O Creditamento de Imposto sobre Produtos Industrializados e a Releitura do Enunciado de Súmula nº. 343 do Supremo Tribunal Federal

27 de janeiro de 2012

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Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda estiver baseada em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, conforme o enunciado de súmula nº. 343, do Supremo Tribunal Federal. Tecnicamente, tal enunciado cria uma condição para a ação rescisória proposta com fundamento no art. 485, V. O referido dispositivo autoriza a demanda para combater sentença de mérito, transitada em julgado, que viole literal dispositivo legal. O texto sumulado, por sua vez, desautoriza a rescisória em caso de o dispositivo legal aplicado receber interpretação divergente nos tribunais, pois não se trataria de uma violação propriamente dita a dispositivo de lei, mas de sua interpretação possível dele extraída, o que, aliás, é compatível com a necessária independência garantida ao magistrado para julgar.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm realizado uma releitura desse enunciado sumular quando o dispositivo violado for integrante do corpo constitucional, com fundamento nos princípios da força normativa da Constituição e da maxima efetividade das normas constitucionais. Em outras palavras, mesmo que exista controvérsia interpretativa sobre um dispositivo constitucional, caso venha a ser violado por ocasião da divergência, que em momento posterior seja dirimida, consolidando-se um entendimento pacífico sobre o assunto, autorizada está a propositura de ação rescisória.

Um caso emblemático na jurisprudência é quanto ao direito de creditamento do Imposto sobre Produtos Industrializados. Havia divergência na jurisprudência sobre o IPI receber as mesmas limitações dadas ao ICMS no sistemática da não-cumulatividade, de forma expressa pelo texto constitucional, no art. 155, § 2.º II, da Constituição Federal, segundo o qual a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores. Melhor explicando: a celeuma se estabeleceu porque, quanto ao IPI, a Constituição não estabece qualquer óbice  para o seu creditamento em casos de operações isentas ou sobre as quais não tenha incidência tributária, mas o fez quanto ao ICMS. Então, essas limitações seriam extensíveis ao IPI?

A certa altura de sua jurisprudência (2007), o STF passa a entender que nas mesmas ocasiões em que a Constituição veda o crédito do ICMS também veda, implicitamente, quanto ao IPI (RE 353.657* e 370.682). Isso representa uma reviravolta jurisprudencial, de modo que, diante de tal situação, passa a Fazenda Nacional a propor ações rescisórias. No caso específico do cabimento de rescisória, ainda não há decisão de mérito; no entanto, houve o reconhecimento da repercussão geral pelo STF (RE 590.809).

Nessa mesma vereda, o Superior Tribunal de Justiça forma a sua jurisprudência, conforme o aresto a seguir:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IPI. CREDITAMENTO. INSUMOS ADQUIRIDOS COM ISENÇÃO. ART. 153, § 3º, II, DA CF. AÇÃO RESCISÓRIA. CABIMENTO. TERMO A QUO DO PRAZO DECADENCIAL.
(…)
2. Embora não seja cabível, nos termos do que dispõe a Súmula 343/STF, a ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, devem ser excepcionados os casos em que a discussão versa sobre a interpretação de matéria de cunho constitucional.
3. O Supremo Tribunal Federal vem entendendo que a aplicação da Súmula 343 em matéria constitucional revela-se afrontosa não só à força normativa da Constituição, mas também à máxima efetividade da norma constitucional. EDcl no RE 328.812/AM, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJU de 29.05.08.
4. O dies a quo da contagem do prazo decadencial de dois anos para a propositura da ação rescisória é a data em que se deu o trânsito em julgado da última decisão.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1070981/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe 21/10/2008) – sem grifo no original.


Diante de todo o exposto, não obstante a ausência de entendimento definido na jurisprudência do STF, podemos vaticinar que se continuar a evoluir na sua linha jurisprudencial no mesmo sentido de outrora, é tendência que se passe a admitir tais ações rescisórias, por ocasião da palpitante releitura do enunciado de Súmula nº. 343/STF.
 

 

Suzane Ramos Rosa Esteves
Advogada, pós-graduada em Direito Público e pós-graduanda em Direito Tributário