No projeto de lei do novo CPC a vedação da compensação dos honorários na sucumbência parcial

31 de julho de 2010

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Nos dias atuais, torna-se indiscutível o fato de  os honorários advocatícios pertencerem aos advogados que atuaram na causa e, por força do seu trabalho, apresentam natureza personalíssima e alimentar, como bem reconheceu o Supremo Tribunal Federal. Claro está também que independentemente da natureza dos honorários advocatícios — convencionais, arbitrados ou de sucumbência — eles competem aos advogados, como, aliás, bem reconhecem os arts. 22 e 23, da Lei Federal no 8.906/94, intitulada como Estatuto da Advocacia e da OAB. A discussão posta, ainda hoje, está na possibilidade ou não de compensar os honorários advocatícios quando houver sucumbência recíproca.

A predominância da aplicação dos arts. 22 e 23 da Lei 8.906/94 em face do enunciado da Súmula 306/STJ

A sucumbência decorre do julgamento de pedidos procedentes em parte, restando as partes vitoriosas parcialmente. Nessa circunstância, compete ao juiz condenar no pagamento de honorários advocatícios em proporção ao êxito obtido na causa pelos advogados das partes, de acordo com o art. 20 do CPC.

Isso significa dizer que cada parte arca com o pagamento dos honorários dos advogados da parte adversa. É o mesmo raciocínio quando há a completa procedência dos pedidos, pois o réu pagará a sua condenação e, por conseguinte, o percentual condenatório referente aos honorários do advogado do autor.  A diferença central, na hipótese de sucumbência recíproca, é a divisão em igual percentual em honorários para os advogados de ambas as partes.

A regra é que o vencedor seja condenado ao pagamento das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios, nos termos do caput do art. 20 do CPC. Contudo, há situações em que o magistrado reconhece que as partes são reciprocamente vencidas e vencedores. É o caso do autor que não obteve êxito pleno, enquanto que o réu deixou de ser condenado em algum dos pedidos. Chama-se, nesta hipótese, sucumbência recíproca, ou, utilizando-se da nomenclatura do projeto de lei do novo CPC, sucumbência parcial. Se o êxito for mínimo, quase imperceptível, descarta-se a reciprocidade entre vencidos e vencedores.

Pois bem. A questão posta é a seguinte: prevê o art. 21 do CPC que, havendo reciprocidade em parte vencida e vencedora, ocorrerá compensação nos honorários entre as partes. De outro lado, os arts. 22 e 23 do Estatuto da OAB afirmam que os honorários pertencem aos advogados. Há, pois, aparentemente, conflito de normas. A solução, no entanto, é simples.

Ao interpretar o art. 21 do CPC, o STJ editou a Súmula 306, segundo a qual: “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca (…)”.

Extrai-se, portanto, que o art. 21 do CPC, que embasa o entendimento da Súmula 306/STJ, prevê a possibilidade de compensação dos honorários de sucumbência, tendo como premissa o fato de que eles pertencem às partes, mas a Lei Federal 8.906/1994, por outro lado, prevê expressamente que os honorários de sucumbência pertencem aos advogados.

No campo da interpretação, tem-se, em regra, que a lei posterior prevalece com relação à anterior. É o caso da Lei Federal, conhecida como Estatuto da Advocacia e da OAB, que é de 1994, ser posterior ao CPC, e ainda ser aquela específica por regulamentar os direitos e deveres dos advogados e os limites de sua ação ética e profissional no exercício da profissão advocatícia.

Predomina, assim, a norma prevista no Estatuto da OAB, por ser posterior e, ainda norma especial, em relação ao CPC, afastando-se assim a antinomia existente entre as referidas normas.[1] Dessa feita, conclui-se que a Lei 8.096/1994 revoga o referido diploma processual naquilo que lhe contradisser, pois a coexistência das normas só é possível se elas forem compatíveis.[2]

Essa seria uma solução no aspecto interpretativo da norma. Há também outros fundamentos que, por si só, afastam a possibilidade da compensação dos honorários advocatícios.

Uso inadequado do instituto “compensação” e da impossi­bilidade de realizar compensação em prejuízo de direito de terceiro (art. 380 do CC)

O caput do art. 20 do CPC permite a compensação dos honorários entre as partes na hipótese de sucumbência recíproca. De acordo com o art. 368 do CC, aplica-se a compensação quando as partes são, ao mesmo tempo, credoras e devedoras, e que haja reciprocidade das obrigações.[3]

Ocorre que não há reciprocidade, requisito exigido por lei, na hipótese de compensação de honorários de sucumbência recíproca, por pertencer tal verba aos advogados. É que os credores da verba honorária são os advogados, enquanto os devedores são as partes litigantes. Nessa linha de raciocínio, há a compensação da dívida de terceiros, hipótese vedada expressamente pelo art. 380 do CC. É simples a elaboração dos cálculos neste caso: nada ganha o advogado pela realização do trabalho no processo, quando ocorrer sucumbência recíproca. Nada, absolutamente nada. Trabalha-se sem remuneração final por força de compensação da verba honorária, que beneficia exclusivamente as partes, que são consideradas terceiras em relação ao seu procurador.[4]

Aliás, o próprio CPC trata como pessoas diferentes as partes e seus procuradores (Livro I, Título II), o que também reforça a impossibilidade de se realizar a compensação de honorários no caso de sucumbência recíproca, pelo simples fato de que a verba supostamente compensada pertence, exclusivamente, ao advogado, e não à parte que irá realizar a compensação.

Daí se concluir que, com a vigência da Lei 8.904/1994, não é mais possível a aplicação do instituto da compensação por não haver a conexão subjetiva. Não há, realmente, o requisito previsto na lei quanto à necessidade de coincidência entre credores e devedores, e obrigações e créditos recíprocos na medida em que o advogado é credor da parte ex adversa da verba de sucumbência, mas em momento algum é devedor da parte.

Com a compensação nesses moldes, resta clara a utilização dos honorários advocatícios de sucumbência em benefício exclusivo das partes, pois a parte autora não efetua o pagamento dessa verba ao advogado do réu; e a parte ré, da mesma forma. Nessa situação, evidentemente quem sai perdendo são os advogados, que fazem jus aos honorários de sucumbência em razão dos serviços prestados no decorrer do processo, que atualmente demora anos para terminar, e acabam sem receber nada dessa verba, aliás, um direito assegurado pelo Estatuto da OAB.

Caráter alimentar dos honorários advocatícios e o art. 24 do Estatuto, que veda, sob pena de nulidade, qualquer cláusula que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência

Reforça-se hoje a tese de ilegalidade na compensação dos hono­­rários advocatícios de sucumbência, quiçá a sua inconsti­tucionalidade, o reconhecimento pelo STF da natureza personalíssima e alimentar dos honorários advocatícios[5]. A natureza dos honorários, por si só, afasta também a possibilidade da compensação dos honorários de sucumbência; pois, além de ser incabível o instituto, pelas razões já expostas, sua aplicação acarreta a perda do direito do advogado de receber os honorários.

Ao reconhecer a natureza alimentar e personalíssima dos honorários advocatícios, aplica-se na hipótese o disposto no enunciado da Súmula 144 do STJ, que adota a preferência dos créditos de natureza alimentar, desvinculando-os da ordem cronológica a que se submetem outros créditos de natureza diversa, no tocante ao pagamento mediante precatórios.

Aplica-se, também, à verba dos honorários a impenho­rabilidade nos termos do art. 649, IV, do CPC, o que soma a impossibilidade da compensação dos honorários, por beneficiar exclusivamente as partes e, ao mesmo tempo, prejudicar os advogados por nada receberem.

De mais a mais, prevê o art. 24, parágrafo 3o, da Lei no 8.906/94, a nulidade de qualquer cláusula que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência. Nos moldes da Lei da OAB, a aplicação do instituto da compensação é vedada. É que nesta hipótese o advogado nada recebe. Absolutamente, nada. A parte autora não paga ao advogado do réu e vice-versa. Compensam-se os débitos e créditos como se os honorários fossem das partes.

Mostrou o legislador, enfim, ao editar a Lei Federal no 8.906/1994, a importância dos honorários — independente da sua natureza, por ser uma contraprestação econômica paga em favor de profissional liberal pelos serviços técnicos por ele prestados — ao reconhecer a nulidade de toda e qualquer cláusula que retire do advogado a possibilidade do recebimento dos honorários de sucumbência.

O projeto de lei do novo CPC

Muitos benefícios foram trazidos pelo projeto de lei do novo CPC quanto à regulamentação dos honorários advocatícios e das despesas processuais. A seção III do projeto de lei, que regulamenta as despesas, os honorários e as multas, apresenta treze artigos sobre a matéria, sendo que apenas o art. 73, por exemplo, regulamenta treze parágrafos sobre o tema.

Pois bem. O que nos interessa, em particular, é o parágrafo 11 do art. 73, que reconhece que os honorários pertencem aos advogados, adaptando-se o previsto no Estatuto da OAB ao novo CPC. Também o mesmo parágrafo traz a definição de que os honorários têm natureza alimentar, como bem reconheceu o STF e o STJ. Por fim, o referido artigo incorpora as normas previstas nos CC ao projeto de lei quando expressamente reconhece a vedação da compensação de honorários advocatícios em caso de sucumbência parcial.

A propósito, cite-se o teor do art. 73, parágrafo 11, do projeto de lei do novo CPC: “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, tendo os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.”

Com a nova redação do CPC, eliminam-se definitivamente as incompatibilidades existentes no ordenamento jurídico e, ao mesmo tempo, reconhece-se que os honorários advocatícios oriundos do trabalho desenvolvido no curso do processo, são sempre devidos, independentemente da sua natureza, sucumbenciais ou não, e recebíveis pela vedação da compensação em sucumbência parcial. Resta-nos, agora, aguardar a aprovação do novo CPC, neste aspecto, ou então o reconhecimento pelos tribunais brasileiros da ilegalidade da compensação dos honorários advocatícios na sucumbência parcial.


[1] CAHALI, Yussef Said. “Direito Autônomo do Advogado aos Honorários da Sucumbência”. Repertório IOB de Jurisprudência, 1a quinzena de outubro de 1994, no 19/94, p. 378.

[2] Ap. 70000218933, TJRS. Relator Desembargador Araken de Assis. RT 777/390.

[3] RODRIGUES, Silvio. “Direito Civil – Parte Geral das Obrigações”. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 215, vol. 2.

[4] Cf. CAHALI, Yussef Said. “Honorários Advocatícios”. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, pp. 844 e 845.

[5] RE 470.407/DF, 1a Turma do STF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 13.10.2006, e EREsp 724.158/PR, CE do STJ, Rel. Min. Teori Albino Zawascki, DJ  08.05.2008.