“O Direito é um instrumento de paz e justiça”

14 de janeiro de 2015

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Jose-Barroso-FilhoEntrevista exclusiva com José Barroso Filho, do STM, revela a opinião de um dos mais bem preparados ministros dos Tribunais Superiores brasileiros sobre temas polêmicos e atuais.

Ministro do Superior Tribunal Militar (STM), José Barroso Filho tem um vasto currículo na justiça especializada, tendo atuado como Juiz Auditor da Justiça Militar da União em diferentes municípios de 12 estados brasileiros, além do Distrito Federal.

Barroso Filho iniciou sua carreira como Promotor de Justiça, na Bahia, em 1992, mas antes disso participou como coordenador do projeto “Centros Integrados de Desenvolvimento Regional”, realizado pelo Ministério da Defesa, organismo para o qual colaborou com o Projeto Rondon. Também integrou, como Observador, o Grupo de Trabalho Araguaia (GTA) e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel – Combate ao Trabalho Escravo (GEFM), iniciativas que têm por trás os ministérios da Justiça, da Defesa, do Trabalho, bem como o Ministério Público do Trabalho, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a Polícia Federal.

Doutor em Administração Pública pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha), professor universitário e autor de várias obras jurídicas, o ministro fala, nesta entrevista, sobre planejamento e desafios estratégicos do Poder Judiciário. Entre os assuntos abordados, Barroso Filho traz esclarecimento sobre o fenômeno da “hiperlitigiosidade”, mostrando números e motivos para que sejam estimuladas as formas de solução extrajudicial de conflitos, além de relatar suas bem-sucedidas experiências no inicio da década de 1990, quando exercia a magistratura estadual em Pernambuco.

O ministro do STM também destaca os caminhos que o Poder Judiciário pode seguir para equilibrar dois atributos distintos: o acesso à Justiça, garantido na Constituição Federal, e a desejada celeridade frente ao excessivo número de demandas. A questão da redução da maioridade penal; os índices crescentes de violência entre jovens; a governança judiciária; e a relação entre Justiça, Democracia, Desenvolvimento e Cidadania também são temas desta entrevista.

Revista Justiça & Cidadania – Aproximadamente 100 milhões de processos estão tramitando no primeiro e no segundo grau, bem como nas cortes superiores brasileiras. No Planejamento Estratégico Nacional do Poder Judiciário 2015-2020, na parte dos macrodesafios, está registrado que o incentivo às soluções alternativas de litígio é uma tendência. Esse estímulo é para conter o excesso de litigância? No seu entendimento, o que levou o Brasil a esse fenômeno da “hiperlitigiosidade”?
José Barroso Filho – Segundo o Relatório Justiça em Números, do CNJ, ao final do ano de 2013, todos os ramos da Justiça contabilizavam 16.429 magistrados e 412.501 servidores.

Existiam, na média geral, oito magistrados para cada cem mil habitantes.

Tramitaram na Justiça brasileira cerca de 95 milhões de processos em 2013, somando os casos novos e os processos pendentes de baixa.

Em todas as esferas, o Poder Judiciário prolatou 25 milhões e 700 mil sentenças, com uma média de 1.564 sentenças por magistrado, o que posiciona o Judiciário brasileiro como um dos três mais produtivos do mundo.

Vale destacar que, em 2013, 27 milhões de processos foram efetivamente baixados.

Durante o ano de 2013, foram arrecadados R$ 34 bilhões em receitas. Ressalte-se que, em média, 60% dos valores gastos pela Justiça são devolvidos aos cofres públicos, por meio das arrecadações realizadas. Isso sem contar o valor positivo que é a prestação jurisdicional, fator fundamental para o Estado Democrático de Direito. Incalculável é o valor de uma vida salva por uma decisão judicial, que determinou, por exemplo, o internamento de uma criança em risco e que, por ser pobre, não tinha acesso ao serviço de saúde.

Segundo os dados do CNJ:

Em um universo de 22.256 cargos de magistrados, apenas 16.429 (74%) estão providos, ou seja, mantida a produtividade média de 1.564 processos por magistrado, com o provimento desses cargos, poderíamos ter um acréscimo de 11,8 milhões de processos.

O grande gargalo continua sendo o processo de execução, em especial, cerca de 42 milhões de processos são execuções fiscais, feitos que, quando não encontrados os executados ou quando não há bens, os processos permanecem suspensos sem que o magistrado possa adotar outra postura senão aguardar… e o estoque aumenta a cada ano.

Mesmo com todas as dificuldades na área de execução, percebe-se que nas execuções não fiscais – com dados do sistema BacenJud – houve a expedição de 4,3 milhões de determinações de bloqueio de valores, resultando em R$ 24 bilhões de reais em ativos bloqueados – situação que demonstra a intensa atividade dos magistrados.

De pronto, é necessário que haja:

• estímulo às formas de solução extrajudicial de conflitos, tais como conciliação, mediação e arbitragem;
• aperfeiçoamento da atuação das Agências Reguladoras de Serviços Públicos, de modo a se evitar que muitas questões relativas à prestação de serviços cheguem ao Judiciário;
• incremento da edição de Súmulas Administrativas por parte da Advocacia-Geral da União (AGU), de modo a não mais se dar seguimento a questões pacificamente decididas pelo Judiciário;
• racionalização da legislação processual, tendo em vista que o exagerado número de recursos e incidentes postergam a solução definitiva dos litígios, situação que não pode ser imputada aos magistrados, considerando que essa pletora de recursos está prevista em lei;
• adequadas condições de trabalho, muitas vezes comprometidas em face das constantes restrições orçamentárias e do desequilíbrio de meios e de pessoal entre a primeira e a segunda instância;
• melhor tratamento das questões “puramente de Direito” nos processos seriais (repetidos aos milhares), a fim de que possam ser decididas de forma mais célere, de modo a se evitar a repetição de inúmeras ações com o mesmo questionamento jurídico;
• desjudicialização das execuções fiscais;
• extinção da Competência Delegada em relação às Ações Previdenciárias e Executivos Fiscais, que tanto sobrecarregam a Justiça Estadual, sem qualquer compensação pelos recursos materiais e humanos despendidos;
• monitoramento das causas que ocasionam repetidas ações judiciais; e
• criação de um Gabinete de Ação Integrada, que promova uma sinergia entre os Três Poderes, de maneira a adotar prontas e eficazes medidas em prol de uma Justiça mais célere e próxima ao cidadão.

JC – No ano de 2008, o senhor atuou como juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça. Apoiado nessa experiência junto ao CNJ, o que evoluiu nas propostas e ações daquele Conselho em relação ao planejamento estratégico do Poder Judiciário?
JBF – O Judiciário tem bem clara a sua responsabilidade social quanto à prestação jurisdicional efetiva, transparente e de resultados.

Assim, com vistas à eficiência, optamos pela especialização em determinadas áreas, de forma que temos ao lado dos tribunais superiores, a justiça comum dual (federal e estadual), a especializada em três ramificações (trabalhista, eleitoral e militar), cada uma estruturada em diferentes instâncias.

Com o fito de consolidar uma política judicial única para todos os segmentos do Judiciário, em 2005, surge o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como órgão administrativo maior do sistema judiciário nacional, visando ao seu aperfeiçoamento por meio da elaboração de planejamento estratégico, orientações e metas, quanto à gestão do serviço jurisdicional.

O objetivo maior do CNJ deve ser propiciar o ambiente adequado para que Tribunais e Juízes possam melhor desenvolver a sua função, que é “entregar a cada um o que lhe é de direito” e, assim, além de estabelecer metas de desempenho, criar condições e meios para a melhor prestação de serviços à comunidade.

Hoje, passados 10 anos da instituição do CNJ, o Judiciário possui uma política-compromisso focada no aperfeiçoamento de seus serviços para melhor atendimento das necessidades do grupo social, com o estabelecimento de mecanismos para a devida prestação de contas de sua atuação (Accountability).

Assim, desde 2007, eu participo de grupos de trabalho no CNJ. Em 2008, a convite da Ministra Presidente Ellen Gracie, integrei a equipe de Juízes Auxiliares da Presidência do Conselho e pude constatar avanços fundamentais, como o início do Processo Eletrônico, a criação da uniformização de tabelas, classes e movimentos processuais (fundamentais para o planejamento estratégico e gestão de processos), bem como o processo de criação de quadros próprios no CNJ e maior integração com a sociedade, com destaque para a campanha nacional “Conciliar é Legal”.

Na sequência, na função de Juiz Auxiliar da Presidência do Superior Tribunal Militar, o marco foi a aprovação do Planejamento Estratégico do STM, a criação do Relatório JMU em números, a criação da Ouvidoria e do Centro de Estudos Judiciários da Justiça Militar da União (CEJUM).

Atualmente, na condição de Ministro do STM, eu exerço a honrosa função de Patrono do Planejamento Estratégico da JMU, com a missão de aperfeiçoar os nossos serviços, estabelecendo metas e meios para a prestação de melhor serviço ao cidadão.

JC – Quais os cases de sucesso que o senhor destacaria, em se tratando de prestação jurisdicional na esfera da conciliação? A conciliação pré-processual é um caminho que vai se consolidar e ajudar o Judiciário a se desafogar?
JBF – O estímulo da prática da conciliação e a divulgação de métodos autocompositivos significa proporcionar uma tutela jurisdicional mais efetiva. Sobretudo, reflete a postura de um Poder Judiciário preocupado com a harmonia social e com a realização do bem comum, o que vai ao encontro da finalidade maior do Estado Democrático de Direito.

A observância das medidas conciliatórias propicia maior rapidez na pacificação dos conflitos e não apenas a solução da lide, com resultados sociais expressivos e reflexos significativos na redução do número de processos judiciais.

Somente quando as partes não conseguem chegar a um acordo, aí sim, deve-se utilizar a forma impositiva. Por isso, a conciliação deve ser incentivada e utilizada no processo, funcionando como verdadeiro filtro.

Com a redução de processos conclusos para sentença, o Juiz disporá de mais tempo para se debruçar sobre causas que efetivamente necessitem de sua função técnica.

Trago uma experiência que implementei, no início da década de 1990, quando exercia a magistratura estadual em Pernambuco.

Ante centenas de execuções movidas por entidades bancárias, em razão de dívidas contraídas por agricultores, a ideia foi instituir uma fase de conciliação nos Embargos à Execução.

Vários acordos foram firmados com a diminuição substancial das dívidas e/ou parcelamento, de modo a manter a atividade econômica e o sustento de inúmeras famílias.

Digna de nota é a conciliação pré-processual, experiência que pude presenciar na Seção Judiciária do Distrito Federal, na qual a Justiça Federal consegue elevados índices de conciliação, antes mesmo do processo chegar às Varas Federais.

Importantíssimo o movimento iniciado pelo CNJ em 2006, sob a presidência da Ministra Ellen Gracie, que resultou na campanha “Conciliar é legal”, que se repete até hoje em todos os ramos do Judiciário.

Mesmo na condição de Ministro do STM, na Semana da Conciliação em 2014, tive a feliz oportunidade de sentar à mesa de conciliação e participar de várias audiências de conciliação no âmbito da Justiça Federal em Brasília.

Acesso à Justiça não é, necessariamente, acesso ao Judiciário. Assim, alvissareira é a criação, pelo Ministério da Justiça, por iniciativa da Secretaria de Reforma do Judiciário, da Escola Nacional de Mediação e Conciliação (Enam), com a finalidade de oferecer capacitações e cursos presenciais e à distância, em técnicas de mediação, conciliação, negociação e outras formas consensuais de solução de conflitos.

Confirmando a sinergia interinstitucional, Judiciário, Legislativo e Executivo somam esforços para o aprimoramento dos institutos e procedimentos na área de Mediação (Projeto de Lei no 405/2013) e Arbitragem (Projeto de Lei no 406/2013), ambos em tramitação no Senado Federal, sob a relatoria do Senador Vital do Rêgo.

Da mesma forma, as tratativas entre o Judiciário e o Executivo (Ministério da Educação) para a inclusão, nos currículos dos cursos de Direito, como matéria obrigatória, a disciplina Técnicas de Conciliação e Mediação.

Precisamos de mudança cultural para fugirmos desta caótica cultura do litígio, em direção à valorização do diálogo e das soluções autocompositivas, de preferência, sem a necessidade de ações judiciais.

JC – Entre os atributos de valor do Poder Judiciário para a sociedade, estão acessibilidade e celeridade. Como trabalhar nessas duas frentes, simultaneamente, já que ao promover o acesso do cidadão às suas instâncias, algo garantido na Constituição Federal, o Judiciário abre suas portas de entrada, mas não pode dar garantia de celeridade pelo excessivo número de demandas?
JBF – Essa explosão de demandas judiciais caracterizou-se como afirmação da cidadania. Desde a promulgação da Constituição de 1988, quando o número de processos ajuizados multiplicou-se em mais de 80 vezes, o número de juízes chegou apenas a quintuplicar (4.900 Juízes em 1988 e 16.429 em 2013).

É sem dúvida a alta litigiosidade conjugada com a não utilização ou pouca utilização de meios alternativos de solução de litígios (conciliação processual e pré-processual, mediação e arbitragem) ocasiona demora na prestação jurisdicional, o que leva a não solução do caso, em tempo razoável, não por falha do Poder Judiciário, que já atua no seu limite; não por que o cidadão não deva buscar os seus direitos, mas porque esse modelo de judicialização imediata dos conflitos chegou a sua exaustão.

Dessa forma é que deveriam ser criadas, onde ainda não existem, Câmaras Setoriais de Composição ou algum instrumento semelhante, voltadas à solução dos conflitos antes do acionamento da máquina judicial, equacionando, assim, as lides.

JC – O senhor é Ministro de um Tribunal Superior e é professor universitário. Além disso, é membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e do Instituto de Ciências Penais. Nos macrodesafios 2015-2020 também se tem como tendência atual a melhoria do sistema criminal. Como o senhor avalia esse sistema nos dias de hoje? O que está no rumo certo e o que precisa ser melhorado com urgência e em médio prazo?
JBF – Criminalidade se enfrenta com política criminal definida e compartilhada pelos agentes públicos que atuam na área. Trata-se de uma questão nacional e diz respeito a todos os brasileiros. O enfrentamento desse grave problema depende da atuação firme e articulada do Legislativo, Executivo e Judiciário e mesmo de toda a sociedade.

Não há dúvida de que a questão da Segurança do Estado está hoje imbricada com a Segurança Pública, pois a droga que passa pelas fronteiras é a que destrói famílias, e as armas que por lá são traficadas aniquilam destinos.

A criminalidade é multifatorial. A falta de acesso a serviços públicos cria um “caldo de cultura” propício ao ilícito, muito pela falta da sensação de pertencimento.

Nas palavras de Gilberto Dimenstein, “baixo capital humano (pouca educação) gera baixo capital social (frágeis redes de solidariedade entre os indivíduos), que explica, em boa parte, por que ainda somos tão desiguais e tão violentos”.

Sobretudo, é necessário um correto e direto enfrentamento da questão, sem escapismos ou radicalismos.

Flexibilizar as sanções penais para se ter um leque que possibilite uma resposta mais proporcional é um “bom caminhar”.

Discriminalizar porque as “prisões” são “masmorras” é escapismo e leva à impunidade. Se comete crime deve ser sancionado. Não tolerar o crime não significa dizer que a única resposta seja a prisão.

Se, por um lado, o Judiciário não pode precipitar suas decisões em decorrência do clamor popular, impaciência e indignação da vítima ou interesses eleitorais momentâneos, não é razoável deixar de dar a adequada e proporcional resposta às infrações cometidas.

Faz-se necessário maior estímulo à conciliação no ambiente criminal, o que permitiria a dedicação de esforços maiores aos processos em que a conciliação não fosse possível, de modo a destravar a máquina judiciária.

Esses mecanismos avançam no mundo com diversas denominações, a saber: pattigiamento, na Itália, plea bargaining, nos EUA, e bagalellisation, na França; além da transação penal e suspensão condicional do processo, no Brasil.

Poderíamos avançar mais nesse campo, com algumas alterações na Lei dos Juizados Especiais (Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995), por exemplo – de lege ferenda:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 2 (dois) anos, mesmo quando presente causa de aumento de pena, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou tenha sido condenado por outro crime doloso, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
Art. 89-A. Mediante proposta do Ministério Público, na qual deverão constar as condições, poderá ser negociada a aplicação da pena privativa de liberdade cabível:
I – nos crimes praticados sem violência ou grave ameaça, com redução de um a dois terços;
II – nos demais crimes, com redução de um sexto a um terço.
Parágrafo único. A negociação deverá ocorrer sempre na presença e com a aprovação do advogado ou defensor público.

Assim, creio que poderemos ampliar o âmbito de atuação dos Juizados Especiais, incrementar a aplicação das penas alternativas à prisão e incentivar a implantação do modelo APAC no Sistema Penitenciário Nacional.

Em outro giro, é preciso dotar as nossas unidades jurisdicionais de meios e pessoal especializado para o enfrentamento da macrocriminalidade. Enquanto a microcriminalidade é a criminalidade visível, não organizada e que diz respeito aos delitos comuns, que ocorrem diariamente em todas as classes sociais, a macrocriminalidade é o crime organizado, verdadeiras sociedades delinquenciais que combinam pessoas, capitais e tecnologia para a consecução de determinados fins, sob a direção de um chefe.

No mesmo diapasão, a questão do processamento e julgamento nas questões tocantes à corrupção e à improbidade administrativa, uma vez que “sangram” o Erário e a confiança da população no Poder Público, comprometendo a plena execução das políticas públicas.

Por fim, jamais esquecer que o Judiciário é um órgão de Justiça. Não deve ser instrumento de perseguições ou palco midiático, mas, sim, um preservador dos direitos e das garantias comuns a todos, de modo a julgar de forma imparcial, condenando ou absolvendo, conforme as provas carreadas aos autos, à luz da Constituição e das leis vigentes no País.

JC – Qual a sua posição quanto às infrações violentas ou continuadas praticadas por adolescentes? Rebaixar a maioridade penal seria a solução?
JBF – Valho-me da minha experiência na Vara da Infância e Juventude, em Belo Horizonte, em meados da década de 1990. Algumas alterações podem ser feitas no Estatuto da Criança e do Adolescente, no sentido de dar maior efetividade, sobretudo nas infrações violentas ou continuadas praticadas por adolescentes.

Consideremos um adolescente que praticou uma infração reveladora de extrema periculosidade e que seja imperiosa a sua internação. Submetido a sucessivas perícias semestrais, devido ao intenso risco que representa, mesmo assim, será desinternado, porque embora o § 2o do art. 121 daquele Estatuto expresse que a medida não comporta prazo determinado, o parágrafo 3o, em total contradição, é imperativo, determinando a liberação completados três anos de internação.

Esse entendimento têm gerado tratamentos incompletos, até mesmo verdadeira impunidade, avolumando-se o envolvimento dos adolescentes em condutas graves, como o latrocínio, o homicídio e o estupro.

Esses fatos têm levado a população de nosso país a desacreditar no Estatuto da Criança e do Adolescente e, até mesmo, grandes juristas e doutos magistrados.

Finalmente, impõe-se ressaltar que a internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto, obedecida a rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração (art. 123). Exceto quando haja expressa determinação judicial em contrário, constitui-se direito de o adolescente ver deliberado pela equipe técnica da entidade a possibilidade de realizar atividades externas.

Melhor será a extensão da aplicação da medida de internação – em vez da liberação compulsória aos 21 anos – para o limite de 25 anos, em estabelecimento adequado, observadas as peculiaridades quanto à gravidade da infração, bem como as naturais diferenças físicas e psicológicas entre o adolescente e o jovem adulto.

Da mesma forma, o prazo máximo de aplicação da medida de internação – de lege ferenda – poderá ser superior a três anos, conjugando-se com o limite anterior (liberação compulsória aos 25 anos de idade e não mais aos 21 anos de idade).

Assim, escapando dos excessos – uma vez que ineficientes –, seja o protecionismo exarcebado, seja a extremada sanha punitiva: Educar… Encaminhar não é sempre “passar a mão na cabeça”, muito menos é esquecer (ou esconder) o “problema” em uma cela… De nada adianta a transferência do adolescente para o sistema carcerário com déficit de 84,9% de vagas (Ministério da Justiça, 2012).

Sobre o alegado aliciamento de adolescentes para a prática de crimes, deve-se frisar que nada impediria que adultos continuassem a aliciar adolescentes e crianças mais novas para que respondessem por seus crimes, a enfraquecer ainda mais o argumento.

Reduzir a idade penal não irá solucionar o problema da violência urbana e criará outros, tais como o aumento da população carcerária e a submissão de adolescentes, já estigmatizados, ao convívio com criminosos.

JC – O novo planejamento estratégico nacional institui a governança judiciária. Trata-se de política de implantação e monitoramento de estratégias flexíveis e aderentes às realidades regionais e próprias de cada segmento de justiça. Para o senhor, a justiça praticada nas capitais é, de algum modo, mais eficiente do que a justiça prestada no interior do país? Esse questionamento não se refere à competência de magistrados e servidores, mas, sim, às estruturas físicas e tecnológicas que dão sustentação à entrega da prestação jurisdicional.
JBF – Há histórica destinação privilegiada de recursos orçamentários para a segunda instância, em detrimento da primeira.

De acordo com o Relatório Justiça em Números de 2013, 90%, dos 92,2 milhões de processos que tramitaram em 2012, estavam no primeiro grau. Some-se a isso o fato de a taxa de congestionamento nas varas ser 56% superior ao registrado nos tribunais.

Apesar de a carga de trabalho dos magistrados de primeira instância ser 93% superior à de segundo grau, o número de servidores por magistrado de segunda instância é 15% superior: 14 servidores, por juiz, no segundo grau e 12 no primeiro.

A própria Corregedoria Nacional de Justiça, em inspeções realizadas, diagnosticou e apontou a desproporção de servidores entre o primeiro e o segundo grau, como também de cargos em comissão e funções gratificadas.

Com essa percepção, há necessidade de valorização do primeiro grau. Os Presidentes e Corregedores dos tribunais brasileiros, reunidos no VIII Encontro Nacio­nal do Judiciário, aprovaram compromisso público, materializado na diretriz estratégica de aperfeiçoar os serviços judiciários de primeira instância e equalizar os recursos orçamentários, patrimoniais, de tecnologia da informação e de pessoal entre o primeiro e o segundo grau, para orientar programas, projetos e ações dos planos estratégicos dos tribunais.

O Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução no 194, de 26 de maio de 2014, que trata do tema. Tornar realidade esta política de valorização do primeiro grau é resgatar a efetividade da justiça e garantir o exercício da cidadania.

JC – Ao final, e dando sentido a tudo que se almeja com o Planejamento e Gestão: qual a relação entre Justiça, Democracia, Desenvolvimento e Cidadania?
JBF – O desenvolvimento tem de estar relacionado com a melhoria da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Ver o desenvolvimento como expansão de liberdades substantivas conduz ao entendimento de que, com oportunidades sociais adequadas, os indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio destino, sendo agentes e não somente beneficiários passivos de programas de desenvolvimento. O desenvolvimento humano é o real e efetivo desenvolvimento. É aquele que fica e justifica a ação e edifica uma Nação.

Em sentido lato, a Justiça objetiva ambiente de desenvolvimento das potencialidades humanas, garantindo a cada um o que lhe é de direito, especialmente, o Futuro.

Os brasileiros precisam da Justiça todos os dias de suas vidas. Sem Judiciário forte e independente, não há direitos resguardados; não há verdadeiro Estado Democrático de Direito.

A eficiência é um inafastável consectário daquele juramento que fizemos de distribuir Justiça e Paz… condições fundamentais ao nosso Desenvolvimento.

A paz social não pode ser uma mera ausência de violência obtida pela imposição de uma parte sobre as outras. Tampouco é a ausência de conflito… O conflito não pode ser ignorado ou dissimulado: deve ser aceito. Mas, se ficarmos encurralados nele, perdemos a perspectiva, os horizontes reduzem-se e a própria percepção da realidade fica fragmentada.

Quando paramos na conjuntura conflitual, perdemos o sentido da unidade profunda da realidade.

Este nosso Brasil, marcado por profundas desigual­dades sociais e regionais, deve construir novo horizonte para as políticas de desenvolvimento, em que o objetivo de crescimento econômico necessariamente se associa à mobilização cívica, à cooperação, à valorização das identidades locais e regionais e à inclusão participativa de amplos setores da sociedade.

Justiça é condição primordial para a Paz e o Desenvolvimento. O Direito é um instrumento de Paz e Justiça. Reduzi-lo a pura técnica é apequená-lo, é entristecê-lo, uma vez que não compreendido em sua natureza…

Buscar os seus fins (Justiça e Paz) sem técnica, planejamento e gestão é frustrá-lo na realização de seus ideais… Por isso, ao fim e ao cabo, o que planejamos e “utopicamente” realizamos a cada ato? A construção diária de um mundo mais justo e solidário…