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Negociação coletiva e crise econômica no Brasil

16 de fevereiro de 2017

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Julio-BernardoA negociação coletiva é a resposta para resolvermos a crise econômica brasileira.

Em que pese exista resistência por parte de vários segmentos institucionalizados, dependendo do grau de flexibilização que nela se objetiva alcançar, não se divisa outro meio alternativo mais salutar para reaquecer a economia brasileira.

Vejam bem que houve um destaque, uma singularização propositada, pois referi-me à economia brasileira e não à economia globalizada.

O trabalhador brasileiro nao é responsável pela crise econômica mundial e por isso não pode sofrer qualquer tipo de reducão em seus direitos trabalhistas para que a empresa aqui sediada possa debela-lá ou minimizar seus efeitos aqui no Brasil.

O direito do trabalho como todas as outras ciências jurídicas estão sujeitas a adaptações sociológicas, econômicas e políticas, exatamente porque o que nutre o direito é o fato da vida cotidiana, em si instável e mutante.

O direito do trabalho em face de uma economia aquecida e próspera não pode ter a mesma fisionomia de um direito do trabalho que convive com uma crise econômica aguda da nação, porque enquanto o primeiro cenário é de garantia e de inovações favoráveis das condições de trabalho, o segundo cenário não tem outra saída senão a busca de uma flexibilização da legislação trabalhista que possa efetivamente contribuir para recolocar a nação nos trilhos do aquecimento econômico, através de uma política trabalhista essencialmente preservadora das fontes de emprego, mas flexivel o suficiente para ajudar as empresas a saírem de seus déficits financeiros e retomarem o equilíbrio de suas contas internas.

Ou seja, o que informa a necessidade de introduzir no país uma política mais severa de flexibilização das regras trabalhistas é o grau de degradação da economia nacional, de sua renda per capita, do crescimento desmesurado do desemprego, da persistente e crônica baixa de arrecadação tributária e outras situações semelhantes.

E surge a pergunta.

Alguém duvida que o Brasil não está vivenciando hodiernamente uma grave crise econômica comprometedora de todas as nossas metas constitucionais, seja na área da segurança, da saúde, do emprego, de investimentos públicos e privados e quejandos?

A origem da crise econômica brasileira tem múltiplos fatores de fundo político, econômico, sociológico e de degradação do caráter das autoridades que lidam com os recursos públicos.

A Lava jato está aí mostrando sua face mais insidiosa.

Só na Petrobras o rombo foi de mais de 22 bilhões de reais.

E o rombo que ocorreu em outras empresas estatais e que ainda não foram apurados?

O pior é que a corrupção é produto de uma institucionalização pensada e arquitetada maquiavelicamente para sugar o dinheiro do Estado e privar a população dos meios de que necessita para desfrutar de uma vida digna e decente.

Quem se apodera do dinheiro do Estado assalta o pobre, mata o doente e torna cada vez mais miserável o cenário nacional, pois todo o dinheiro que poderia ser canalizado para incrementar a infraestrutura de nossa economia e gerar melhorias nos mais diversos segmentos de prestação de serviços públicos para a Nação vai parar na conta de uma oligarquia corrupta que chega aos espaços do poder para espoliar o povo.

Deixemos de lado os rios de dinheiro que foram desviados pela corrupção.

Ainda não fosse essa mazela cruel, o Estado brasileiro atravessa crise difícil, melindrosa, porque não há recursos para atender às políticas públicas exigidas pela população brasileira.

Vamos nos focar todavia no campo das relações de trabalho.

Diante da crise econômica atual muitas empresas não têm meios de se manter e acabam cerrando suas portas e aumentando os alarmantes índices de desemprego.

Se nada for feito para que as empresas possam equilibrar suas contas o cenário tende a ficar mais sombrio.

O Direito do Trabalho clássico e unitário não contribui para melhorar o cenário nacional, porque reputa indisponíveis e irrenunciáveis todos os direitos trabalhistas, partindo do pressuposto de que a função do patronato é melhorar cada vez mais as condições de trabalho, pouco importando que uma crise econômica aguda venha a comprometer sua existência e o equilíbrio de suas contas.

Várias alterações legislativas têm sido introduzidas no direito positivo brasileiro do trabalho para tornar mais suportável o fardo econômico que recai sobre os ombros do patronato.

Há leis que autorizam a diminuição da jornada de trabalho, do salário, dos percentuais de recolhimento de contribuições patronais compulsórias, como as do FGTS, Cofins, ou mesmo que possibilitam a escolha de contratos de trabalho mais precários, de prazo determinado, a tempo parcial e muitas outras inovações.

Mas ao que parece, ao longo dos anos, tais medidas legalmente previstas não caíram no gosto do patronato.

As empresas continuam reivindicando alterações no cenário do Direito do Trabalho Unitário e Clássico.

A pretensão mais audaciosa é a de que o negociado prevaleça sobre o legislado.

O Brasil, de uma hora para outra, seria comparado às grandes nações econômicamente prósperas, como a Alemanha, os Estados Unidos e outras ainda mais ricas, como se nosso poder aquisitivo estivesse à altura daquele ostentado pelas nações mencionadas, como se contássemos com uma estrutura sindical forte e não arraigada ao peleguismo, desatrelada do corporativismo estatal, sindicatos fortes que consigam suas receitas primárias com lastro em sua ampla representatividade e excelente atuação no cenário laboral, sem aterem-se à camisa de força da unicidade sindical e nem do recolhimento sindical compulsório retratado pelo imposto sindical.

O Brasil é outro mundo.

Ainda carece de uma reforma sindical que adote o pluralismo de sindicatos e a livre representatividade a ser mensurada pelo grau de atuação de lutas em prol da melhoria das condições de trabalho que cada um desses sindicatos possam travar com o empresariado nacional.

Na Alemanha e nos Estados Unidos as crises econômicas enfrentadas pelas empresas são carreadas para o âmbito da negociação coletiva setorial, e uma vez ajustadas as condições de trabalho que preservem o emprego e a dignidade de vida do trabalhador, mesmo havendo sacrifício de conquistas salariais anteriores, o Estado não intervém para revisar ou anular as cláusulas sindicais porque parte do pressuposto de que as mesmas foram negociadas dentro do princípio do posssível e da boa-fé, visando equilibrar as relações entre o capital e o trabalho, de forma que o trabalhador tenha uma justa remuneração e a empresa o esperado rendimento de seu capital.

Tudo isso é muito lógico porque não existe capitalismo beneficente, de viés caritativo e sim capitalismo clássico onde o lucro é a essência de sua sobrevivência.

A negociação coletiva no Brasil para enfrentar o atual momento de crise econômica deve pautar-se por dois princípios inarredáveis: o da sinceridade e o da boa-fé.

Se o objetivo é resolver a crise econômica nacional temos que adotar remédios jurídicos que se adequem à realidade de nossa economia.

Outro fator a ser considerado é o de que nem todas as empresas enfrentam os mesmos níveis de dificuldades financeiras.

Algumas sim podem enfrentar níveis de dificuldades financeiras desastrosos que venham a comprometer a sua própria existência.

Outras dependem de adoção de remédios jurídicos que as façam retomar o trilho do crescimento, deixando para trás os prejuízos contábeis.

Ou seja, para cada empresa há de existir um remédio jurídico específico.

Dentro desta real conjuntura econômica a nossa legislação sindical é cruel porque dependendo do instrumento coletivo que for adotado coloca no mesmo barco a micro empresa e a multinacional, como se ambas tivessem as mesmas condições de atender a tempo e modo as cláusulas econômicas ajustadas na negociação coletiva.

É o que acontece, e.g., com a convenção coletiva que sendo fruto de negociação entre sindicatos, que ostentam representatividade legal, acabam impondo suas cláusulas econômicas a toda e qualquer empresa que se enquadre no âmbito da categoria econômica do sindicato patronal que negociou a convenção coletiva e ainda beneficiando todos os trabalhadores que se enquadrem na categoria profissional do sindicato operário convenente, sem ser indagado se para determinadas empesas tais ajustes econômicos sejam oportunos, principalmente se vivem momentos de crise financeira.

Surge daí um grande impasse porque nem todas as empresas inseridas naquela categoria econômica tem o mesmo porte e nem todas podem suportar com igual desenvoltura os encargos econômicos ali previstos.

É esta uma situação deveras incômoda para o cenário nacional porque acaba incentivando a litigiosidade, na medida em que as empresas que descumprirem as cláusulas sindicais econômicas ficam sujeitas a serem acionadas por meio de ações de cumprimento, quando por força de determinação judicial serão compelidas a respeitar as cláusulas sindicais adversas à sua conjuntura econômica atual.

Parece que a lei trabalhista faculta ao empregador que demonstre sua inaptidão econômica excepcionar-se ao cumprimento da cláusula econômica desfavorável a seus interesses, mas esta é uma faculdade legal que não é bem aceita e analisada pelo Poder Judiciário.

Por todos esses entraves o caminho para retomar o aquecimento econômico nacional há de ser outro.

Enquanto não for reformada a nossa estrutura sindical, parece que o melhor caminho para o empregador atenuar determinada crise econômica é buscar a negociação através do acordo coletivo.

Este meio de negociação coletiva é mais salutar porque o instrumento que for celebrado entre o sindicato profissional e a empresa conterá cláusulas sindicais que se aplicam exclusivamente no âmbito da empresa acordante, não beneficiando e nem prejudicando terceiros como sói acontecer no âmbito da negociação coletiva.

Se a negociação coletiva não for abrigante de direitos trabalhistas e sim apenas aplicar o princípio do conglobamento, ou seja, houver supressão de direitos trabalhistas mas, em contrapartida, melhoria de condições de trabalho, a mesma pode ser concluída de forma mais cômoda, porque aqui não está em jogo analisar a situação econômica da empresa, já que ambos os atores da negociação coletiva saem ganhando alguma coisa.

Tome-se como exemplo a negociação coletiva que diminui a jornada de trabalho de trajeto, a chamada jornada de trabalho itinerante, que na prática dura 3 horas, ida e volta, ajustando-a em uma hora, por exemplo.

Em contrapartida, na negociação coletiva a classe trabalhadora sai ganhando em cláusulas sindicais obrigacionais, como aquelas que melhore o plano de saúde do trabalhador ou traga alguma outra vantagem ainda não incorporada ao contrato de trabalho.

Todavia, quando a empresa está em crise econômica mais aguda e precisa reduzir salários, jornada de trabalho, suprimir temporariamente a concessão de férias individuais, assegurando férias coletivas ou mesmo tendo a necessidade de suprimir direitos trabalhistas já conquistados e previstos na legislação trabalhista, como e.g., a jornada de trabalho itinerante, a remuneração do tempo de espera antes e depois do trabalho, e outras situações afins, a negociação coletiva exige seja cumprido à risca o princípio da boa-fé e da sinceridade. ou seja, nessas circunstâncias de supressão de direitos trabalhistas, deverá a empresa demonstrar, através de balanço patrimonial ou auditoria técnica específica, que realmente passa por momento de crise econômica aguda que compremete a própria manutenção da empresa.

Cumprido o princípio da sinceridade e demonstrada à saciedade a situação de penúria da empresa, a negociação coletiva poderá sim ser supressiva de direitos e de condições de trabalho, mas por tempo certo, previamente ajustado.

Quando há redução de salário, limitada ao máximo de 30% e redução de jornada de trabalho, ou mesmo outros meios supressivos de direitos trabalhistas, a lei determina que os dirigentes da empresa não poderão no período de vigência da negociação coletiva ser beneficiados com retiradas pro labore, circunstância que denota sacrifícios de ambas as partes, empenhados que estão em sanear a situação econômica da empresa e preservar os empregos.

Quando a negociação coletiva retratar uma convenção coletiva de trabalho e houver supressão de direitos trabalhistas, as mesmas regras deverão ser observadas, em face da aplicação irrestrita do princípio da sinceridade e da boa-fé, muito embora seja difícil e complicado resolver através de suas cláusulas sindicais a singularidade econômica de determinada empresa, já que o raio de atuação da convenção coletiva é de amplíssimo espectro, pois torna obrigatória a observância de suas cláusulas sindicais para toda e qualquer empresa que esteja no âmbito de representatividade da categoria econômica acordante.

Repita-se: a via da negociação via convenção coletiva não se mostra muito adequada para corrigir desequilíbrios econômicos setoriais de determinadas empresas, porque referindo-se a toda uma categoria econômica e profissional, torna-se difícil na prática separar o joio do trigo, ou seja, separar as empresas em situação de crise econômica das empresas em situação econômica saudável e, havendo disparidade de situação financeira entre as empresas que integram a categoria econômica, fica difícil, se não impossível, conciliar no mesmo instrumento coletivo os interesses econômicos de umas e de outras empresas.

A regra é a de que firmada a convenção coletiva todas as empresas que integrem a respectiva categoria econômica ficam automaticamente sujeitas às suas cláusulas sindicais, não havendo espaço para tratar de singularidades (pontos de crise ) que envolvam uma ou outra empresa.

Seja micro empresa ou multinacional, não importa, as cláusulas sindicais obrigam no mesmo nível umas e outras, daí porque a convenção coletiva não é o melhor instrumento para flexibilizar condições de trabalho e debelar crises econômicas setoriais.

O melhor caminho, como dito, é o do acordo coletivo, porque o mesmo sendo ajustado entre o sindicato da categoria profissional e a empresa diretamente, tende a possibilitar a criação de cláusulas sindicais flexibilizadoras que possam retirar a empresa acordante de sua crise econômica, propiciando-lhe reafirmar-se no cenário da economia de mercado.

As regras até aqui mencionadas possibilitam aos atores sociais, patrões e empregados, encontrarem meios justos e equilibrados de resolver a situação de crise da empresa.

Mostra-se totalmente inviável a flexibilização ultra liberal de desmonte das garantias trabalhistas como tem sido apregoado no cenário nacional, onde se clama que o negociado prevaleça sobre o legislado.

Uma flexibilização desse jaez é incompatível com o Estado Democrático de Direito porque solapa pela raiz todas as garantias sociais dos trabalhadores alcançadas ao longo de árduos anos de lutas e de conquistas históricas, além de ferir o minimo ético social e fazer retroagir o direito do trabalho aos tempos do liberalismo econômico, onde prevaleciam condições indignas de trabalho que minavam a saúde dos trabalhadores porque, sejam homens ou mulheres ou mesmo crianças, todos eram obrigados a vender sua força de trabalho pelo preço de mercado que os detentores do capital estipulavam.

A negociação coletiva pode sim ser um instrumento de grande valia para superarmos a crise econômica brasileira, mas desde que idealizada de forma consciente e respeitosa do princípio da dignidade da pessoa humana e do não retrocesso de suas conquistas sociais mínimas.