O acesso dos portadores de necessidades especiais às cotas nos concursos públicos

17 de agosto de 2015

Compartilhe:

eliane_cristinaA Lei no 7.853/1989 e o Decreto no 3.298/1999 ba­lizam a política nacional para integração da pessoa portadora de deficiência, criando assim as principais normas de acessibilidade para deficientes.

Segundo o artigo 5o do Decreto no 3.298/1999, a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, em consonância com o Programa Nacional de Direitos Humanos, deverá desenvolver, em conjunto com Estado e a sociedade civil, ações de modo a assegurar a plena integração da pessoa portadora de deficiência no contexto socioeconômico e cultural, estabelecendo mecanismos e instrumentos legais e operacionais que assegurem às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciam o seu bem-estar pessoal, social e econômico, assegurando-lhes ainda respeito, igualdade de oportunidades na sociedade por reconhecimento dos direitos que lhes são assegurados, sem privilégios ou paternalismos.

As cotas de acesso a concursos públicos integram esse conjunto de ações que vêm sendo desenvolvidas e normatizadas, objetivando assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais e a efetiva integração social das pessoas com deficiência, conforme estabelece o art. 37, VIII, da Constituição Federal e a Lei no 7.853/1989.

De acordo com o sistema de cotas, reserva-se aos portadores de deficiência, no mínimo, 5% das vagas ofertadas, buscando-se, dessa forma, garantir aos portadores de necessidades especiais o acesso aos cargos públicos.

O direito à cota, segundo o art. 39, inciso IV, do Decreto no 3.298/99, dá-se por meio da inscrição do candidato, mediante a apresentação de laudo médico no qual deverá constar a espécie e o grau ou nível de deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doença (CID), bem como a provável causa da deficiência, verbis:

Art. 39. Os editais de concursos públicos deverão conter:

[…]

IV – exigência de apresentação, pelo candidato portador de deficiência, no ato da inscrição, de laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível da deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doença (CID), bem como a provável causa da deficiência.

Em Roraima, a Lei Complementar Estadual no 053/2001, prescreve que:

Art. 5o […]

§ 3o – Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargos cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; assegurando-lhes 10% (dez por cento) das vagas oferecidas no concurso.

Além disso, o Decreto no 3.298, de 20 de dezembro de 1999, estabelece que à autoridade competente é vedado obstar a inscrição de pessoa portadora de deficiência em concurso público para ingresso em carreira da Administração Pública Federal direta e indireta. Vejamos:

Art. 40. É vedado à autoridade competente obstar a inscrição de pessoa portadora de deficiência em concurso público para ingresso em carreira da Administração Pública Federal direta e indireta.

Contudo, o que se tem visto na prática é a exclusão do candidato portador de necessidades especiais, da cota reservada, exatamente no momento da posse, quando se o submete a uma perícia médica não prevista em lei, para avaliar seu direito à participação àquela cota de vagas reservadas.

Com efeito, o art. 14 da Lei no 8.112/1990 e parágrafo único estabelecem:

Art. 14. A posse em cargo público dependerá de prévia inspeção médica oficial.

Parágrafo único: “Só poderá ser empossado aquele que for julgado apto física e mentalmente para o exercício do cargo.

A mesma prescrição legal está inscrita no art. 14, da Lei Complementar Estadual no 053/2001:

Art. 14. A posse em cargo público dependerá de prévia inspeção médica oficial.

Parágrafo único. Só poderá ser empossado aquele que for julgado apto, física e mentalmente, para o exercício do cargo.

Já para os candidatos portadores de necessidades especiais a inspeção médica é postergada para momento posterior à posse, pois o Decreto no 3.298/1999 estabelece uma perícia médica diferenciada, composta por equipe multiprofissional, que irá avaliar a compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato, avaliação esta que se estenderá durante o estágio probatório. Confira-se:

Art. 43. O órgão responsável pela realização do concurso terá a assistência de equipe multiprofissional composta de três profissionais capacitados e atuantes nas áreas das deficiências em questão, sendo um deles médico, e três profissionais integrantes da carreira almejada pelo candidato.

§ 1o – A equipe multiprofissional emitirá parecer observando:

I – as informações prestadas pelo candidato no ato da inscrição;

II – a natureza das atribuições e tarefas essenciais do cargo ou da função a desempenhar;

III – a viabilidade das condições de acessibilidade e as adequações do ambiente de trabalho na execução das tarefas;

IV – a possibilidade de uso, pelo candidato, de equipamentos ou outros meios que habitualmente utilize; e

V – a CID e outros padrões reconhecidos nacional e internacionalmente.

§ 2o – A equipe multiprofissional avaliará a compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato durante o estágio probatório.

Como visto, o Decreto no 3.298/1999 estabelece uma perícia médica diferenciada (inclusive composta por profissionais capacitados e atuantes nas áreas das deficiências) a que será submetido o candidato PNE (portador de necessidades especiais), depois da posse. Pode-se afirmar, portanto, que a aferição da aptidão física e mental de que trata a Lei no 8.112/1990 e a LC no 053/1991 (art. 14) aplica-se aos demais candidatos, mas não aos portadores de necessidades especiais, que serão avaliados durante o estágio probatório, nos termos do art. 43, § 2o, do referido Decreto.

Da leitura dos dispositivos acima citados, vemos que são diferentes as perícias médicas a que devem se submeter os candidatos em geral e os portadores de necessidades especiais. Mas não há, em qualquer dos casos, previsão legal para avaliação, por parte da junta médica, do direito do portador de necessidades especiais à participação na cota de vagas reservadas.

Note-se que o ato da inscrição é o momento da averiguação da condição de portador de necessidades especiais e, por conseguinte, se o candidato faz jus à participação das vagas destinadas às cotas. Não há outro!

Especialmente, porque após a nomeação só resta ao candidato a realização de perícia médica para fins de averiguação de aptidão para o exercício do cargo e não para aferição de direito de concorrer às vagas reservadas, mormente porque o momento de deferimento da inscrição já foi superado.

A administração tem liberdade para estabelecer as bases e os critérios de julgamento do certame, desde que atente para o princípio da legalidade. Disso decorre que, ausente norma que estabeleça uma perícia médica, para verificação do direito à participação em cota de concurso público à qual deva se submeter o candidato portador de necessidades especiais, qualquer ato administrativo nesse sentido é ilegal.

Conclui-se, então, que o ato da inscrição é o momento da aferição da deficiência do candidato, mediante a averiguação do laudo médico apresentado e, por conseguinte, se ele faz jus a concorrer às vagas destinadas à cota. Uma vez deferida a sua inscrição, não é facultado à administração pública submeter o candidato à perícia médica posterior, a fim de avaliar seu direito às vagas reservadas, por estrita ausência de previsão legal.