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“Novos e maiores desafios se anunciam”

28 de fevereiro de 2010

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NOTA DO EDITOR ____________________________
Esta matéria contendo o discurso do Procurador-Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, pronunciado na abertura do Ano Judiciário, já estava formatada para publicação quando adveio a impetração do pedido de Intervenção no governo do Distrito Federal, lastreado nas denúncias de corrupção havidas na administração do Executivo e do Legislativo, que motivaram a decretação da prisão do Governador José Roberto Arruda e de cinco deputados distritais.
Os fundamentos elencados no pedido, com profusa quantidade de fatos demonstrativos da malévola corrupção, deixam antever a aceitação  da Intervenção, tanto pelo Supremo Tribunal Federal como pelo Presidente da República, o que, dado o clamor popular contra os atos infamantes praticados pelo Governador e deputados, merecerá favoravel e auspiciosa ressonância na opinião pública.

 

Discurso do Procurador-Geral da República Roberto Gurgel na abertura do Ano Judiciário

“O início do Ano Judiciário constitui oportunidade preciosa de reflexão de todos que fazemos o sistema judiciário.
É momento de analisar o ano que se encerrou, contabi­lizando suas realizações e suas dificuldades, e de lançar os olhos sobre o ano que se inicia, assumindo novos e maiores desafios.
A Justiça brasileira vive momento promissor.
No Poder Judiciário, as dificuldades de sempre, agora adequadamente conhecidas e reconhecidas, estão sendo enfrentadas com intensidade inédita e com uma vontade sem precedentes de soluções efetivas.
Alterações em boa hora introduzidas no plano normativo já proporcionam resultados significativos, como evidenciam os números divulgados, imprimindo mais racionalidade aos trabalhos judiciários.
São dados os primeiros passos para a construção de um planejamento nacional do Judiciário que, entre muitas outras vertentes, crie as condições necessárias para que, em todo o país, estruturas organizacionais adequadas possibilitem aos magistrados das mais remotas comarcas o correto exercício da atividade jurisdicional.
Providências diversas são implementadas com o objetivo de tornar transparente o Poder Judiciário, assegurando à sociedade o acompanhamento de sua administração e de suas atividades.
O Poder Judiciário, por suas lideranças institucionais e associativas, empreende, enfim, esforços intensos e consistentes de aprimoramento em múltiplos aspectos, enfrentando, é claro, inevitáveis resistências dos encastelados em privilégios corporativistas tantas vezes ofensivos à ordem jurídica.
A importância do Conselho Nacional de Justiça em tudo isso é inegável e, por isso mesmo, é merecedor das homenagens da sociedade brasileira, homenagens que a Procuradoria-Geral da República pede licença a Vossa Excelência, Ministro Gilmar Mendes, responsável por tantas iniciativas à frente do Conselho, e a todos os dedicados integrantes do colegiado, para prestar na pessoa do eminente Ministro Gilson Dipp, pelos incansáveis esforços e pela rara firmeza à frente da Corregedoria Nacional de Justiça.
Como disse inicialmente, o momento é promissor e não apenas para o Poder Judiciário. Também no Ministério Público, seja no âmbito da União, seja no âmbito dos estados, providências análogas àquelas que indiquei no tocante ao Judiciário, estão sendo implementadas.
O Ministério Público, que, mercê do cumprimento indepen­dente e firme das atribuições conferidas pelo constituinte de 1988, tem o privilégio de ser uma das instituições mais confiáveis para os brasileiros, tem trabalhado arduamente para servir mais e melhor à sociedade, consciente de que, como no Judiciário, há muito a fazer, há um longo caminho a percorrer.
O papel do Conselho Nacional do Ministério Público é igualmente essencial e não tem faltado empenho do colegiado no sentido de contribuir decisivamente para o aprimoramento, em todos os aspectos, da nossa instituição, a despeito das notórias deficiências estruturais e de um orçamento que representa apenas um pequeno percentual
daquele justamente reservado ao Conselho Nacional de Justiça.
Repetem-se, aliás, no âmbito do órgão de controle externo, dificuldades que, no próprio Ministério Público, nacionalmente falando — maiores aqui, menores ali — são crônicas e que muitas vezes inviabilizam que a Instituição acompanhe o crescimento, a ampliação de serviços, a melhor estruturação do Judiciário. Urge, portanto, reduzir a disparidade de limites orçamentários entre o Ministério Público e o Judiciário.
Novos e maiores desafios se anunciam.
O primeiro e maior deles será o de não deixar arrefecer o processo de reflexão e mudanças do sistema judiciário como um todo, até aqui bem sucedido no geral, resistindo às pressões pela acomodação.
Avançará, em 2010, por outro lado, a implantação definitiva do processo eletrônico, exigindo de todos os atores do sistema judiciário a imprescindível adaptação aos novos tempos, com novos modos de trabalhar, consubstanciando verdadeira mudança cultural.
O Ministério Público, como não poderia deixar de ser, é entusiasta do processo eletrônico e de suas potencialidades e concorda que há necessidade de criar fatos que tornem irreversível sua implementação.
Deve a Procuradoria Geral da República, entretanto, manifestar a sua preocupação com a forma adotada por alguns tribunais para implantá-lo, utilizando-se de decisões tomadas sem qualquer consulta às demais instituições envolvidas, o que pode gerar complexas dificuldades operacionais, bem como, com a falta de uniformidade nos modelos de processo eletrônico, ocasionando multiplicidade de procedimentos extremamente inconveniente.
O Supremo Tribunal Federal, no Ano Judiciário que se inaugura, continuará examinando temas extremamente relevantes para os brasileiros e que reclamam a definição da mais alta Corte do país.
Entre eles, deverá decidir sobre a possibilidade de inves­tigação pelo Ministério Público.
Para a Procuradoria Geral da República, a questão se insere no tema mais amplo da efetividade da tutela penal, que é preciso assegurar, em especial com relação à criminalidade que se desenvolve nos estratos mais elevados da sociedade, onde a impunidade, desgraçadamente, continua sendo a regra, gerando no particular profundo descrédito no sistema de justiça.
Negar ao Ministério Público a possibilidade de extraordinariamente investigar, será incapacitar não a Instituição mas a sociedade brasileira para o exercício pleno do direito à efetividade da tutela penal notadamente quanto à criminalidade antes referida.
Encerro por onde comecei: esta é uma oportunidade preciosa de reflexão e avaliação.
Acredito que o balanço do ano que passou foi sem dúvida positivo para a Justiça brasileira, que somou êxitos significativos.
Continuar no rumo é preciso, apesar das inevitáveis procelas. Afinal, como adverte o grande Fernando Pessoa, ‘para ir além do Bojador, é preciso sentir dor’.
O fundamental é que, como gosta de destacar o Presidente Lula, o Brasil tenha instituições fortes e atuantes, cada qual cumprindo fielmente as atribuições que a Constituição lhe conferiu, todas em permanente e recíproca colaboração, todas praticando o mútuo respeito que a República impõe.
Esta sessão solene, pelas honrosas presenças que a abrilhantam, simboliza isso magnificamente.
Muito obrigado.”