Muita gente estranhou as condições excepcionais com que foram brindados Joesley Batista e Ricardo Saud, dono e executivo da JBS, quando resolveram fazer o acordo da delação premiada, o qual balançou os alicerces da República. Mesmo confessando um rosário de crimes de lesa-pátria, saíram premiados com uma inacreditável e inédita imunidade penal como nunca se viu na história deste país, que lhes permitiu, até, passe livre para o exterior, a fim de gozar dos luxos negados ao comum dos mortais.
Os negócios dos irmãos Batista, segundo voz corrente, tiveram crescimento, digamos assim, diferenciado, nos últimos anos. Agora se sabe como isto, provavelmente, se deu. No áudio que veio a público, Joesley se jacta de ter corrompido quase todos os políticos e partidos do Brasil, revelando outros detalhes do que fez e do que iria fazer, para escapar impune, não bastasse o quadro de balbúrdia institucional e de ruína nacional que ajudou a causar.
Há, todavia, um velho e conhecido ditado, segundo o qual “o malandro demais se atrapalha”. E tal aconteceu com o delator, que inadvertidamente gravou a si próprio, em diálogo com seu interlocutor, revelando detalhes de como comprometeriam meio mundo, como jogariam “bombas” no Executivo, no Legislativo e no Judiciário e, no fim, acreditavam, escapariam ilesos. Envolveram e causaram danos irreparáveis por meio de assessores ou interpostas pessoas, ao trabalho do Procurador Geral Rodrigo Janot e da PGR. Pegos em flagrante, em sua defesa, disseram tratar-se aquelas inconfidências, de “conversa de bêbados”…
Não há, infelizmente, outro caminho, a não ser a anulação do acordo de delação premiada e a adoção de todos os rigores da lei, aplicados em indivíduos e casos análogos, também aos dois. Tudo o que disseram e tudo o que apresentaram, salvo melhor juízo, perdem por completo a credibilidade, a não ser que, cum grano salis, sejam secundados por novas provas, submetidas ao crivo rigoroso do contraditório e ao filtro da prudência. Afinal, de outro lado, deve-se observar o princípio da presunção de inocência de eventuais acusados.
Tudo, no entanto, até as piores coisas, podem servir de lição. Hoje em dia, e é difícil discordar, o instituto da delação premiada passou a ser o principal instrumento de combate ao crime organizado, mas isto não deveria ser assim. Parece esquizofrênico que, em essência, o direito penal vede a autoincriminação, mas a delatio passe a ser um mecanismo utilizado de forma rotineira e, percebe-se, agora, pouco criteriosa.
É que, vendo a facilidade, aqueles que se encontram enredados nas teias da lei, podem muito bem pensar e agir para obter vantagens indevidas, como deflui deste último episódio. A ousadia, neste mesmo caso, foi longe demais, porém, com a citação da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), magistrados cuja probidade é de todos amplamente reconhecida, os quais reagiram, como deve ser, com notas e pronunciamentos em que repudiam as acusações, avançando os boquirrotos, ainda, contra os ministros João Otávio de Noronha e Napoleão Maia, igualmente do Tribunal da Cidadania. O objetivo evidente era desmoralizar os poderes da Nação.
Alguém já disse, com irreverência e desalento, que “a única coisa que se organiza no Brasil é o crime”. As autoridades, policiais, judiciais e o Ministério Público, no geral, têm feito um ótimo trabalho, que desmente aquela afirmativa. Não se pode deixar que açodamento, deslizes ou mentiras, no entanto, maculem ou interrompam o processo histórico de limpeza ética pela qual, induvidosamente, passa o nosso país.