O Conselho de Justiça competente para o processo e o julgamento de oficial da reserva não remunerada

6 de fevereiro de 2015

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1. Considerações iniciais
Justiça Militar da União (JMU) integra o Poder Judiciário desde a Constituição Federal de 1934, sendo composta pelo Superior Tribunal Militar (STM) (receptor dos recursos de apelação) e, na primeira instância, pela Auditoria de Correição, pelos Conselhos de Justiça (sob a forma de escabinato), pelos Juízes Auditores e pelos Juízes Auditores Substitutos.

O Conselho Especial de Justiça (CEJ) é constituído pelo Juiz-Auditor e por quatro Juízes militares, sob a presidência, entre estes, de um oficial-general ou oficial superior, de posto mais elevado que o dos demais juízes, ou de maior antiguidade, no caso de igualdade.

O Conselho Permanente de Justiça (CPJ) é constituído pelo Juiz-Auditor, por um oficial superior, que será o presidente, e três oficiais de posto até capitão-tenente ou capitão, portanto tenentes estão incluídos na sua composição.

Respeitáveis operadores do direito consideraram que, para definir se o acusado – Oficial da Reserva não Remunerada – deveria ser processado e julgado pelo CPJ ou CEJ, primeiro, como questão de ordem, necessitaria ser esclarecida a sua condição – militar ou civil. Nesse intuito, faz-se, geralmente, remissão a diversos diplomas legais.

Como a maioria dos juristas considera relevante, e seguindo essa lógica prevalente, vou inicialmente concluir sobre a situação do agente Oficial da Reserva não Remunerada (militar ou civil), mas sabendo que em nada interfere na referida competência.

É de suma importância definir com exatidão qual o Conselho competente para o processo e o julgamento do Oficial da Reserva não Remunerada, tendo em vista que há consequência direta à hierarquia e à disciplina nos quartéis.

Nesse ângulo, destaco que o presente assunto trata da questão do juiz natural, podendo conduzir a sérias nulidades, pois é princípio básico constitucional.

Abordarei o tema, também, sob dois vetores: o legal e o moral, este, a meu ver, de extrema importância à coesão das Forças Armadas.

2. Aspectos do campo legal
Vejamos o campo legal, a demonstrar que o Oficial da Reserva não Remunerada, embora seja civil, é simultaneamente Oficial. Nesse passo, o importante será detectar que tal condição (civil) não afasta, por qualquer ângulo que se observe, o CEJ como seu juiz natural, quando for processado e julgado por crimes militares.

Passa-se a examinar alguns dispositivos que confirmam a condição de civil do Oficial da Reserva não Remunerada, mas se detectará a inexistência de qualquer reflexo disso no tocante ao Conselho competente.

Os arts. 3o, 4o e 14, todos do Estatuto dos Militares (Lei no 6.880/1980), deixam claro que o Oficial da Reserva não Remunerada é civil.

Conforme as normas castrenses, há os Oficiais de carreira, os temporários na ativa e os da Reserva Remunerada (R-1), todos militares.

Também há os Oficiais de carreira demitidos (a pedido ou ex-officio), os Oficiais excluídos e os Oficiais temporários licenciados (R-2 ou RM3 – Reserva não Remunerada), sendo todos, por não estarem na ativa, civis.

Os Decretos no 4.780, de 15/7/2003 (Aprova o Regu­lamento da Reserva da Marinha); no 4.502, de 9/12/2002 (Exército); e no 6.854, de 25/5/2009 (Aeronáutica), lite­ral­mente estabelecem que o Oficial da Reserva não Remunerada é civil e também, simultaneamente, Oficial. Ou seja, para ser Oficial da Reserva não Remunerada a pessoa necessariamente foi e poderá ser novamente militar (convocação, mobilização, reintegração judicial ou administrativa etc.), mas, enquanto nessa condição, indubitavelmente é Oficial e é civil.

Para afastar qualquer dúvida, a redação das cartas patentes (Decreto no 2.144, de 7/2/1997) ordena que o seu portador, além de ser civil, simultaneamente “é Oficial da 2a Classe da Reserva” ou “da Reserva de 2a Classe”, entenda-se da Reserva não Remunerada, confirmando o gozo das vantagens, prerrogativas e deveres inerentes ao posto, nos termos da lei. Há casamento perfeito entre a Carta Patente e o art. 142, inciso I, da Constituição Federal (CF)/1988, não se podendo instaurar a desvalia desse imperial comando, estritamente ligado à perpetuidade das Forças Armadas.

Destaco que a Carta Patente atesta que o cidadão “é Oficial”, não estando nela escrito “foi Oficial” acerca daqueles que ingressaram na Reserva não Remunerada. Portanto, não é cassada ou perdida a sua validade quando o Oficial da Reserva não Remunerada deixa o serviço ativo. Isso só ocorre com o devido processo legal de Representação para Declaração de Indignidade ou de Incompatibilidade para com o Oficialato perante o Pleno do STM.

Coerentemente às cartas patentes emanadas segundo a Constituição Federal, o STM tem declarado a indignidade para o oficialato de civis que as detêm. Deveras, de fato, o Oficial da Reserva não Remunerada, embora civil, tem a sua condição de Oficial submetida ao julgamento do Pleno do STM. Nesses termos, o art. 142, inciso I, da CF/1988, pautou pelo gênero (Oficial da Reserva) sem especificar se da Remunerada ou não.

Há precedentes de processos de indignidade para o Oficialato, nos quais os Oficiais representados, na situação de licenciado, excluído e demitido, eram da Reserva não Remunerada, ou seja, civis. Nesses julgamentos, os representados foram considerados indignos para o Oficialato por unanimidade de votos (Declarações de Indignidade no 20-2/DF, no 33-4/DF e no 12-46.2008.7.00.0000 – 2008.01.000060-1/DF).

Logo, no Pleno do STM inexiste dúvida de que o Oficial da Reserva não Remunerada (R-2) é civil, sendo-lhe asseguradas as prerrogativas do respectivo posto conquistado enquanto esteve na ativa de sua Força Armada, mantidas até eventual declaração em contrário, pela via judicial.

Há importante questão atinente à proporcionalidade. Se a Constituição Federal confiou ao STM o julgamento da indignidade e da incompatibilidade do Oficial, seja este militar ou civil, na primeira instância seria competente o CPJ para submetê-lo a judice? A resposta é negativa, pois, considerando-se o investimento realizado no Oficial e a sua importância em eventual mobilização ou convocação, o seu juiz natural é o CEJ.

Seria flagrantemente desproporcional admitir que o STM, última instância da JMU, seja competente para declarar a indignidade/incompatibilidade de Oficial da Reserva Remunerada (militar) e da não Remunerada (civil), enquanto, na primeira instância, esse mister estaria constitucionalmente destinado ao CPJ, composto por juízes militares menos experientes e de postos hierarquicamente muitas vezes mais baixos (tenentes) que o do acusado. Não é demais lembrar que a CF/1988 e a Carta Patente do acusado lhe garantem o gozo das vantagens, das prerrogativas e dos deveres inerentes ao posto, nos termos da lei, nisso incluído o mais básico e elementar, ou seja, o respeito ao seu juiz natural.

Alinho-me à mesma conclusão e mediante idênticos dispositivos legais, ou seja, sem a menor dúvida o Oficial da Reserva não Remunerada é civil (não é militar). Embora o Oficial R-2 seja civil, porquanto não está no serviço ativo de sua Força Armada, ainda lhe é assegurado o posto constante de sua Carta Patente.

3. Aspectos do campo moral
Alguns operadores do direito entendem como indissociáveis a condição de Oficial e a de militar, mas, como se viu e continuaremos a dissecar, esse raciocínio é inválido e conduz a erros que acometem o sistema castrense.

Repise-se, vários pensamentos sobre o tema, pouco aprofundados, primeiro concluem que o Oficial da Reserva não Remunerada é civil para, considerando essa condição/situação como essencial, e apenas por esse motivo, submetê-lo ao CPJ. Contudo, não tenho a menor dúvida de que seja civil, tampouco de o CEJ ser o juiz natural para o caso de crime de natureza militar.

A competência do CPJ não é para processar e julgar “praças e civis”, mas sim, na verdade, “não oficiais”. Isso define e amplia o alcance da referida competência, se comparada à forma equivocada daqueles pensamentos superficiais.

A Lei de Organização Judiciária Militar (LOJM no 8.457, de 4/9/1992), além de ser posterior ao Estatuto dos Militares, em nada o contraria, pelo contrário, solidifica a missão de respeitar os postos, as graduações, a hierarquia e a disciplina.

A LOJM reflete com exatidão os comandos imperiais emanados no art. 142, incisos VII e VIII, da CF/1988. Além disso, a LOJM é norma especial, ou seja, deve ser estritamente observada no que se refere ao CPJ e ao CEJ.

Portanto, a LOJM, no tocante à competência do CEJ e do CPJ – juiz natural impõe:

Art. 27. Compete aos conselhos:
I – Especial de Justiça, processar e julgar oficiais, exceto oficiais-generais, nos delitos previstos na legislação penal militar,
II – Permanente de Justiça, processar e julgar acusados que não sejam oficiais, nos delitos de que trata o inciso anterior, excetuado o disposto no art. 6o, inciso I, alínea b, desta lei. (grifei)

Repare-se que o legislador não estabeleceu a competência do CEJ para processar e julgar oficiais de carreira ou temporários, tampouco estritamente os da ativa, mas apenas “oficiais”, ou seja, pautou, sob a total razão dos princípios relativos à caserna, pelo gênero – idêntica forma e ordem do art. 142, inciso I, da CF/1988. Da mesma forma, no CPJ, não determinou o processo e o julgamento de praças e de civis, mas sim de “não oficiais”, também no gênero, lacrando de lógica a referida norma.

Fosse o contrário, então o CEJ seria competente para processar e julgar os “oficiais da ativa, reformados ou da Reserva Remunerada”, isso para excluir os oficiais da Reserva não Remunerada. E o CPJ seria competente para processar e julgar “praças e civis”. Se fosse assim, e somente nesse caso, poderia se dizer que os Oficiais da Reserva não Remunerada estariam abarcados pelo CPJ, pois eles são civis. Mas não é isso que o art. 27 da LOJM determina.

No tocante ao art. 27 da LOJM, nenhuma das hipóteses, acima conjecturadas, foi elencada. E por qual motivo o legislador fez isso? Porque, além da literalidade da norma, há um “Niágara” de valores a ser pressentido pelo leitor, principalmente quando integrante das Forças Armadas. Esse aspecto, por mim intitulado de “moral”, tomado no sentido técnico naturalmente, será, mediante exemplos, adiante aprofundado.

O legislador que editou a redação do art. 27 da LOJM demonstrou grande zelo no sentido de lacrar, proteger ao máximo as relações entre superiores e subordinados. Buscou, assim, evitar conflitos mal solucionados, com o potencial de afetar a coesão das Forças Armadas. Para tal, as normas são redigidas de forma sistêmica, evitando-se que a fragilização de uma, como no nosso caso a aplicação de um Conselho de forma inadequada, não atinja sem perceber outra, em efeito cascata.

Atritos entre os militares ocorrem, podendo redundar em crimes, mas o Estado jamais poderá agir como fomentador desses eventos maléficos à perenidade da ultima ratio da sociedade.

4. Estudo de casos
Verificam-se, em estudos sobre o assunto, basicamente duas vertentes. A tese que denominarei de “1”, a qual sustento, no sentido de que o Oficial da Reserva não Remunerada deve ser processado e julgado pelo CEJ, e a “2”, na qual outros operadores do direito sustentam a submissão da causa ao CPJ.

O caso requer alguns exemplos, a demonstrar que efeitos indesejados podem ocorrer se admitida a tese 2. O STM, para firmar a sua existência e respeitabilidade, deve ser o primeiro a detectar os reflexos deletérios na seara castrense de suas decisões.

CASO 1
Por exemplo, um excelente Coronel de Intendência da Aeronáutica, que tomou posse em cargo público após o devido concurso, será R-2, ou seja, da Reserva não Remunerada. Suponha-se que se envolva, acidentalmente, em um caso de crime militar e esteja, durante o processo, já na nova condição de civil – Oficial R-2. Aceita a tese 2, esse Coronel R-2, embora possuidor desse posto e de Carta Patente, com texto fiel ao Decreto no 2.144, de 7/2/1997, seria processado e julgado pelo CPJ. Assim, tenentes na sua composição poderiam processá-lo, absolvê-lo (por maioria ou não) e até mesmo condená-lo.

No entanto, comprovada a sua inocência e absolvido, mais tarde ou logo após, se esse excelente Coronel fosse mobilizado como intendente, ele poderia ser designado para fornecer peças para a aeronave do tenente aviador que o julgou ou mesmo o condenou (decisão absolutória por maioria). Eis o fomento de conflitos que o Estado, se aceitasse a tese 2, jamais poderia alimentar.

CASO 2
Embora possível, mas pouco provável, até mesmo um General-de-Brigada da Reserva Remunerada (R-1) e Advogado poderia tomar posse, mediante a indicação da OAB, como Desembargador de um Tribunal de Justiça ou mesmo em qualquer outro cargo público por concurso, vindo a ser um Oficial R-2. Naturalmente que, a depender do cargo ocupado, dever-se-ia observar os foros por prerrogativa de função que estão previstos na CF/1988.

Envolvido em crime militar, admitiríamos que o CPJ o processasse e o julgasse, tendo tenentes na sua composição? Para os defensores da tese 2, sendo o referido General R-2 civil, não mais militar, o CPJ seria o competente. Sustento que, se um eventual General R-2 praticasse ou apenas estivesse envolvido em crime militar, não havendo foro por prerrogativa de função previsto na CF/1988, competente seria o STM para processá-lo e julgá-lo, embora civil e não mais militar.

Como dito, o art. 27 da LOJM generalizou, atribuindo o processo e o julgamento de “Oficiais” ao CEJ e os “não Oficiais” ao CPJ. Logo, os Oficiais-Generais, sejam da Reserva Remunerada ou não, o correto, no exemplo, seria submetê-los ao STM.

Observe-se a crise que pode ser criada ao se aderir à tese 2. Pelo fato de esse General não ser mais militar (é da Reserva não Remunerada), e, sim, civil, o STM não poderia processá-lo, nem julgá-lo. Seria, então, julgado e processado por tenentes?

Note-se que, tanto no exemplo do Coronel R-2, como no do General R-2, grande afronta ao sistema militar estaria ocorrendo. Esses Oficiais, após inúmeras realizações e atos administrativos, estariam sendo julgados por militares que outrora foram os próprios elogiados ou punidos pelas referidas autoridades, ou até amigos ou desafetos desses.

Os companheiros desse Coronel R-2 ou General R-2, ainda na ativa, talvez até envolvidos de forma inocente ou não nas decisões que ensejaram o processo penal militar, embora constrangidos pela ofensa à hierarquia e à disciplina, nada poderiam fazer diante das consequências da errônea sujeição desses réus ao CPJ.

CASO 3
Suponha-se um Coronel da Reserva não Remunerada (R-2), que tomou posse em cargo público, sendo processado por crime de desvio de verba pública perante a JMU, por ato emanado quando ainda estava na ativa e no comando de OM. O legislador, mediante o art. 27 da LOJM, submete-o ao CEJ, também porque tenentes ainda não adquiriram os conhecimentos suficientes sobre essas funções gerenciais. O comando de OM de maior envergadura e as finanças nelas envolvidas ainda não fazem parte da experiência profissional da grande maioria dos tenentes. Some-se, entre todos os outros motivos já explanados, mais um para não submeter o julgamento desse Coronel R-2 aos inexperientes tenentes, os quais poderiam, em tese, impor pena revanchista ou mesmo leviana. O acusado – Coronel R-2 – poderia ser compelido, embora de posto mais elevado do que os juízes militares, ao processo relativo à Declaração de Indignidade perante o STM.

Retome-se que, para a indignidade, o STM é competente. Logo não é proporcional, nem legal, que na primeira instância o inexperiente CPJ processasse e julgasse esse Coronel R-2.

5. Da mobilização e da defesa nacional
O legislador, nesse contexto, quis preservar eventual convocação ou mobilização. Tratar a mobilização como algo remoto, a ponto de ser desprezado nesse mosaico da Defesa Nacional, é desmerecer o motivo mais importante para a existência das Forças Armadas. É na mobilização que as Forças Armadas atingem o ápice de seu mister constitucional.

Ninguém pode prever quando a mobilização ocorrerá. Se hoje, amanhã ou daqui a pouco ou muito tempo. O importante é o preparo e a mentalidade convergente para esse magnânimo evento de Defesa Nacional. Logo, se hoje o tenente, compondo o CPJ, condena um Capitão, Major, Tenente-Coronel, Coronel ou General R-2, quando da mobilização ou da convocação haverá grande trauma a ser resolvido no âmbito da hierarquia e da disciplina. Verdadeiro conflito entre círculos, e pior, fomentado pelo Estado que equivocadamente designou o Conselho inadequado à solução da ação penal militar.

A hierarquia e a disciplina devem ser preservadas em todas as oportunidades. Mas, se tivéssemos de escolher entre atentar mais para tais cânones, em período de normalidade ou de mobilização, certamente a resposta seria neste último. A mobilização é o momento em que toda a nação conclama as Forças Armadas para arrostar o perigo, aciona a sua ultima ratio para resolver crise de alta relevância. Nesse momento drástico, toda ofensa aos citados princípios deve ser repelida com rigor. Como, então, considerar a mobilização algo remoto ou na qual poderiam ser enfraquecidos tão caros valores?

Ademais, tudo que está sendo dito vale não apenas para a mobilização, mas também para os exercícios de convocação, efetivados com notável frequência em todos os escalões militares. Logo, se ontem um Oficial-General, Superior, Intermediário ou Subalterno R-2 for condenado por tenentes do CPJ, amanhã poderá o próprio acusado ser convocado para manobras e participar de operações nas quais comandará os seus julgadores e respectivos contemporâneos de formação acadêmica, além de outros militares e praças. Todos estariam cientes da desmoralização do Oficial R-2 convocado, devido à sua condenação ou ao simples julgamento realizado por tenentes.

Embora na mobilização possa não se priorizar a convocação de militares que foram acusados em processos penais, a depender da dimensão da crise nacional vivenciada, poderá ser imperioso conclamá-los em reforço à Defesa Nacional.

Atente-se que os processos geralmente tratam de Tenentes R-2, situação já a merecer toda a fundamentação ora apresentada. Prevalecendo a decisão de submetê-los ao CPJ, valerá para todos os postos de Oficiais na Reserva não Remunerada. Ainda que não seja comum haver generais R-2, nada impede que assumam um cargo público desejado e integrem a Reserva não Remunerada. Portanto, em tese, até mesmo um general poderia ser alcançado pelo equívoco, sendo muito provável incidir em relação aos demais postos.

Em respeito aos caros princípios e valores, sempre a imperar aos militares, destaca-se que, mesmo quando não for mais mobilizável ou convocável determinado Oficial R-2 (civil, é claro), a sua história, enquanto na ativa, deve ser respeitada. Uma forma de manifestar esse cuidado é a escolha do adequado Conselho. O sistema militar é norteado pelo apreço à honra, ao pundonor e ao decoro da classe. Assim, embora o Oficial R-2 e acusado no processo não fosse mais mobilizável, seria inadmissível que os seus subordinados no passado, e ainda em postos inferiores no presente, julguem-no.

6. Conclusão
Assim, a decisão de submeter o Oficial da Reserva não Remunerada ao CPJ porque é civil, e não militar, gera graves consequências à estrutura castrense, afetando a mentalidade, em todos os postos e graduações, no tocante ao real alcance do que seja o respeito à hierarquia e à disciplina. Decisões desse tipo não são agasalhadas pelo bloco em que os valores de profissão tão peculiar foram intencionalmente blindados desde épocas remotas, fruto da obra do zeloso e sistêmico legislador de outrora e da LOJM atual.

Sendo a ultima ratio do Estado, este, em nenhuma situação, poderá admitir a quebra ou a flexibilidade dos mais básicos princípios que embasam a regularidade e a permanência das Forças Armadas – art. 142 da CF/1988 –, nisso incluído o desvirtuamento do Conselho adequado à causa.

Quando se afirma que os princípios da hierarquia e da disciplina devem estar na “massa do sangue” de cada praça ou oficial, para tal há a necessidade de segurança jurídica, assegurada pela JMU, garantindo os reflexos que conduzem à manutenção indelével das Forças Armadas e, por pura lógica, à preservação do Sistema Castrense.

Essa gama de valores que orbita as Forças Armadas não vigora para o privilégio de nenhum militar. Pelo contrário, vetores são necessários para o êxito das operações militares deflagradas em defesa da população, que mantém todo o aparato bélico. Ninguém arrostará o perigo se, também, não vigorar, em especial nesta Corte, a proteção mais ampla e sistêmica das normas militares, inclusive o adequado CEJ para processar e julgar o Oficial da Reserva não Remunerada, com base, frisa-se, no art. 27 da LOJM.

Independentemente de os Oficiais R-2, quando acusados em processo penal militar, serem absolvidos ou condenados, jamais se poderia admitir que a hierarquia e a disciplina fossem, mesmo circunstancialmente, desprezadas. Nunca se poderia ignorar o posto e as prerrogativas que as cartas patentes lhes garantem, não no interesse da pessoa, mas primordialmente no do Estado.

O Estado, em vez de desestabilizar o plano constitucional em que estão moldadas as instituições castrenses, deve sim fomentar a confiança e a tutela à hierarquia e à disciplina. Durante eventual convocação ou mobilização, momentos cruciais que deflagram o emprego e justificam a existência das Forças Armadas, a confiança e a solidez das relações, entre superiores e subordinados, deverão estar qualificadamente preservadas. Nesse prisma, a declaração do juiz natural competente para a causa tem peculiar consequência. Por ocasião do julgamento do HC no 47-93.2014.7.00.0000, em 28/5/2014, o Exmo. Sr. Min Ten Brig Ar Cleonilson Nicácio Silva, demonstrando a pertinência do tema para o equilíbrio das relações militares, assim se manifestou em Plenário:

As Forças Armadas só existem e só subsistem, em combate principalmente, pela confiança mútua. Se eu não confiar no meu sargento que encheu o pneu do avião, se eu não confiar no mecânico que abriu o motor e viu que o óleo estava lá dentro, quebra-se essa relação de confiança e acabam todas as Forças Armadas […]

Repare-se que o escopo em se definir o Conselho adequado não é do agente. Por ser Oficial, formado em escolas de alto custo e de valores morais elevados, a causa exige o processo e o julgamento por juízes mais antigos do que o acusado e de maior experiência profissional. Nesses termos, o interesse é, antes de qualquer outro, eminentemente público.

Em respeito à Marinha e à Aeronáutica, esclareço que todas as referências aos postos de tenente, capitão, major, tenente- coronel, coronel e de general, seguiram o previsto para o Exército. Entretanto, a presente abordagem é válida para os postos correspondentes na Marinha e na Aeronáutica, conforme o Quadro Anexo a que se refere o art. 16 do Estatuto dos Militares – Lei no 6.880/1980 (Círculos e Escala Hierárquica nas Forças Armadas).