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O novo código civil e a posse

5 de setembro de 2004

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O artigo 1.696 do Código Civil dispõe:

“Considera-se possuidor todo Aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade”.

O conteúdo do artigo 1.96 consubstancia a doutrina objetivista da posse.

O seu construtor, RUDOLF VON JHERING, em “O Fundamento dos Interditos Possessórios”, escreveu:

“Passo agora à exposição da minha própria opinião.

Eu a resumo na seguinte proposição: A proteção da posse, como exterioridade, é um complemento necessário da proteção da propriedade, uma facilidade de prova em favor do proprietário, que necessariamente aproveita também ao não proprietário. A posse é o exercício da propriedade, é a propriedade presumida, possível, em começo está em relação constante com a propriedade.

A proteção da posse é um postulado da proteção da propriedade, é o complemento necessário do sistema de propriedade entre  os romanos.

Menos que qualquer outro, me disponho a considerar a propriedade como a única justificação prática ou lógica da relação do homem com as cousas; acho, porém que desde o momento que tal sistema vigora, a proteção da posse é um complemento indispensável”.

Ressalte-se, que o capitalismo clássico do século XIX repousa sobre um número de princípios fundamentais:

a) o principio da propriedade privada;

b) o princípio da liberdade econômica;

c) o princípio da hereditariedade.

O professor português, Fernando Luso Soares, em “ A COMO FENÔMENO SOCIAL E INSTITUIÇÃO JURÌDICA”, assevera:

“ Pobre “autonomia” da posse, a descoberta pelo investigador em JHERING, tal como já fora em SAVIGNY!

Neste último, uma autonomia frustrada mercê da interferência do animus domini ; em JHERING, uma autonomia confirmativa de que a “regra é, para célebre autor de A vontade na posse, uma declarada sujeição”.

Essa doutrina sobre a posse reflete o individualismo, o egoísmo notórios das fases iniciais do desenvolvimento capitalista.

Com o passar do tempo, novas idéias sociais vieram mudar a visão de mundo e a    ação dos seres humanos, historicamente.

No que concerne à doutrina sobre a posse, na direção histórico-evolutiva e sociológica, SALEILES estabelecem a autonomia social e econômica da posse.

O jurista espanhol ANTONIO HERNANDEZ GIL, “ A POSSE”, afirma que:

“ A função social da propriedade deixou de ser somente uma atitude ideológica, para integrar-se no conteúdo normativo conformador da instituição, até o ponto de hoje ostentar o estado de preceito constitucional.

Não ocorre o mesmo com a posse, que tem, sem embargo, um significado social mais profundo.

Sustenta, então, enfaticamente o professor Hernandez Gil:

“A função social da posse faz parte de seu próprio ser; é um, elemento definidor, não algo que se justaponha.

A densidade social que tem como pressuposto reaparece quando nos perguntamos pelos fins a que serve.

Por meio da posse encontramos sempre a pessoa no âmbito de seus contatos com o mundo exterior.

Como são indispensáveis as relações entre as pessoas, igualmente torna indispensável o uso e a utilização dos bens.

A função social da propriedade privada é uma limitação ou corretivo desta.

Quanto à posse é parte de seu próprio modo de ser e de s realizar.

É inimaginável qualquer modelo de sociedade em falte a posse, porque ela está a serviço  das grandes exigências de todo ser humano, que são a necessidade e a liberdade”.

A doutrina moderna sobre a posse, por isso, enxerga nela “o seu aspecto único, decisivo e verdadeiramente essencial: o de serviço”.

Dessa forma, diz o professor Fernando Luso Soares, que “a posse se liga à idéia de valor de uso”.

Escreve ele:

“ A atitude autonomizadora da posse até nem é uma novidade histórica, ao contrario do que muito boa gente  podia ser levada a pensar.

Em Roma, por exemplo, já ULPIANO de certo modo a assumia ao declarar que separata esse debet possessio a proprietate”

O Dr. Joel Dias figueira Júnior, “ A POSSE E AÇÕES POSSESSÓRIAS”, define a posse como fato potestativo sócio-econômico.

Ensina ele que “a posse é uma situação fática com carga potestativa que, em decorrência da relação sócio-econômica formada entre um bem e o sujeito, produz efeitos que se refletem no mundo jurídico”.

Leciona, pois, o dr. Figueira Jr., que a “posse não é exercício do poder, mas sim o poder propriamente dito que tem o titular da relação fática sobre determinado bem,, caracterizando-se tanto pelo exercício como pela possibilidade de exercício”.

O Brasil é um país continental, com problemas fundiários e agrários históricos e não solucionados ainda.

Daí a necessidade imperiosa, ante a moderna doutrina sobre a posse, de se revisar e de se reescrever o que contém o artigo 1.196 do Código Civil, para adapta-lo à evolução histórica, social e econômica desse instituto fundamental ao desenvolvimento humano e à sua dignidade.

O Dr. Joel Dias Figueira Júnior sugere a seguinte redação para o citado artigo 1196:

“Considera-se possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência sócio-econômico, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determinado bem da vida, que se manifesta por meio do exercício ou da possibilidade de exercício inerente a propriedade ou outro direito real suscetível de posse”.