – SOARES, Marcele Carine dos Praseres. Perspectivas do sindicalismo no atual padrão de desenvolvimento. Artigo. Revista LTr. V. 74, n. 02, fev. 2010. São Paulo: LTr, 2010, p.176.

[11] Proibição de discriminação salarial; proibição de trabalho a menores de 14 e de trabalho noturno a menores de 16; proibição de trabalho de mulheres em indústrias insalubres; previsão de indenização pela dispensa injusta; previsão de descanso à gestante antes e após parto.

[12] “Assumia o poder Getúlio Vargas, após intervenção militar, iniciando-se uma nova era para o sindicalismo brasileiro: controle estatal, vedação de utilização de recursos financeiros para greves, proibição de difusão de atividades políticas, ideológicas, dentre outras restrições” – SOARES, Marcele. Ob.Cit, p. 176.

[13] A reestruturação organizacional é um trabalho de análise, criação, implementação e aprimoramento de sistemas, de pessoas, de processos, indicadores e informes gerencias, a fim de se adequar às constantes mudanças do mercado. (…) Para os trabalhadores, um dos reflexos desse contexto tem sido conviver com mudanças caracterizadas, principalmente, pela redução drástica dos empregos formais, permanência menos duradoura nos postos de trabalho, passagem por diversas empresas durante a carreira e tendência ao trabalho autônomo e/ou terceirizado. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs000241.pdf<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs000241.pdf> . – Acesso em 30/04/2011.

[14]  DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2ª ed. – São Paulo: LTr, 2003, p.98.

[15] ALVES, Amauri. Neoliberalismo, “flexibilização a sangue-frio” e perspectivas do Direito do Trabalho no Brasil. Revista LTr, v. 74, n. 10, out. 2010. São Paulo: LTr, 2010.

[16] Disponível em http://www.oitbrasil.org.br/info/download/constituicao_oit.pdf<http://www.oitbrasil.org.br/info/download/constituicao_oit.pdf> .

[17] Disponível em http://www.oit.org.br/topic/oit/doc/declaracao_oit_globalizacao_65.pdf. Acesso em 29/04/2011 <http://www.oit.org.br/topic/oit/doc/declaracao_oit_globalizacao_65.pdf.%20Acesso%20em%2029/04/2011> .

[18] CARDOSO, Adalberto Moreira. A década neoliberal e a crise dos sindicatos no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2003, p.121.

[19] ALVES, Amauri. Ob.Cit, p. 1248.

[20] VITAL, Nicholas. A classe operária vai ao paraíso. Artigo. Revista Exame, ed. 990, p.54-56, 20/04/2011.

[21] Lei 9.300/1996, Lei 9.472/1997, Lei 9.504/1997, Lei 9.601/1998, Lei 9.608/1998, Lei 9.958/2000, Lei 10.101/2000 e Lei 10.243/2001.

[22] Atualmente, em tramitação, o Projeto de lei PL-01202/2007, que disciplina a atividade de lobby e a atuação dos grupos de pressão ou de interesse e assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, e dá outras providências. Contudo, formalmente, o lobby não encontra amparo legal para funcionamento.
[23] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio; SALOMÃO FILHO, Calixto; NUSDEO, Fabio. Poder econômico: direito, pobreza, violência, corrupção. Barueri, SP: Manole, 2009.
[24] BAGNOLI, Vicente. Ob.Cit., p. 79.
[25] A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) evidencia que 73% das empregadas domésticas e 32% dos empregados de estabelecimento não têm carteira assinada (BALTAR, Paulo. Emprego, políticas de emprego e política econômica do Brasil. Escritório da OIT no Brasil – Brasília: OIT, 2010. Disponível em http://www.oitbrasil.org.br/info/downloadfile.php?fileId=479. Acesso em 29/04/2011.
[26] ALVES, Amauri. Ob.Cit, p. 1.250.
[27] ALVES, Amauri. Ob.Cit, p. 1.251.
[28] BAGNOLI, Vicente. Ob.Cit., p.80.
[29] MCMILLAN, John. Ob.Cit., p. 225.
[30] “Trabalho decente se entende como aquele com proteção social básica, ou seja, que possibilite para o trabalhador fruir do mínimo existencial, que compreende a formalização do vínculo trabalhista com o consequente respeito à proteção social (Previdência e Seguridade Social)”. – SANTOS, Felipe Antonio. Trabalho decente e a concretização do Direito do Trabalho – Aspectos relevantes. Artigo. Revista LTr. V. 74, n. 02, fev. 2010. São Paulo: LTr, 2010, p.226.
[31] COIMBRA, Marcos. Crescimento x desenvolvimento. Disponível em http://www.varican.xpg.com.br/varican/Beconomico/cescim_desenv.htm.<http://www.varican.xpg.com.br/varican/Beconomico/cescim_desenv.htm.%20Acesso%20em%2029/04/2011> Acesso em 29/04/2011.
[32] SCHWARZ, Rodrigo Garcia. “A política europeia de emprego e a ideia de ‘flexisegurança’ – Um caminho para a ‘modernização’ do direito do trabalho? Artigo. Revista LTr. V. 74, n. 01, Jan. 2010. São Paulo: LTr, 2010, p.67.
[33] MCMILLAN, John. A reinvenção do bazar: uma história dos mercados. Tradução de Sergio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, p.223.
[34] De acordo com dados do DIEESE, a taxa de desemprego total na Região Metropolitana de São Paulo, no ano de 1998, era de 18,2%, atingindo o pico de 19,9% no ano de 2003. Em janeiro de 2011, o índice ficou em 8,6%, o mais baixo desde 1998.