Natureza jurídica do pedágio

16 de dezembro de 2013

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INTRODUÇÃO

O pedágio é hoje pratica comum de cobrança pelo acesso a rodovias em nosso país. No entanto este cenário é recente.

Com o crescimento econômico, teve inicio a construção das estradas pavimentadas a partir da segunda metade do século XX no Brasil, sendo que neste período a arrecadação de tributos para fins de manutenção das rodovias não era típico em nosso país.

Ocorre que, diante da escassez de recursos, a Administração Pública utiliza do pedágio como forma de arrecadação de fundos para manutenção e conservação das rodovias.

Desde o advento da Carta Magna de 1988, tanto a doutrinaria como a jurisprudência iniciaram uma grande discussão acerca da natureza jurídica do pedágio. Enquanto alguns juristas apontam a natureza jurídica do pedágio como taxa, outros afirmam que se trata de prestação de serviços.

Diante deste conflito, o presente estudo tratará de trazer alguns conceitos acerca da natureza jurídica do pedágio, valendo-se ainda do posicionamento do Supremo Tribunal Federal. 

1.       NATUREZA JURÍDICA DO PEDÁGIO 

1.1.            Da cobrança do pedágio no Brasil

A partir do salto econômico ocorrido no Brasil em meados do século XX, mais precisamente a partir do da década de 50, verificou-se a construção de inúmeras estradas pavimentadas e aumento significativo do tráfego de veículos.

Nesse período as rodovias eram mantidas unicamente com o dinheiro público. Ocorre que, a partir da década de 80, os cofres públicos já não davam conta de custear a manutenção das rodovias do país.

Assim, como já dito alhures, o Estado passou a se valer da exação do pedágio como forma de arrecadação de fundos para manutenção e conservação das rodovias.

2.      DO TRIBUTO

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 3º, conceitua o tributo, dispondo da seguinte maneira:

 

Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. 

Assim, o tributo é a obrigação de prestar dinheiro ao Estado. Tal definição afasta a possibilidade de pagamento de tributo “in natura” ou “in labore”.

A prestação compulsória diz respeito à coercibilidade do tributo. Desta forma, o pagamento do tributo não decorre da vontade do contribuinte, mas sim do poder do Estado.

O fato do tributo não constituir sanção por ato ilícito significa que a prestação tributaria não é multa, e esta, por sua vez, não é tributo. Isto porque o fundamento do tributo é o poder fiscal; já o da multa, é o poder de punir.

O termo “prestação instituída por lei” significa que a realização do fato descrito na hipótese de incidência legal, por si só já faz surgir o tributo, independente da vontade do contribuinte.

O lançamento é o procedimento de exigibilidade do tributo, conforme assegura o artigo 142 do Código Tributário Nacional, sendo ato administrativo vinculado.

O tributo é um gênero, dividido em três espécies, sendo elas: impostos, taxas e contribuições de melhorias.

Tal classificação está disposta no artigo 145 do da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

 

I – impostos;

 

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

 

III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

 Seu objetivo é de delimitar a competência tributária das três esferas de governo: federal, municipal e federal.

3.      A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967 E A REGULAMENTAÇÃO DO PEDÁGIO

A Constituição de 1967 foi a primeira a se manifestar acerca do pedágio em seu texto normativo, trazendo em seu artigo 20, a seguinte disposição:

Art 20 – É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

II – estabelecer limitações ao tráfego, no território nacional, de pessoas ou mercadorias, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, exceto o pedágio para atender ao custo de vias de transporte;

No período em que vigorou referida norma, o entendimento quase pacífico era o de que o pedágio possuía natureza jurídica de taxa, tendo em vista que preenchia o caráter remuneratório previstos no Código Tributário Nacional.

4.      O PEDÁGIO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

4.1.   Princípio Tributário Da Não Limitação ao Tráfego de Pessoas e Bens

Com a promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988, teve origem toda a discussão acerca da natureza jurídica do pedágio. Isto porque, a norma constitucional, ao consagrar o Princípio da não-limitação ao trânsito de pessoas e bens por meio de tributos,  apresentou em seu texto a exceção do pedágio.

O princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens está descrito na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 150, inciso V, com a seguinte redação: 

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;

Desta forma, o tráfego interestadual e intermunicipal de pessoas ou bens não podem ser fatos geradores de tributos, sejam estes de ordem federal, estadual ou municipal, haja vista que a tributação deste tráfego estaria em confronto com a garantia constitucional de liberdade de locomoção, prevista no artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal.

A diferença entre o texto constitucional de 1967 e o de 1988 é que a cobrança do pedágio na Constituição Federal de 1967 era “para atender ao custo das vias de transporte”, ao passo que na Carta Magna em vigência, o pedágio é cobrado “pelo uso de vias conservadas pelo Poder Público”.

Como se pode observar, o princípio tributário da não limitação ao tráfego de pessoas e bens não é absoluto, posto que sua descrição legal já trata de apresentar a possibilidade de cobrança do pedágio como exceção.

Daí é que decorre toda a discussão jurídica se o pedágio é um tributo autônomo, tal como os impostos, taxas e contribuições, ou se trata de tributo na modalidade taxa de serviço.

5.      NATUREZA JURÍDICA DO PEDÁGIO 

5.1    Posicionamento Doutrinário

Muitos são os posicionamentos doutrinários acerca da natureza jurídica do tributo, bem como diversos os argumento utilizados para tratar do assunto.

No entendimento de SABBAG (2009, pg. 224):

“Caso a administração da via pública, objeto de cobrança do pedágio, seja feita por próprio órgão da administração direta (…), a exação deverá ser considerada uma taxa (…) “se a via for explorada por entidade particular (concessionárias, permissionárias, etc.), poderá haver uma escolha da exação pelo legislador – se pedágio-taxa ou pedágio-tarifa”

O que se extrai da lição acima citada é que a natureza jurídica do pedágio pode ser definida tanto como taxa como também como preço público, devendo ser analisadas as circunstancias do caso e a forma da cobrança.

Em sentido oposto, DININI (2008, pg. 91) afirma a natureza jurídica de taxa de serviço, traçando as seguintes considerações:

 

“A ressalva à cobrança de pedágio, pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público, demonstra que o constituinte compreendeu o pedágio como tributo. Assim não fosse, não haveria porque excepcioná-lo em dispositivo que veda restrição à livre circulação por meio de tributos interestaduais e intermunicipais. Considerado tributo pela Constituição, entre as espécies deste gênero, situa-se o pedágio como taxa de serviço (de conservação de vias públicas).”

De acordo com tal entendimento, o pedágio, quando cobrado diretamente pelo Poder Público, terá natureza jurídica de taxa, ao passo que, nos casos de concessão a particulares, a cobrança será dada por preço público contratual, não se sujeitando às regras referentes à cobrança de tributos.

Dessa forma, ao defender o tributo como taxa, os juristas argumentam que tal natureza decore do fato de que o pedágio aparece como exceção no art, 150, V, que integra o Capítulo I, do Título VI da Carta de 1988, capítulo este que apenas discorre acerca dos Tributos.

Para estes doutrinadores, não haveria sentido o pedágio ser tratado de outra forma, se o constituinte tratou de assegura-lo junto ao texto constitucional que apenas se limita a disciplinar o Direito Tributário.

Nos termo do artigo Art. 77 do Código Tributário nacional, as taxas têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Segundo AMARO (2009, pg. 30);

 “são tributos cujo fato gerador é configurado por uma atuação estatal específica, referível ao contribuinte, que pode consistir: a) no exercício regular do poder de polícia; ou b) na prestação ao contribuinte, ou a colocação à disposição deste, serviço público específico e divisível.”

O artigo 78 do Código Tributário Nacional considera o  oder de polícia como a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

A taxa também pode ser cobrada em razão do serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição, e, em razão de seu caráter tributário, é compulsória, motivo pelo qual pode ser cobrada, mesmo sem a efetiva utilização do serviço, bastando apenas a oferta deste ao público.

Cabe aos entes federativos a instituição das taxas, sendo que tal competência pode ser delegada para ente diverso por meio de lei.

Há ainda quem defenda o pedágio como modalidade tributária autônoma.

Tal posicionamento é refutado por AMARO (2006, pg. 50), que apresenta os seguintes questionamentos e apontamentos:

 

“Será taxa de serviço? Há quem sustente que sim. Porém, aí também não se enquadra o pedágio, em nossa opinião. Conservar é manter, preservar, resguardar de dano ou deterioração. Mais do que meros reparos, a conservação supõe a manutenção das vias públicas em estado normal de utilização [pista de rolamento livre de buracos e de outras imperfeições, acostamento, contenção de encostas, sinalização horizontal e vertical etc.] Assim, uma via nova enseja a cobrança de pedágio, mesmo que o Poder Público ainda não esteja incorrendo em despesas com reparos.”

Para o doutrinador, se pedágio tivesse natureza jurídica de taxa, seria uma taxa de utilização de via pública conservada e não uma taxa de serviços para a conservação da rodovia.

Isto porque o motivo do recolhimento do tributo gerado pelo pedágio não é a conservação da rodovia, mas sim sua utilização já conservada.

A tese defende o pedágio como uma taxa de utilização de via pública conservada, partindo do disposto no artigo 150, inciso V, da Constituição Federal de 1988, ao afirmar que a cobrança do pedágio se dá em razão da utilização de vias públicas conservadas.

Tal posicionamento não merece guarida, haja vista que se o texto pretendesse dar ao pedágio o tratamento de taxa, teria feito constar no dispositivo legal tal previsão.

5.2 Posicionamento do STF

O entendimento que prevalece no Supremo Tribunal Federal é o de que o pedágio é tributo, da espécie taxa de conservação de vias públicas.

Nesse sentido, vejamos a seguinte ementa:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PEDÁGIO. Lei 7.712, de 22.12.88. I. Pedágio: natureza jurídica: taxa: C.F., art. 145, II, art. 150, V. II. Legitimidade constitucional do pedágio instituído pela Lei 7.712, de 1988. III. R.E. não conhecido” (RE n. 181475/RS – Rio Grande do Sul, rel. Min. Carlos Velloso, j. em 4/5/1999).

DECISÃO: Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que inadmitiu recurso extraordinário (art. 102, III, a, da Constituição) interposto de acórdão, proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa possui o seguinte teor: “TRIBUTÁRIO. PEDÁGIO. NATUREZA JURÍDICA. TRIBUTO OU PREÇO PÚBLICO. 1) Após a Constituição de 1988 (art. 150, V), é razoável o entendimento de que o pedágio tem natureza jurídica de taxa, somente podendo ser instituído através de lei. 2) O pedágio preço público ou tarifa distingue-se do pedágio tributo (taxa) pela sua facultatividade (não compulsório). A compulsoriedade dos tributos decorre da potestade tributária. A faculdade do preço público decorre da liberdade contratual. O pedágio-tarifa tem natureza contratual, tem por essência a facultatividade, que se caracteriza pela voluntariedade do pagamento e se concretiza através da existência de uma rodovia alternativa. 3) Ao largo da divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à natureza jurídica do pedágio, certo é que, não havendo rodovias alternativas à disposição dos usuários, configura-se como taxa, espécie tributária que deve submeter-se ao princípio da legalidade.” […] (531529 RS , Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 25/11/2009, Data de Publicação: DJe-231 DIVULG 09/12/2009 PUBLIC 10/12/2009)

Diante de tal julgado, não há dúvidas de que o entendimento da Corte Suprema é o de que a natureza jurídica do pedágio está vinculada a lei ordinária, que, ao prever a obrigatoriedade, faz do pedágio uma espécie de taxa.

6.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do disposto no artigo 150, V da Carta Magna de 1988, tanto a doutrinaria como a jurisprudência iniciaram uma grande discussão acerca da natureza jurídica do pedágio, se tributário ou não, e, na hipótese positiva, de qual espécie.

Para compreender melhor o tema, é preciso analisar o conceito de tributo, disposto no artigo 3º do Código Tributário Nacional, de onde se extrai a conclusão de que o tributo é um gênero, dividido em três espécies, sendo elas: impostos, taxas e contribuições de melhorias.

A Constituição de 1967 foi a primeira a se manifestar acerca do pedágio, afirmando a possibilidade de sua cobrança para atender ao custo de vias de transporte.

Na Carta Magna de 1988, o pedágio é apresentado como exceção ao princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens, conforme o disposto no artigo 150, inciso V do texto constitucional.

O pedágio não pode ser considerado como taxa, tendo em vista que estas são apenas a de polícia e a de serviço.

Logo, o pedágio deve ser compreendido como modalidade autônoma de tributo, haja vista que é cobrado em contraprestação a um serviço específico e divisível, para utilização efetivo ou em potencial por parte de seus usuários. 

REFERÊNCIAS

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed. Sâo Paulo: Saraiva, 2006. Disponível em: http://thaisandrade.files.wordpress.com/2011/03/luciano-amaro-direito-tributario-brasileiro-12c2aa-ed-2006.pdf Acesso em: 21.03.2013

______. Direito Tributário Brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm Acesso em 19.03.2013

______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso em: 20.03.2013.

DININI, Luiz Felipe Silveira. Manual de Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva. 2008.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva. 2009.


Trabalho realizado em jul. 2013.