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Ministro Marco Aurélio, juiz de verdade

15 de julho de 2015

Membro do Conselho Editorial Ex-presidente do STF e do TSE Professor emérito da Universidade de Brasília – UnB e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG Advogado

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vellosoPede-me o jornalista Orpheu Santos Salles, cujo idealismo e acendrada dedicação à Justiça os anos não conseguiram abater, uma página com um depoimento sobre o Ministro Marco Aurélio. Faço-o com prazer e júbilo. 

Conheci o Ministro Marco Aurélio nos anos 1980, quando ainda era ele ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Eu integrava, à época, o Tribunal Federal de Recursos, o velho TFR, sucedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Amigo do Ministro Coqueijo Costa, do TST – morávamos, em Brasília, no mesmo prédio – dele ouvia referências elogiosas a Marco Aurélio, seu colega, homem inteligente, juiz independente, que primava, segundo Coqueijo, por adotar posições de vanguarda, progressistas. Pouco tempo depois, fomos, Marco Aurélio e eu, colegas na Universidade de Brasília (UnB).

Em 1990, o presidente Fernando Collor, que acabara de empossar-se no cargo, devendo indicar dois nomes para o Supremo Tribunal Federal (STF), resolveu buscá-los em dois tribunais superiores, o TST e o STJ. Consultados ambos os tribunais, Marco Aurélio e eu fomos nomeados, depois da sabatina e aprovação do Senado, juízes da Corte Suprema. Tomamos posse na mesma sessão solene, no dia 13 de junho de 1990, sob a presidência do ministro Néri da Silveira, presente o Presidente da República.

Lá se vão vinte e cinco anos. Há nove anos, em 2006, fui apanhado pela compulsória. Continuei no magistério e passei a advogar, encarando a advocacia como missão, tal como recomenda o advogado e professor René Ariel Dotti. Marco Aurélio continua honrando a cátedra da Suprema Corte brasileira. E vai continuar a fazê-lo pelo menos por mais cinco anos, já que felizmente foi aprovada a Emenda Constitucional que fixa em 75 anos de idade a aposentadoria compulsória dos ministros.

No Plenário e na Turma, não foram poucas as vezes que divergimos, em debates intensos e extensos. Marco Aurélio, um juiz liberal, não se importava de ficar vencido, esforçando-se por ser juiz garantista, no sentido amplo do termo, atento, ademais, à advertência do Quixote: “Cuando pudiere y debiere tener lugar la equidad, no cargues todo el rigor de la ley al delicuente, que no es mejor la fama del juez riguroso que la del compassivo”.

Em diversos julgamentos, ficou ele solitariamente vencido. Mas tivemos oportunidade, também, de ficarmos juntos, vencidos ambos, como, por exemplo, no conferir concretude ao mandado de injunção, ou no impedir a prisão de devedores equiparados a depositários infiéis, votos hoje vencedores. Certo, entretanto, eu não conseguia compreender a garra de Marco Aurélio em arrostar a maioria da Corte, a fim de manter os seus pontos de vista. Felizmente, as divergências ficavam no campo das ideias. Fora do plenário, predominava a camaradagem.

Considero importante registrar que somente após deixar o cargo, já na advocacia, é que pude bem compreender o Juiz Marco Aurélio. Passei a viver o dia a dia do advogado. A conviver com o sofrimento daqueles que, pobres e ricos, são levados à barra dos tribunais. A ouvir as lamúrias dos colegas. Mas também a presenciar a alegria destes diante do resultado favorável de um julgamento. Muita vez a questão é levada, com tropeços e lágrimas, até ao STF. E na Corte Suprema é que o infeliz, seja no campo cível, seja na área criminal, tem substituídas as suas lágrimas pelo sorriso. E quantas vezes a decisão ou o voto que transformou lágrimas em sorrisos é do ministro Marco Aurélio, fiel à sentença do Quixote, nosso herói, que invoco novamente: “hallen en ti más compasión las lagrimas del pobre, pero no más justicia, que las informaciones del rico”.

Foi preciso que eu mudasse de lado e, na cátedra da liberdade, como advogado, pudesse bem compreender o Juiz Marco Aurélio, o ministro que, com honra e lustre, celebra, com o aplauso dos homens do seu tempo, o seu profícuo jubileu de prata na Corte Suprema brasileira.

Salve, Ministro Marco Aurélio Mendes de Faria Mello!