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O PAÍS QUER MUDANÇAS JA!

5 de junho de 2003

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Trechos do discurso do Presidente da OAB, Dr. Rubens Approbato Machado na posse do Presidente do Supremo Tribunal Federal

“Permitam-me Vossas Excelências, com a magnanimidade e a compreensão de magistrados tão acostumados ao discurso da controvérsia e ao livre em bate das idéias, usar o espaço concedido, neste solene momento, it Advocacia brasileira, para expressar linhas gerais do pensamento da Ordem a respeito do país, no entendimento de que o Poder Judiciário será a instância a que recorrerão os demais Poderes e a sociedade, como um todo, nos conflitos que, seguramente, haverão de se formar ante os inevitáveis e democráticos debates sobre as reformas em curso no Parlamento Nacional.

Comecemos por uma louvação ao estilo da nova administração governamental. É saudável o chamamento da sociedade para colaborar com a gestão, faro que se da por meio da criação e operação dos Conselhos. Entendemos essa nova prática como um estímulo à democracia participativa, um sonho de todas as Nações que desejam aperfeiçoar as esferas de debate e expressão.

A pequena pontuação a que somos obrigados a fazer se refere à necessidade de se restringir as atividades dos Conselhos ao campo das funções consultivas aos cidadãos e grupamentos sociais convidados a participar dos fóruns nacionais de discussão. Faço esta ênfase pela lembrança de que somos freqüentemente levados, em nosso país, a cultuar a pratica de invasão de competências. Seria danoso se esses meios pudessem ser entendidos como forma de co-gestão nas atividades parlamentares.

São saudáveis as iniciativas que primam pelo desejo de promover a inserção social dos contingentes marginalizados, a partir da assistência aos mais carentes, aos famintos. A nossa preocupação, na esteira de um sentimento geral, é a de que políticas públicas para incremento das ações sociais não sejam nem de leve toques cosméticos para melhorar imagem nem eventos que pequem pela improvisada tempestividade. Somos levados a acreditar que esforços extraordinários estão sendo desenvolvidos para garantir permanência e solidez aos primeiros programas em implantação.

No plano mais geral dos grandes desafios, a nossa mais profunda convicção e a de que o país tem claramente definidas as suas alternativas: ou avança no caminho preconizado pelas reformas ou fica onde está, inerte, sofrendo, em conseqüência, sérias ameaças de um retrocesso institucional. A hipótese está amparada na idéia amplamente debatida e difundida de que o país esgotou seus instrumentos de permanência em uma situação que, se lhe confere certa estabilidade circunstancial, particularmente no campo macro-econômico, lhe tira as condições de avançar no rumo do progresso, com sustentação social.

É fato que o novo governo, dentro de uma estratégia de preservar e até aumentar a confiança no pais, com vistas à expansão dos fluxos de capitais internacionais, mantém rígidos controles sobre a moeda.

Mas também e verdade que essa política onera intensamente a estrutura social do país, na medida em que suga ou diminui recursos para investimentos nos servis;os públicos, a partir da saúde, do saneamento básico, dos programas estruturais voltados para a atenuação das desigualdades sociais e para a inserção de milhões de brasileiros, em estado de pobreza, nos espaços do consumo.

É fato que o governo não tem como criar, no curto prazo, políticas avançadas, capazes de conferir a aura mudancista que lhe garantiu a extraordinária vitoria eleitoral.

É fato que o país elegeu um presidente que prometeu substantivar uma democracia esvaziada de conteúdo social.

É fato que o povo votou na esperança de ter uma democracia capaz de influir na distribuição da riqueza, a fim de passar uma borracha na pérfida equação das crônicas desigualdades existentes.

O país quer mudanças, já. Não é mais possível constatar que 25 milhões de crianças brasileiras vivem em famílias cuja renda per capita esta abaixo da linha da pobreza. Ou que 6,3 milhões de crianças estejam fora da escola. Ou que 41 % dos brasileiros não terminem o ensino fundamental, enquanto 73% dos estudantes, acima de 18 anos, não concluem o ensino médio. E que os brasileiros sejam os campeões de repetência na America Latina. Não é mais possível convivermos com essa pérfida radiografia de carências.

A esperança que continua acesa no coração dos brasileiros, e de que a nova administração deva ser dado um tempo para alterar a rota, fazendo os necessários ajustes para adensar os programas sociais e diminuir a carga de pressões que pesa sobre os ombros das classes menos favorecidas.

O povo tem pressa! E a pressa do povo não olha para as circunstancias!

O desemprego está beirando, nas principais regiões metropolitanas do país, a casa dos 20% da População Economicamente Ativa. Atormentam-nos perguntas e perguntas, as quais se esperam rápidas respostas: Quando o país começará a ver, novamente, a abertura de postos de trabalho? Quando a economia ganhara reativação, para se recolocar o parque produtivo nos trilhos?

E quando o país poderá ter os setores produtivos com sua infra-estrutura física plenamente ocupada com a produção?

Além dos problemas expostos, ha outras questões preocupantes, que desordenam e desestabilizam as instituições, gerando insegurança a sociedade.

A violência grassa em todos os espaços nacionais, a partir dos territórios ocupados pelo crime organizado. Quem ainda não se deu conta de que a criminalidade esta arrombando as portas do Brasil, sob as mais diversas formas, na esteira da rapinagem que ainda assola vários níveis da administração pública, do contrabando e tráfico de drogas e de armas, do tráfico de crianças e mulheres, do roubo de cargas, da prostituição juvenil, do trabalho escravo? Quem ainda não se deu conta que, por longos anos, as políticas públicas para a, segurança se apresentaram como arremedos mal feitos, intenções mal alinhavadas, gestos inócuos e atitudes beirando à demagogia?

Urge passar a limpo os corredores dos aparelhos policiais, promovendo-se uma reforma em profundidade em seus corpos, por meio de políticas capazes de recriar os eixos da segurança, que abranjam quadros preparados e qualificados, estruturas aparelhadas, investimentos em inteligência, integração das ações de policia preventiva e ostensiva, redimensionamento da rede carcerária, com uma nova Lei de Execuções Penais, que atenda aos interesses sociais e promova, efetivamente, a recuperação e a dignidade dos seres humanos.

É óbvio que esse conjunto de ações não é suficiente para resolver o problema da criminalidade. Serão, porém, fortes atenuantes para a segurança social, até que políticas estruturais sejam implantadas para combater as causas mais profundas da violência, as suas raízes, a partir das desigualdades sociais, passando pelo sistema educacional, a saúde pública, o desemprego, a reestruturação familiar.

Tememos, ainda, que a unidade federativa seja comprometida pelas desigualdades e disparidades entre os Estados, acirradas por eventuais disposições e medidas impostas pelas reformas previdenciária e tributaria, cujo escopo normativo poderá incorrer em injustiças no plano das considerações sobre peculiaridades como Estados produtores, consumidores e exportadores, características das micro-economias regionais e aspectos geográficos e ambientais, além de abrir precedentes no campo perigoso de violação de direitos fundamentais. As reformas não podem violar as conquistas da cidadania ativa e nem violar os direitos sofridamente adquiridos.

Não podemos deixar de dar ênfase, dentro do ideário da Cidadania, que a Ordem dos Advogados do Brasil preza, prega e luta em prol dos direitos garantidos pela carta Magna.

Reformas são necessárias ao desenvolvimento do país.

Reformas são urgentes para preservar o futuro imediato da aposentadoria, garantindo recursos para pagamento de inativos e pensões, sem onerá-los, defendendo os denominados beneficiários, dentre eles os servidores públicos, a quem se jogam todas as culpas pelas ineficientes e crônicas políticas nesse setor essencial a preservação da dignidade humana.

Reformas são necessárias para fazer o Brasil resgatar o potencial da produção nacional, aumentar os postos de trabalho, diminuir as distâncias entre pobres e ricos.

Reformas, enfim, são imprescindíveis para a melhoria geral da sociedade, para a solidez das estruturas do Estado e atendimento aos compromissos internacionais do Brasil e sua inserção na macroeconomia mundial.

Repito: Uma condição se faz essencial. As reformas, de quaisquer dimensões, em quaisquer setores, hão de preservar os direitos inalienáveis da Cidadania. As reformas hão de preservar o Estado Democrático de Direito. Ou seja, as reformas devem ser feitas sob o império da Lei e da Ordem, do Direito e da Justiça. Sem essa condição, fenecerá qualquer ambição de grandeza, pois não se constrói grandeza sobre o pântano da desordem e abrindo fendas de ilegalidade.

As reformas devem ser discutidas com a sociedade brasileira sem imposições prévias que impeçam a democrática mudança decorrente desses debates.

Reformas sem debates ou inalteráveis não são reformas, são imposições, que uma sociedade efetivamente democrática não aceita.

Nessa moldura se insere a reforma do Poder Judiciário, o qual deve ser forte, respeitado, ágil, eficiente, gerador da paz social.

E, nesse momento, se torna imperativa a menção a uma reforma que gera muito eco nesta Casa: a reforma do Judiciário. As posições da Ordem já foram amplamente divulgadas e são suficientemente conhecidas. Vou poupar-lhes o tempo, deixando de pormenorizar os aspectos que mereceram nossa atenção.

Apenas permaneço nas ênfases.

A reforma do Judiciário se faz necessária por se tratar da chave mestra que abrirá o caminho para a tão ansiada meta nacional: justiça mais célere e mais aberta a todos.

Com todo respeito que merece esse grande magistrado, que é o presidente Marco Aurélio de Mello, ao qual dedicarei, um pouco mais adiante, as homenagens da Ordem, e outros dignos seguidores de seu pensamento, não posso deixar de enfatizar, mais uma vez, neste Templo sagrado da Justiça, que a OAB entende ser rigorosamente necessário o denominado “controle externo do judiciário”, não para usurpar as funções dos Tribunais de Contas e nem para se constituir em um órgão revisor das decisões judiciais. O objetivo desse controle está focado em seus pianos funcional e administrativo. Há de se abrir o Judiciário para expor as causas de determinados fatos negativos, ainda que tópicos e ocasionais, como a negligencia de certos juízes – que não julgam – ou o fazem retardando as soluções das demandas, refratários a cumprimento de prazos. O controle é necessário para se punir desvios éticos, sem que se possa atribuir aos seus membros a pecha de solidariedade corporativa. A Ordem prega a transparência, a celeridade nos julgamentos, bases para se alcançar a tão almejada paz social. O Poder Judiciário e, inquestionavelmente, o sustentáculo da Cidadania, da Liberdade, do Estado Democrático de Direito, não podendo estar sob qualquer suspeita em relação as suas relevantes atividades funcionais. A defesa intransigente do Judiciário é que leva a OAB a defender o seu controle externo.

A OAB, a mostrar que defende o direito ao contraditório, se põe a disposição desta Augusta Corte e de seus novos e excelsos dirigentes, para um debate aberto, a fim de chegarmos a um consenso em torno da reforma tão esperada.”