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No pré-conceito não há justiça

5 de março de 2004

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No dia 26 de março, será inaugurado o novo Fórum Trabalhista de São Paulo. Trata-se de uma antiga reivindicação de juízes e advogados agora atendida na forma de um empreendimento que, não tenho dúvidas, permanecerá na memória da construção civil do País como expressão maior em tudo aquilo que se relaciona com a qualidade dos serviços executados, a inovação na arquitetura sóbria e funcional, além das suas dimensões sem paralelo na América Latina. Entre os muitos indicadores dessa tendência, destacam-se:

• O prédio que irá abrigar todas as juntas trabalhistas da cidade de São Paulo, com seus 80 metros de altura e 100 mil metros de área construída, figura entre os cinco maiores da capital paulista, o que equivale dizer que ocupa também posição de relevância em âmbito nacional e internacional.

• Suas amplas e bem construídas instalações têm capacidade para circulação diária de 20 mil pessoas, reunindo todas as condições indispensáveis de conforto, segurança e infra-estrutura necessária ao eficiente exercício da Justiça do Trabalho nas duas próximas décadas.

• A localização é excepcional ficando à cerca de mil metros da estação Barra Funda para onde convergem os transportes de metrô, ônibus e trens.

Em cada detalhe do empreendimento há criatividade e cuidado, simplicidade e arrojo, determinação de fazer o melhor e responsabilidade. A sua concepção e realização envolveu uma equipe de elevada qualificação técnica e, apesar dos múltiplos percalços, o planejamento inicial foi rigorosamente obedecido. Do estilo arquitetônico contemporâneo, que imprime uma identidade própria e sólida aos dois blocos com quatro subsolos e cobertura interligados por rampas de acesso e 20 elevadores, às estruturas, alvenaria, dutos, espaços de amplas dimensões, jardins e o grande hall central da Praça da Justiça.

Faço tais afirmações alicerçado na experiência de quem levou à prática oito em cada dez metros quadrados do empreendimento. O número está registrado em laudos oficiais. Entre outubro de 1992, a data do início, e rescisão do contrato pelo Tribunal Regional do Trabalho, em março de 1999, a Incal, empresa do grupo homônimo, executou 80%, em números aproximados, do empreendimento. Faço também o registro em respeito à opinião pública, ao Poder Judiciário e ao conjunto da sociedade e na defesa da imagem e reputação das minhas empresas.

Vencemos uma concorrência disputando com 29 empresas. Juristas renomados atestam a lisura da escolha que nunca foi contestada. Firmamos um contrato de compra e venda para entrega do prédio pronto e acabado.

Do pré-conceito

Foi Montesquieu quem concebeu na sua obra prima, Do Espírito das Leis, a consagrada doutrina da tripartição fundamental dos poderes do Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário. Pela doutrina que concebeu, nenhum deles poderia exercer o poder de forma absoluta, mas sim vinculado a um harmônico sistema de integração com um Poder estabelecendo limites para o outro Poder em benefício da justiça verdadeira e o conseqüente benefício da sociedade e do cidadão. A mesma prática deveria ser sempre adotada em situações que envolvessem grandes dúvidas e grandes polêmicas públicas como tem sido o caso da nova sede do Fórum Trabalhista da Cidade de São Paulo.

Partindo de tal constatação é que desejo apresentar os fatos que vivenciei, todos amplamente documentados. Um breve recuo no tempo permite constatar, de forma substantiva:

 • Em janeiro de 1992, A Incal venceu uma licitação pública disputando com 29 empresas, sem a sombra, por tênue que fosse, de qualquer ilícito e este fato nunca foi contestado. Pelo contrário.

A seguir, no mês de dezembro, o Tribunal de Contas da União apresentou relatório contendo ampla auditoria no processo licitatório e afirma, no item 3 “sobre o custo de imóveis e similares” que o valor do empreendimento estava compatível com os preços de mercado.  Nos anos seguintes, de 1993 a 1995, os juristas Miguel Reale, José Afonso da Silva, Toshio Mukai e Ives Gandra da Silva Martins analisam a licitação e a contratação. Foram unânimes, em seus pareceres: opinaram pela legalidade de procedimentos e pelo acerto na escolha da proposta vencedora.

O compromisso inicial fixava que o empreendimento seria pago num prazo de 36 meses. Isto nunca aconteceu. Ao longo de toda a contratação, houve um descumprimento, ainda que involuntário, das obrigações contratuais assumidas, o que provocou atrasos de 36 meses no cronograma físico e financeiro do empreendimento. Em conseqüência, reivindicamos, no mês de junho de 1998, o reequilíbrio econômico e financeiro do contrato com base em estudo minucioso, ao lado de parecer favorável do jurista Diógenes Gasparini. Além dos constantes atrasos dos pagamentos, a contratação foi alterada também pela criação de impostos e contribuições, novas exigências tributárias e mudança na forma de reajuste do contrato, que acarretaram a sua onerosidade excessiva.

• Autorizado pela Corte Superior, o TST, o TRT-SP, que já havia exigido um levantamento detalhado, analisou os valores pleiteados e a origem de cada despesa, decidiu pela aprovação do aditamento para restabelecer as condições do contrato, nos termos da Escritura de Ratificação e Aditamento com a Incal. A escritura foi lavrada no 14o. Tabelionato de Notas e depois retificada pela Escritura de Retificação e Ratificação, no mesmo tabelionato em 15 de julho de 1998.

Foi quando começou o drama dos embates com o Ministério Público e a mídia. Não é preciso retroceder a roda no tempo para lembrar o quanto foi penoso conviver com os conflitos, polêmicas, denúncias e constrangimentos que nos custou muito vigor, incontáveis prejuízos nos negócios e, o que é mais grave, as dores de ver nossa imagem e reputação abaladas.

Nós fizemos 80% do empreendimento. Só reivindicamos o reequilíbrio econômico-financeiro porque houve atrasos sucessivos nos pagamentos o que provocou atrasos de 36 meses.

Mitos e verdades.

No momento em que irrompeu, o tema do reequilíbrio econômico financeiro foi envolto em espessa nevoa de suspeição. O empreendimento antes visto como uma alternativa segura para superar os impasses originários das decadentes e mal adaptadas instalações da Justiça do Trabalho em São Paulo, todas congestionadas por intensa demanda diária e sem espaços adequados para sua funções, passou a provocar ondas de acusações avassaladoras. Assim, criaram-se mitos que a repetição terminou por estabelecer como verdade.

Vejamos:

• Mito: O empreendimento estava concluído em apenas 64%.

Verdade :Relatório da Consultoria F. Bauer demonstrou o contrário: o percentual somava 75,04, sem contabilizar os equipamentos e acessórios já adquiridos. Se tivessem sido agregados, implicariam algo como mais nove pontos positivos. Ou, 84,4%.

• Mito: A CPI do Judiciário concluiu que dos R$ 263 milhões destinados à construção do TRT-SP, R$ 169 milhões foram desviados.

Verdade: O TST, atendendo a pedido do TRT-SP faz um levantamento das ordens de pagamentos e trouxe a luz o valor efetivamente pago à contratada do empreendimento: R$ 159.202.962,88. O registro consta do Ofício 285/98 de 9 de julho de 1998.

• Mito: O prédio foi incluído na categoria dos “esqueletos” de obras iniciadas e jamais concluídas.

Verdade: Nunca abandonamos o prédio. Além de termos alertado sobre a necessidade imperativa da conclusão do empreendimento, fomos os primeiros a nos manifestar pela necessária proteção aos materiais armazenados e serviços realizados.

Mito: Nosso nome foi associado a um esquema de “laranjas” mergulhado na corrupção.

Verdade: O Grupo Incal à época reunia 18 anos de construtiva experiência e ao longo dos anos seguintes modelaria um currículo com algo como um milhão de metros quadrados de obras entre construções, incorporações e vendas. Fomos responsáveis pelo Centro Empresarial Paulista e pelo Terminal de Cargas de São Paulo.

O que eu pretendia com o empreendimento do Fórum Trabalhista era dar um salto empresarial. Nos lançamos num projeto grandioso com coragem e entusiasmo para conquistar os objetivos delineados.  E, se deixarmos de lado os acidentes do longo percurso, é certo que vencemos. Tanto que o prédio está pronto e às vésperas de ser entregue ao público.

Não fizemos uma obra pública, mas um contrato de Direito Civil. Tratava-se de um empreendimento no qual todo o risco era nosso.

Do risco e do direito.

Dito isso, fica a questão: afinal, o que aconteceu ? Este é o ponto relevante. Por força da legislação, o poder público tem duas alternativas para celebrar contratos daquela natureza. Pelo Direito Administrativo ou pelo Direito Civil. O nosso caso estava regido pelo direito civil. Quer dizer, todo o risco era nosso.

Para a escolha da proposta vencedora, a Comissão de Licitação observou fatores como o preço, a localização do imóvel, facilidade de acesso, funcionalidade e segurança, projeto básico e possibilidade de ampliação do imóvel. Vencemos porque reuníamos os predicados exigidos.  Nos propunhámos a vender ao Tribunal, um imóvel pronto e acabado. O preço da aquisição seria pago mediante uma entrada mais sete parcelas.

O Tesouro nacional liberou apenas uma parte do valor correspondente ao pagamento inicial da obra, mesmo assim a escritura do compromisso de Compra e Venda foi honrada pela Incal. Nesta contradição, entre o que foi acordado e o efetivo fluxo de pagamento encontra-se a chave para o entendimento de todo o processo.

Nossa parte nós cumprimos. Em síntese, não violamos nossos deveres contratuais e nos balizamos pelos critérios de responsabilidade e coerência com nossos compromissos. Nós eramos os responsáveis pelo que acontecesse. A festa da inauguração do Fórum Trabalhista de São Paulo demonstra  que fizemos a coisa certa.  Que tudo que fizemos foi lícito e correto.