Momento de valorizar a magistratura

14 de janeiro de 2014

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joãoRicardoJoão Ricardo dos Santos Costa, presidente eleito da AMB, aponta como uma das prioridades de sua gestão a democratização do Judiciário, com a implementação de eleições diretas para os Tribunais

Eleito no final de novembro e empossado em 17 de dezembro, o juiz gaúcho João Ricardo dos Santos Costa é o novo presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). O resultado marca uma vitória da chapa de oposição – Unidade e Valorização –, que venceu a eleição com 5.628 votos, o equivalente a 59,3% do total, que comporá os conselhos Executivo e Fiscal da AMB durante o biênio 2014-2015. A nova diretoria sucederá o grupo liderado pelo Desembargador Henrique Nelson Calandra, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).

O novo presidente da AMB atua no 1o Juizado da 16a Vara Cível de Porto Alegre e é professor de Direitos Humanos da Escola Superior da Magistratura. Ex-Presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) e vice-Presidente de Direitos Humanos da AMB entre 2008 e 2010, João Ricardo Costa tem como prioridade na gestão da maior entidade de juízes do país consolidar as prerrogativas e garantir a estabilidade da remuneração dos magistrados.

Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em 1984, com pós-graduação em Direito (Unisinos, 2001), o novo presidente da AMB ingressou na magistratura em agosto de 1990 e atuou nas Comarcas de Planalto, Taquari e Canoas.

Nesta entrevista, entre os pontos relevantes, ele fala sobre o atual momento da magistratura e a carreira afetada por um processo de divisão interna, e reforça a bandeira levantada pela chapa Unidade e Valorização: a elaboração de um projeto em comum e que todas as forças estejam unidas para sua execução.

Revista Justiça & Cidadania – Sua eleição para a presi­dência da AMB marca uma vitória da oposição no comando da mais importante entidade da magistratura brasileira. O que representa essa conquista para o senhor?

João Ricardo dos Santos Costa – Representa, sobretudo, uma imensa responsabilidade. A eleição do nosso movimento foi precedida de um processo complexo de construção de um projeto e da elaboração de um conceito associativo consensual por um significativo número de lideranças nacionais. As várias visões que influenciaram nesse processo conceberam a alta densidade democrática na nossa proposta. A vitória nas eleições adquire importância em face desse processo.

JC – Quais são as principais propostas do grupo que ora assume a gestão da AMB para o biênio 2014-2015?

JR – Assumimos muitos compromissos com a magis­tratura nacional, mas as nossas prioridades serão focadas na democratização do Judiciário para implementação de eleições diretas para os tribunais na forma da universalização do voto, dando a condição de eleitores a todos os membros do Poder Judiciário. Também o restabelecimento do Adicional por Tempo de Serviço (ATS), na ótica da paridade com os aposentados, porque as prerrogativas da magistratura devem envolver a perspectiva de uma aposentadoria digna para quem dedicou uma vida, com exclusividade, à Justiça.

JC – O que significa, na prática, unidade e valorização – o lema de sua campanha à presidência da AMB?

JR – Experimentamos um momento em que a divisão interna tem causado sérios danos à magistratura, quer em relação à carreira, quer em relação à prestação dos serviços judiciais. É vital que a magistratura elabore um projeto em comum e una todas as forças para a execução desse projeto. A valorização impacta na efetividade do Judiciário. O juiz deve ser valorizado e gozar de credibilidade na sociedade. Trata-se de um sentimento fundamental para a democracia: a cidadania acreditar nas instituições e nos agentes públicos. Vivemos um momento muito delicado em que o juiz, principalmente o de primeiro grau, está aprisionado em um modelo de intervenção que cada vez interfere menos na solução imediata dos conflitos. É um fenômeno que abala a autoestima da magistratura.

JC – Por falar nisso, objetivando a valorização da magistratura, o Conselho Nacional de Justiça anunciou, em julho, o lançamento do “Programa Valorização: juiz valorizado, justiça completa”. Como a AMB pode contribuir para esse projeto?

JR – Estamos atentos a esse projeto e já tivemos a oportunidade de expressar o nosso apoio ao presidente do CNJ, Ministro Joaquim Barbosa, e ao corregedor nacional, Ministro Francisco Falcão. Também estamos na luta pela valorização das decisões de primeiro grau. Temos algumas propostas que pensamos como fundamentais e estão na linha de uma forte mudança de rumos na nossa forma de intervenção. Queremos que os Tribunais criem estruturas voltadas à análise científica dos litígios para enfrentarmos os megalitígios que nos chegam de forma atomizada, reduzindo a capacidade do juiz de pensar e proferir decisões mais elaboradas. Temos que criar mecanismos que deem visibilidade aos efeitos sociais das demandas de massa para que possamos agir e atuar por meio de políticas públicas que deverão envolver as agências reguladoras como agentes externos e também métodos alternativos de solução de conflitos, como mediação, conciliação e Justiça Restaurativa.

JC – O senhor falou, durante a campanha, em mudança completa dos rumos da AMB, com o resgate da credibilidade da entidade e da representação nacional da magistratura. Por que é tão importante esse trabalho de resgate? Qual é o cenário em que se encontra a AMB na atualidade?

JR – A AMB é uma entidade fundamental à magistratura. É o nosso braço político. O seu processo de construção foi interrompido por um modelo voltado ao corporativismo reducionista e pela demissão do espaço público. A história da entidade preservou a sua credibilidade. A nossa tarefa agora é resgatar o protagonismo e a efetividade na defesa das prerrogativas da magistratura que, na verdade, são diretos fundamentais da cidadania.

JC – O senhor também já apontou em entrevista a questão de “manter o diálogo com a sociedade”. De fato, alguns magistrados defendem que é necessário aproximar a Justiça da população, dando a conhecer a relevância do trabalho dos magistrados – e até como esclarecimento às críticas feitas por parte da mídia. De que maneira a AMB poderá contribuir para que essa aproximação ocorra?

JR – O diálogo com a sociedade é fundamental. Existimos para a sociedade. Somos agentes públicos com relevantes atribuições sociais. O diálogo com a sociedade deve ser permanente, e a mídia é o nosso instrumento democrático de diálogo. Vamos criar pontes de diálogo com todos os segmentos da mídia e da sociedade, sem qualquer distinção. A desinformação sobre o Judiciário é fruto da falta de diálogo. O convívio harmonioso com os meios de comunicação é muito germinativo porque estimula o diálogo e, sobretudo, os legitima para criticar o modelo de informação que temos no Brasil. Também somos agentes legitimados para participar dos grandes debates do país.

JC – Uma de suas prioridades de gestão seria consolidar as prerrogativas e garantir a estabilidade da remuneração dos magistrados. De que maneira essa proposta será colocada em pauta e quais são os principais desafios nesse aspecto?

JR – As nossas prerrogativas, incluindo a estabilidade da nossa remuneração, compõem o catálogo dos direitos fundamentais com origem na base do atual modelo de estado, inaugurado com a Carta das Nações Unidas. São direitos que devem ser plenamente efetivados. A AMB, como entidade de classe, tem a atribuição de lutar pelas prerrogativas da magistratura. Cada um de nós, como cidadão, tem a obrigação de não permitir a flexibilização desses direitos da cidadania.

JC – Um dos aspectos negativos apontados por muitos magistrados é a falta de estímulo à carreira. Em sua opinião, por que isso ocorre e qual a solução para reverter esse aspecto?

JR – Temos que, necessariamente, entender esse fenômeno. Nesse aspecto, algumas certezas já são definidas. Experimentamos um momento em que o Judiciário está sendo muito exigido, por meio de uma formidável demanda por justiça, tanto no aspecto quantitativo, como qualitativo. A pressão externa e a ausência de mecanismos modernos para solução do litígio do nosso tempo fazem a magistratura sofrer com a sensação de inutilidade. Essa é a nossa extrema angústia. A luta primeira da AMB para resgatar, no âmbito da atividade jurisdicional, a autoestima do juiz é na direção de modernizar as leis processuais para dar celeridade e efetividade às decisões de primeiro grau. Isso é fundamental.

JC – O senhor também apontou que existiria alguma pressão por parte do CNJ no que tange às metas estabelecidas. A afirmação está correta? Em caso positivo, o que pode ser feito para mudar essa situação?

JR – Temos, sim, críticas ao sistema de metas implementado pelo CNJ. Observamos que as metas apresentadas estão influenciando na independência dos juízes, tanto no que diz respeito às suas atribuições de administrar a jurisdição, como na atividade jurisdicional. Estamos plenamente de acordo com a implementação de políticas para o Judiciário, mas jamais por meio de métodos já rejeitados em algumas corporações privadas, como os sistemas de metas. Vamos fazer esse debate porque é muito necessário.

JC – O que a AMB pretende fazer em relação à PEC 53, que acaba com a vitaliciedade dos magistrados, e à PEC 33, que possibilita ao Legislativo reformar decisões judiciais?

JR – São duas iniciativas que, de certa forma, revelam uma espécie de patologia social. A desfuncionalidade das instituições causa efeitos coletarais que se prestam apenas a agravar a doença. O remédio para a impunidade é uma lei processual efetiva, que garanta a ampla defesa e o término do processo. A quebra da vitaliciedade atende aos interesses da criminalidade empolada, que conseguirá ampliar seus negócios ilícitos e sonha com uma considerável vulnerabilidade dos juízes. O discurso baseado no conceito de privilégio da aposentadoria compulsória bem tipifica a falaciosa estratégia de se construírem consensos por meio de bases falsas. A PEC 33 é absurda e quebra a espinha dorsal do pacto constitucional. Assim como a PEC 53 trata-se de um belo exemplo da irracionalidade com que questões fundamentais são tratadas por certos segmentos da vida pública.

JC – Em março de 2013, o presidente do Supremo Tribunal Federal instituiu a Comissão de Estudo e Redação de Anteprojeto de Lei Complementar para dispor sobre o novo Estatuto da Magistratura. Qual deve ser o papel da AMB nessa atualização?

JR – A AMB, como entidade representativa da magistratura nacional, deverá participar da elaboração do texto. É fundamental que a redação que sairá do STF seja fruto de um consenso no Judiciário.

JC – A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) está em vigor desde 1975. Quais razões o senhor elencaria como causadoras desse lapso tão grande de tempo para atualizá-la?

JR – Penso que os períodos da revisão e reforma constitucional prejudicaram a elaboração da Loman. Na pauta, ingressou a reforma do Judiciário, que ocupou por longo período a sociedade e os atores envolvidos com a justiça. Não tínhamos como elaborar uma Lei Orgânica sem as bases constitucionais. Também o forte interesse hoje no Judiciário acaba polarizando a questão, o que dificulta consensos. A nossa constante preocupação é a de que setores mais conservadores aproveitem a oportunidade para flexibilizar as prerrogativas da magistratura.

JC – Há quem defenda que, do ponto de vista associativo, inexiste no Brasil uma política institucional para todo o Poder Judiciário. Qual é sua opinião a respeito

JR – Eu concordo, no sentido de que, neste momento, não há uma política institucional unificada nas entidades de classe. Esse é um desafio que estamos propostos a enfrentar. O nosso desafio é implementar uma política institucional bem-definida ao Judiciário e que possa ser percebida e entendida pela sociedade.

JC – Para concluir, gostaria de uma declaração sua sobre a importância da atividade das associações de classe da magistratura.

JR – As associações de magistrados, na conjuntura de crise no Judiciário, assumem um papel vital no processo civilizatório no momento em que expressam o pensamento e a experiência dos que respondem por toda a demanda por justiça. Mudar o modelo de atuação ou reformar as estruturas do Judiciário sem o protagonismo dos juízes levará a república ao suicídio. Nós entendemos o Judiciário brasileiro porque é a nossa morada e sabemos o que necessitamos para melhorar os nossos serviços. As associações de magistrados assumem importância porque expressam todo o acúmulo de experiência da magistratura, elemento essencial para as mudanças necessárias.

Composição dos conselhos Executivo e Fiscal da AMB (biênio 2014-2015)

João Ricardo dos Santos Costa (Ajuris – RS)
Presidente

Adriano Gustavo Veiga Seduvim (Amepa – PA)
Vice-presidente de Meio Ambiente

Gil Francisco de Paula Xavier Fernandes Guerra (Amapar – PR)
Vice-presidente de Comunicação

Hadja Rayanne Holanda de Alencar (Amarn – RS)
Vice-presidente de Prerrogativas

Maria de Fátima dos Santos Gomes Muniz de Oliveira (Apamagis-SP)
Vice-presidente Cultural

Maria Madalena Telesca (Amatra – RS)
Vice-presidente de Trabalhos Legislativos

Nartir Dantas Weber (Amab – BA)
Vice-presidente de Interiorização

Nelson Missias de Morais (Amagis – MG)
Vice-presidente de Assuntos Legislativos

Paulo Mello Feijó (Amaerj – RJ)
Vice-presidente de Efetividade da Jurisdição

Ricardo de Araujo Barreto (ACM – CE)
Vice-presidente de Direitos Humanos

Sérgio Luiz Junkes (AMC – SC)
Vice-presidente Institucional

Wilson da Silva Dias (Asmego – GO)
Vice-presidente Administrativo

Coordenadores

Gervásio Protásio dos Santos Junior (Amma – MA)
Justiça Estadual

Antonio Oldemar Coêlho dos Santos (Amatra – PA)
Justiça do Trabalho

Rogério Favreto (Ajufergs – RS)
Justiça Federal

Edmundo Franca de Oliveira (Amajum – RJ)
Justiça Militar

Nelma Torres Padilha (Almagis – AL)
Aposentados

Conselho Fiscal

Helvecio de Brito Maia Neto (Asmeto – TO)

Luiz Gonzaga Mendes Marques (Amansul – MS)

Hermínia Maria Silveira Azoury (Amages – ES)