O incidente de resolução de demandas repetitivas e a advocacia de teses vinculantes

19 de outubro de 2015

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Adriana_AncelmoAssola, hoje, o nosso Poder Judiciário, o assombroso número de cerca de 100 milhões de processos. Esse dado demonstra o alto grau de litigiosidade da sociedade, gerando, consequentemente, a impossibilidade de o nosso sistema garantir uma prestação jurisdicional adequada em tempo razoável. 

Apesar do número estratosférico, o que se percebe é que boa parte dos casos em trâmite tratam de questões idênticas de direito. Essa situação decorre da sociedade de massa em que vivemos, na qual os produtos e serviços são distribuídos de maneira padronizada e seriada.

Entretanto, o Código de Processo Civil de 1973 não foi pensado para litígios massificados. Nele, não há previsão alguma que permita julgamento conjunto de tais conflitos, que acabam por ser julgados de forma individual.  

Nem mesmo as ações coletivas conseguem tutelar todos esses diretos, por se tratar, no mais das vezes, de direitos individuais em sua origem, além da questão da limitação territorial e subjetiva da coisa julgada e da ausência de suspensão das ações em curso.  

Cria-se, com isso, um clima de instabilidade e insegurança jurídica, que é exatamente o que o novo diploma legal visa combater. 

Entre os inúmeros instrumentos trazidos pelo novo CPC, destaca-se o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), previsto nos artigos 976 a 987, que visa contingenciar os litígios seriados, dando-se resposta rápida, adequada e isonômica às causas repetidas.

O incidente, que será instaurado perante o tribunal, a partir de um ou mais processos-modelo, abordará todos os argumentos relacionados ao tema em debate, podendo ser suscitado por qualquer um dos legitimados (Desembargadores, Juízes, Membros do Ministério Público e da Defensoria Pública, além das partes envolvidas). 

Considerando a ausência de previsão no Novo Código quanto aos procedimentos no julgamento do Incidente, parece que os respectivos Tribunais normatizarão por meio de seus Regimentos Internos.

 A decisão que receber o Incidente determinará, desde já, a suspensão de todos os processos que versem sobre a matéria de direito em discussão no âmbito de jurisdição do respectivo tribunal, até a decisão final por parte do órgão julgador.  

Sobre esse ponto, é de extrema relevância pensar sobre a criação de Seções Especializadas para julgamento das questões a serem definidas por meio do IRDR, a fim de aprimorar o julgamento da ratio decidendi, que deverá orientar todas as demais causas repetidas. 

Vale destacar que os impactos dessa decisão são inestimáveis, pois inúmeros processos serão por ela atingidos e permanecerão suspensos até a definição da tese jurídica. 

Outro ponto a ser considerado é a suspensão parcial dos processos, com o prosseguimento do feito no que se refere aos demais pontos não englobados pelo incidente ou que, com ele, não tenham relação de prejudicialidade. 

Esse entendimento atende aos princípios informadores do próprio sistema, em especial a celeridade, não havendo justificativa plausível para a suspensão da análise de todos os pedidos cumulados na hipótese de instauração do IRDR relativo a um único ponto do processo.

No exame da admissibilidade, o tribunal verificará a presença dos requisitos necessários à instauração do incidente e se há conveniência de se fixar a tese jurídica para os casos repetitivos, com a elaboração da decisão paradigma. 

Admitido e instaurado o IRDR, deverá ser permitida a plena participação dos potencialmente afetados e de eventuais entidades interessadas, na qualidade de amicus curie, respeitando-se o contraditório participativo por meio do direito de influência. 

As partes que tiveram seus processos suspensos ante a instauração do incidente poderão nele intervir, fazendo-o na condição de assistentes litisconsorciais, exatamente pelo fato de que a questão jurídica lhes diz respeito e estes poderão ser atingidos diretamente pelos efeitos da decisão do incidente, que tem força vinculante. 

Por sua vez, poderão intervir como amicus curie as entidades públicas ou privadas que desempenhem atividades de alguma forma relacionadas. Na qualidade de auxiliar da corte, sua atuação tem por objetivo apresentar argumentos, dados e elementos que contribuam para a justiça da decisão. 

O Código prevê, ainda, que sejam dadas ampla publicidade e divulgação específica, mediante registro eletrônico no sistema junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não só da instauração, como, principalmente, do resultado do julgamento dos incidentes.

Nesse sentido, seria salutar a criação, pelo CNJ, de um cadastro nacional dos incidentes de resolução de demandas repetitivas, de modo a permitir aos Órgãos do Poder Judiciário e à sociedade em geral o amplo acesso às informações relacionadas à existência e ao julgamento em cada um dos Estados Federativos. 

Vale destacar que, seguindo o entendimento jurisprudencial que vem sendo aplicado para os casos de recurso representativo de controvérsia (arts. 543-B e 543-C do CPC/73), a desistência ou o abandono da causa afetada como paradigma não impede o prosseguimento do incidente, com o exame de seu mérito. 

Além disso, os julgamentos oriundos do IRDR apreciarão todos os pontos capazes de influir na formação do precedente a ser fixado. 

Isso ajudará, até mesmo, na hipótese de eventual superação do precedente firmado no incidente (overruling), a ser feito por meio de pedido substancialmente fundamentado, demonstrando-se os motivos idôneos para a modificação do entendimento. 

Após o julgamento, as teses jurídicas firmadas serão aplicadas a todos os processos individuais e coletivos que versem sobre a mesma matéria e que tramitem no âmbito do tribunal. 

A decisão proferida no IRDR será um paradigma a ser adotado para todos os diversos casos repetitivos que discutam a mesma tese de direito, em trâmite no âmbito da competência territorial do tribunal. Trata-se de verdadeiro leading case, que fundamentará o julgamento de todas as demais ações embasadas em questões idênticas.

São inúmeras, portanto, as consequências oriundas do julgamento da questão pelo IRDR, valendo destacar, por relevantes, a possibilidade de julgamento pela improcedência liminar do pedido, a concessão de tutela de evidência e, ainda, o cabimento de reclamação na hipótese de descumprimento da tese determinada pelo precedente. 

É clara, portanto, a intenção do legislador de fortalecer os precedentes, com o julgamento de tese jurídica generalizável e abstrata, com força vinculante, no intuito de salvaguardar os interesses sociais e econômicos, sempre em atenção às garantias do processo justo.