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O Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas

5 de dezembro de 2016

Presidente do Conselho Editorial e Consultor da Presidência da CNC

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Bernardo CabralO Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas emerge do fundo da história nos termos de uma velha melodia e no instante em que vastos contingentes humanos se manifestam e cantam hino de uma unanimidade de almas, que circunda a vetusta cidade de Lisboa.

Cavaleiro andante que pervagou as longínquas paragens do mundo, à hora em que a luzerna do tempo mal clareava a face da civilização, Portugal avocou a si a sorte exausta de um milionário de léguas, contanto pudesse o europeísmo latino formar, no além-mar, fascinantes patrimônios, ensejando o desfecho de um episódio que determinaria a expansão fantástica da lusitanidade. E dir-se-ia que estava ocorrendo a detonação de uma fatalidade espiritual de proporções notáveis, dando à sociedade ocidental um fôlego de grande extensão, com a hegemonia de um empório geográfico jamais ultrapassado.

Europeus, asiáticos, africanos e agrupamentos autoctônicos passariam a compor uma densa comunidade, de fronteiras super-ampliadas, na dimensão de uma epopeia que abriria na crônica política do globo um espaço extraordinário, a comprovar que o luso é um homem universal. E eis que a intemporalidade da gênese portuguesa instituiu uma originalidade tão própria às belas criações humanas que a óptica do tempo não as exonera da sua severa postura.

Há de considerar-se que as ações de pioneirismo do mapa do mundo, iniciadas com a Escola de Sagres, já se fundavam num embasamento filosófico, porque a Europa, libertada dos martírios contra os cristãos, sedimentou a fé na doutrina de Jesus, em sua ânsia ecumênica. E as missões do Cristianismo se agilizaram, uniformizando o bloco dos servos de Deus.

Passado mais de meio milênio dos feitos das descobertas, fez-se Portugal credor do respeito da imortalidade, onde os expoentes da heroicidade ingressam com o beneplácito da consciência das eras.

Filho de portugueses, e por isso herdeiro, na minha modéstia, da épica grandiosidade da pátria lusa, entendi de ocupar esta Academia para prestar esta homenagem aos portugueses, seus descendentes e aos amigos de Portugal. Isso porque sempre procurei preservar esse honrado legado e sendo cultor de um passado histórico, mais razões tenho para falar sobre a significação de um país que nos induz a uma solene comunhão.

Os veleiros que singraram o oceano, sob a inspiração da Cruz de Cristo, levaram a toda parte o evangelho da civilização, ocupando os vazios demográficos e intuindo a índole das novas gerações que se preparariam para o futuro, nas novas terras colonizadas.

O quadro da Primeira Missa sobre a cerimônia celebrada em Porto Seguro, quando ali aportaram as naus de Cabral – uma produção clássica de Vitor Meireles – sintetiza o ato da estreia de evangelização de Santa Cruz, e, num lance de beleza, revela o sentimento de hospitalidade de nosso aborígene diante da missão lusa que chegava, para a afirmação de uma aliança entre nativos e europeus.

Merece colocado em relevo que, no século XV, quando o Infante Dom Henrique fundara a Escola de Sagres, abrindo as cortinas da era do humanismo, pretendeu, obviamente, instituir uma universidade do mar, com a finalidade de formar navegadores de elevado porte, capazes de saltar os oceanos na busca das terras ignotas, como missionários que iriam cumprir uma expressiva agenda de conquistas, e que – apesar de armados tão somente com o emblema de Cristo – acabaram passando à História como obstinados apóstolos do desconhecido.

Portugal, a mais ocidental das pátrias europeias, já trouxera consigo o compromisso da cintilante vocação para a universidade, razão pela qual não há um contingente do globo em que não esteja assinalada a chegada dos seus veleiros.

A notável comunidade geográfica da Lisboa havia recebido a magnânima benção dos avoengos cristãos. Aí estão o Brasil, na América; Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, na África; DIU, Damão, Goa, Timor, Macau, na Ásia.

Estas missões definiam como ponto fundamental a lusitanização das terras nativas, o que implicaria em ingente tarefa espiritual, de modo a que se instalasse um império linguístico, emoldurado pelos aspectos místicos do Cristianismo e da fé.

É clamorosa injustiça admitir-se que os projetos marítimos de Portugal se tenham submetido ao ri­gor primário de mero aventureirismo. Ao contrário desta infundada suspeição, as cruzadas oceânicas pa­­trocinadas pela metrópole portuguesa deram exe­cução a um fabuloso plano de descoberta, colo­nização e humanização dos grandes vácuos verdes, aos quais definiria Elisée Reclus como “Vazio de Ecúmeno”.

Nem mesmo assim, as procelas das revoltas, das insurreições e das guerras, sequer lograram abrir, entre nós, fraturas idiomáticas ou espirituais. E mesmo que tenham sido estas áreas invadidas e saqueadas pelas hordas piratas, nestas terras não se ergueu o fantasma do babelismo.

Unindo o programa político ao da religião, os antigos supervisores do patrimônio colonial aplicaram as lições do Cristianismo sobre o soberbo colosso sul-americano, que Pedro Álvares Cabral doara ao universo civilizado.

O ciclo das descobertas mundiais ocorreu com a instauração do Renascentismo, instante em que o homem bebeu as lições do humanismo na vetusta vertentes latinas. E enquanto os portugueses pisaram, em terra firme, no litoral amazônico e nas praias do extremo sul, estes amados avoendos nutriram, de forma induvidosa, a convicção de aqui instalar um pólo de civilização tropical, onde as velhas palpitações da raça teriam de conjugar-se com as paixões dos povos autóctones.

O corredor geográfico, partindo de Laguna ao Grão-Pará, e de que tomamos posse com a descoberta de Cabral, não escapou à lei da fatalidade bandeirista de Lisboa. E ultrapassado o Meridiano de Tordesilhas, houve a arbitragem decorrente dos Tratados de Santo Idelfonso e de Madri, que estenderam os nossos domínios territoriais desde as águas atlânticas aos contrafortes da Cordilheira dos Andes.

Vitorioso o Brasil em pendências diplomáticas, já no ciclo da emancipação nacional, com as do Amapá, do Acre e das Missões, formou-se uma contextura telúrica gigantesca, com aproximadamente oito milhões e quatrocentos mil quilômetros quadrados, em que nos incluímos entre os mais vastos países do mundo, com uma dimensão de flora e fauna espetaculosa, a par de uma rede hidrográfica apaixonante.

De outra parte, não faltaram aos portugueses a acuidade política de sustentar uma doutrina de ocupação territorial tática. E destarte, comprovou-se, virtualmente, em todo o país, a presença lusa, apesar de não raras foram as vezes em que ocorreram surtos de penetração estrangeira, pondo em risco a integridade física e política da nação-colônia.

A esta altura, os notáveis estadistas da Lusitanidade, ao longo do tempo, internaram-se nos laboratórios da clássica sociologia política, estudando formas que ensejassem a Lisboa um patrimônio mundial preservado, porque cabia a Portugal sustentar a unidade da língua e do espírito cristão, hoje atributos perpétuos da cultura portuguesa, cujo perfil ético e estético engrandece toda uma tradição peninsular.

O Cristianismo é a bandeira mística do Brasil e o idioma português o seu indestrutível veículo de comunicação secular.

Sim, porque enquanto diversos povos europeus se exprimem num contexto idiomático fracionário, tal a diversificação dos dialetos, operou-se no Brasil o fenômeno da comunhão expressional, envolvendo todas as emoções da raça e a postura do nosso sentimento histórico.

Luis Vaz de Camões – o gênio do pensamento luso – obteve a imperturbável consagração da História. E “Os Lusíadas”, como alto documento da glória ibérica, firmou-se para todo o sempre como o livro da raça, enfeixando as emoções do espetáculo do renascimento, porque ao recolher em sua obra as manifestações transcendentais da civilização do mar, inscreveu-se no mármore do tempo, como um sábio, um gênio, diante dos foros de cultura da humanidade.

Shakespeare, na Inglaterra; Goethe, na Alemanha; Tolstoi, na Rússia; Victor Hugo, na França; Dante, na Itália; Cervantes, na Espanha e Camões, em Portugal, estão consagrados como os sóis da eterna constelação europeia.

E nesta suprema linhagem da inteligência, figura o autor de “Os Lusíadas”, o poeta iluminado que soube escrever para os espaços eternos e o único que viveu e padeceu sob os reflexos de uma glória amargurada. Nem por isso – ou até por isso – deixará a obra camoniana de ser uma verdadeira identidade da índole portuguesa e uma permanente referência de nossa antropologia cultural.

Por tudo isso, o Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas exprime toda a eloquência de uma potencialidade pretérita. E os eventos que se insurgiram como rebentações de luz junto às idades acumuladas, plasmaram a velha imagem de um país que ensinou lições de paz e dignidade à sociedade ocidental.

Ao concluir esta despretensiosa palestra não quero fazê-lo, todavia, sem prestar a minha reverência a todos os bravos portugueses que para cá vieram, no passado, e aos não menos bravos que aqui se encontram, no presente.Finalizo, pois te saudando Portugal eterno… berço dos meus Avós… Pátria dos meus queridos e saudosos Pais… Terra-exemplo para o mundo.

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Texto extraído da palestra proferida em 18/10/16 no clube Ginástico para a Academia Luso-Brasileira de Letras