O Direito com aliado: Parcerias público-privadas

8 de junho de 2012

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Não é exagerado distinguir governantes, historicamente, em dois grandes grupos. Há os que atribuem ao Direito a imagem oblíqua de adversário da administração pública, com mecanismos para burocratizar, engessar e enredar a gestão. No polo oposto, despontam administradores que enxergam a lei não só como a expressão máxima da democracia, mas também como um importantíssimo aliado na prestação de serviços para a população, fornecendo ferramentas imprescindíveis à construção da cidadania. A lei das Parcerias Público-Privadas (PPP) é emblemática neste sentido. Graças, dentre outros fatores, a esse instrumento jurídico, o Rio de Janeiro promove o resgate de um dever histórico da cidade com o carioca ao investir em transporte, revitalização da zona portuária e importantes áreas de lazer.

O modelo de parceria público-privada, consolidado pela Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004, existe em diversos países do mundo há décadas. No Brasil, teve aplicação tímida por pelo menos sete anos até que começou a ser utilizado, no ano de 2011, para impulsionar pelo País uma série de obras, como aeroportos, estádios e projetos de infraestrutura, em cumprimento a compromissos assumidos para sediar megaeventos internacionais. No Rio, as PPPs dão musculatura à Prefeitura ao criar alternativas de captação de recursos e de financiamento capazes de garantir a execução em escala de empreendimentos da maior envergadura, o que não seria possível se as obras dependessem de investimento direto e exclusivo do Tesouro. Quatro exemplos despontam nesse sentido, sendo o mais ousado deles, sem sombra de dúvida, o Projeto Porto Maravilha, a maior parceria público-privada de que tem notícia no Brasil. Os outros projetos são o Parque Olímpico, a Transolímpica e o VLT do Centro da Cidade.

A engenharia financeira para a requalificação de cinco milhões de metros quadrados de área absolutamente degradada, com um dos piores IDH’s da Cidade, é das mais sofisticadas, encontrando respaldo em lei federal e, ainda, na legislação municipal, em especial nas Leis Complementares nos 101 e 102, ambas de 2009. Com
efeito, em junho de 2011, a Prefeitura emitiu títulos praticamente desconhecidos para a grande maioria das pessoas e promoveu um leilão de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs), usados para financiar operações urbanas consorciadas com o objetivo de recuperar áreas degradadas, conforme autoriza o Estatuto das Cidades. Potencial adicional de construção é a quantidade em metros quadrados que se pode construir em determinado terreno, representada nos andares e na altura do prédio e/ou da metragem. A lei que criou o Porto Maravilha dividiu a Região Portuária em setores, cada qual com seu potencial adicional de construção. Áreas preservadas, de morro, franja de morro e de patrimônio histórico e cultural não têm Cepacs. Assim, quem quiser construir na região, acima de um determinado parâmetro construtivo, tem que adquirir Cepacs. A Prefeitura alienou as Cepacs, por leilão, destinando a verba arrecadada para a recuperação da região portuária.

No leilão promovido pela prefeitura, 6,4 milhões de Cepacs foram arrematados em lote único, por R$ 3,5 bilhões, pela Caixa Econômica Federal, com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em operação fiscalizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A lógica dos Cepacs prevê a negociação dos títulos com investidores e torna vantajoso para a gestora do FGTS adotar a alternativa de entrar como parceira nos empreendimentos imobiliários, por meio de permuta de potencial adicional de construção. Quanto maior o número de empreendimentos na região, maior a procura por Cepacs e melhor para o parceiro privado. O Porto Olímpico, local que servirá de hospedagem para árbitros e jornalistas nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016, onde serão construídos quase dois mil apartamentos de dois e três quartos, além de dois hotéis de 500 quartos cada, é exemplo prático dessa dinâmica de composição de parceria da Caixa com investidores. 

Por meio da PPP, a vencedora da licitação, a Conces­sionária Porto Novo, tornou-se responsável pelas obras e pela prestação de serviços públicos na região portuária, por um prazo de 15 anos, em investimento projetado em R$ 8 bilhões para todo o período. Para coordenar a requalificação, a Prefeitura criou a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio (Cdurp). Assim, a Porto Novo assume os serviços públicos e a execução das obras sob a fiscalização direta da Prefeitura. A operação urbana, dessa forma, não é um fato alheio à administração pública, a quem compete fiscalizar a obra e os serviços prestados e assegurar que sejam promovidos em consonância com o contrato de concessão e o interesse público.

Pela PPP, transforma-se a hoje aviltada zona portuária em área de excelência da cidade do Rio de Janeiro, sem ônus aos cofres municipais. Já nos primeiros cinco anos, as obras vão alterar radicalmente para melhor a infraestrutura e o transporte nos bairros contemplados pela PPP. Saúde, Gamboa e Santo Cristo são considerados o berço da cidade, ponto de partida da expansão do Rio de Janeiro. Por isso, a requalificação dessa área tem um simbolismo especial. O investimento privado na região, com destaque para o setor imobiliário, financiará todas as melhorias: nova infraestrutura e um sistema viário mais eficiente para garantir, ao longo de 15 anos, serviços públicos, como iluminação, manutenção de ruas, calçadas, praças e outras despesas típicas da administração. Todas as redes – drenagem, saneamento, energia, gás natural e telecomunicações – serão refeitas. O adensamento populacional que se espera obter, com salto dos atuais 28 mil habitantes para 100 mil até 2020, exige que os bairros sejam preparados para isso.

É a lei de PPP que permitirá, ainda, a implantação do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) do Centro, com custo avaliado em R$ 1,1 bilhão. O financiamento será constituído por recursos federais, por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) da Mobilidade Urbana e por aportes da iniciativa privada. Ao poder público caberá o investimento de R$ 500 milhões, enquanto o restante deverá ser custeado pelo parceiro privado e remunerado por meio da cobrança de tarifa.  A operação permitirá a volta do conceito de transporte público integrado, conectando estações de metrô, trens, barcas, BRT, redes de ônibus convencionais e aeroporto.

O VLT vai melhorar bastante o trânsito da região central da cidade, reduzindo substancialmente a circulação de ônibus na área. O VLT terá 42 estações, seis linhas e 26 km em vias. A distância média entre as estações é de 400 metros. Cada vagão comporta até 450 passageiros e o tempo máximo de espera entre um trem e outro vai variar de 5 a 15 minutos, de acordo com a linha. As ruas da Região Portuária já começaram a ser preparadas para receber o novo tipo de transporte. A previsão é de que a primeira etapa de instalação do VLT seja concluída em 2014, para a Copa do Mundo, com duas linhas em funcionamento. As outras quatro entram em operação até 2016, para os Jogos Olímpicos.

O novo sistema de transporte da Cidade terá integração entre o VLT, os corredores expressos (BRTs), trens, barcas e metrôs e aumentará a mobilidade urbana e o uso do transporte público pela população carioca. Os BRTs, corredores exclusivos de ônibus, receberão a maior parte dos investimentos em transportes na cidade do Rio de Janeiro. São eles a Transoeste, a Transcarioca, a Transbrasil e a Transolímpica.

A Transolímpica, em especial, será resultado de mais uma PPP municipal e ligará dois polos de competições durante os Jogos (Barra da Tijuca e Deodoro). Estima-se que beneficiará 400 mil pessoas ao encurtar o tempo de percurso dos atuais uma hora e 50 minutos para 40 minutos. A nova via expressa, compromisso firmado com o COI (Comitê Olímpico Internacional) para as Olimpíadas de 2016, terá 26 km de extensão, 18 estações e dois terminais, também servindo de via expressa para carros. As obras terão custo estimado de R$ 1,55 bilhão e o seu financiamento virá de parceria com a iniciativa privada por meio de concessão, que dará o direito de construção, manutenção e operação por 35 anos.

Por fim, merece menção a PPP do Parque Olímpico, palco das disputas de 15 modalidades olímpicas e paralímpicas em 2016, que será construído no terreno do autódromo de Jacarepaguá e terá área total de 1,18 milhão de metros quadrados.

Para a elaboração do Plano Geral Urbanístico do Parque Olímpico, a Prefeitura realizou um concurso internacional em parceria com o Instituto Arquitetos do Brasil. Os projetos precisavam contemplar dois momentos, o dos Jogos Olímpicos, quando toda a estrutura do parque servirá à realização das Olimpíadas, e o do legado, quando a maior parte do espaço se transformará em uma área destinada a empreendimentos comerciais, residenciais e de lazer. O concurso contou com a participação de 60 escritórios de 18 países. O vencedor foi um escritório londrino, a Aecom, o mesmo que desenvolveu o projeto das Olimpíadas de 2012.

Para a construção do Parque Olímpico, a Prefeitura lançou mão de outra PPP. O espaço foi planejado para diferentes usos: em um primeiro momento será destinado ao lazer dos atletas que participarão dos Jogos e, posteriormente, sediará grandes eventos e servirá de opção de lazer para a população carioca. Além disso, a iniciativa privada poderá explorar economicamente as áreas onde serão construídos os equipamentos provisórios, com a construção de empreendimentos comerciais ou residenciais. O investimento total deverá ser de R$ 1,375 bilhão – R$ 850 milhões da iniciativa privada e R$ 525 milhões pela Prefeitura. Trata-se da segunda maior obra do país envolvendo verbas públicas e privadas.

No Parque Olímpico também serão instalados aparelhos para prática de exercícios físicos, ciclovia, playground, áreas de circulação para passeio, decks, marina e um mirante que será construído na Lagoa de Jacarepaguá. Para shows, será erguido um grande palco central. Também estão previstas no projeto mais áreas para estacionamento de veículos, churrasqueiras, além de espaço destinado a reuniões e exposições e instalações sanitárias permanentes, que vão complementar as provisórias em dias de shows.

Pouco do que se listou acima seria possível se não houvesse leis que disciplinassem tais operações. Na verdade, os exemplos da boa aplicação de um instrumento jurídico são numerosos e não se limitam às PPPs. É a segurança jurídica, expressa na lei, que traz investimentos e permite a produção de riqueza e empregos para a população. Cabe ao gestor público entender que as ferramentas do Direito foram criadas não apenas para salvaguardar a democracia, mas também para possibilitar que uma administração competente possa traduzi-las em benefício da população.