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O relevante papel do Judiciário no Estado Democrático de Direito

5 de maio de 2002

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Como encerramento de simples e saudável processo interno, que se desenvolve naturalmente, infenso as inglórias disputas de vaidades pessoais, pais contendo em seu cerne a reconhecimento da experiência como fonte legitima de acesso ao poder, desenrola-se a renovação periódica da Presidência do Superior Tribunal de Justiça, nesta cerimônia que expressa, em toda a sua plenitude, a natureza do próprio Poder Judiciário: independente porque se apóia não só em ordenamento jurídico especifico, mas com perspectivas e comportamento próprios, distintos das demais instituições políticas. Nesse momento, a manifestação do Ministério Publico se faz necessário, porque instituição que exerce função essencial a Justiça, representando, na Corte, a sociedade politicamente organizada.

Essa manifestação se faz observado procedimento adotado pela atual Chefia do parquet: presente a Procurador Geral da Republica, Chefe do Ministério Publico da União e do Ministério Publico Federal, e por isso, com natural assento nesta Colenda Corte Superior de Justiça, e na voz de um dos membros da instituição, que em seu nome vem aqui exercendo suas altas funções, que a sociedade se manifesta.

Se considerarmos a período histórico entre a advento da Nova Republica e a tempo presente, podemos afirmar que a sociedade brasileira, não obstante a esforço que vem sendo dispensado para diminuir a hiato econômico e social existente nos diversos rincões do país, continua exposta a vários tipos de abuso – e ate mesmo a truculência – a que vem impondo, ao Estado, um ônus elevado, inclusive perante a comunidade internacional. Essa circunstancia, somada a desconfiança que algumas parcelas da sociedade nutrem em relação as virtudes do modelo que envolve as instituições nacionais, gera insegurança física e jurídica.

Assistimos, na realidade, verdadeira banalização de todas as formas de violência, desde a mais explicita, no cotidiano de nossas cidades, ate as formas mais sutis, presentes na exclusão de grande parcela da população da economia de consumo. O próprio debate publico sobre o futuro deste Pais recebe a impacto dessa violência.

Esse quadro de insegurança jurídica e violência mascara a cenário perfeito de uma sociedade que formalmente possui um sistema juridico­institucional que consagra liberdades individuais associadas a direitos de índole social, mas que ainda se encontra a procura da melhor forma de instrumentalizá-los na construção efetiva de um sistema verdadeiramente democrático para todos.

Entre as leis que regem as sociedades humanas, há uma que parece ser mais precisa e clara que todas as outras. Para que as homens permaneçam ou se tornem civilizados, é preciso que a arte de se associarem cresça e melhore na mesma proporção em que aumenta a igualdade de condições

Com essa reflexão, Tocqueville adverte claramente que as mudanças sociais e econômicas necessitam vir acompanhadas do desenvolvimento das instituições políticas, sob pena de serem essas mudanças, isoladamente consideradas, fatores de instabilidade política e de desordem.

Em   conseqüência, neste momento delicado da vida nacional, devemos refletir se as instituições que estruturam nos só sistema político tem atingido as elevados objetivos que lhes são atribuídos. Essa autocrítica mostraria a grandeza desses pilares sociais e a confiança que, com justiça, a sociedade deposita nelas. A evolução de nossa jovem democracia tem contado com esforço entusiasmado, e por vezes voluntarista, de idealistas que trabalham por uma sociedade que se desenvolve rumo a um sistema político transparente e socialmente justa.

Entretanto, ha ainda, entre nós, resquícios culturais de época em que a negativa de cidadania era a regra, sufocados que foram as direitos e garantias individuais e sociais em nome da segurança do Estado. Esse fato, somado ao lento amadurecimento de nossas instituições, faz com que notemos a adoção, pelo próprio Estado, nas diversas áreas de sua atua9ao, de princípios duvidosos, seja pela atuação do poder de policia que mascara a realidade e sua finalidade ultima, seja pela corporificarão de instituições que ainda não alcan9aram a plenitude da noção de interesse publico.

Garantia ao Indivíduo

Embora a Constituição de 1988 tenha imposto regras claras e marcos jurídicos evidentes por si, a ausência de procedimentos legais ágeis, que protejam a sociedade sem agredir as direitos do cidadão – ate constatada sua culpa – e que continuem a protegê-lo, depois dessa constatação, com um sistema punitivo ajustado à condição humana – não permite que cesse a insegurança – física e jurídica – que expõe nossa sociedade – e em especial a cidadão – à iniciativas voluntaristas, que ao invés de proteger, mostram a fragilidade da cultura básica em torno dos direitos individuais em nossa sociedade.

As Instituições necessitam refletir sobre os princípios que informam suas atividades. Se procurarem na sabedoria de nossa Constituição, verdadeiro repositório da soberania popular, poderão enxergar com clareza os valores que juraram um dia defender. Observarão que a “forma” dos atos praticados pelo Estado tem um conteúdo precioso: a de oferecer garantia ao indivíduo, verdadeiro critério que distingue o uso legítimo do poder, do uso ilegítimo.

Cabe lembrar que a luta pela imposição de limites diante do poder do Estado e herança antiga, de diversas tradições jurídicas que se desenvolveram simultaneamente. Desde a Idade Media, quando temos a elaboração de documentos fundamentais como a Magna Carta, passando pelo desenvolvimento do Estado moderno com a centralização e o monopólio da produção legislativa nas mão do rei e a posterior imposição de limites à tal poder por meio de “Cartas de Direitos” e Constituições, a civilização ocidental tem buscado uma forma de dotar o Estado da só quantidade de poder político necessária à consecução dos seus fins.

O fato é que a Lei em sentido formal, isto é, a norma jurídica editada e garantida pelo Estado, dotada de legitimidade agregada por meio de um processo legislativo, e um efetivo meio de controle do poder do Estado. Não somente porque é resultado das discussões parlamentares, mas porque a lei deve ser aplicada segundo para metros rígidos, sem margem para o arbítrio, ou qualquer de forma de interpretação, que não se cinja ao critério balizador do que é jurídico e do que é antijurídico.

Esse controle é o fundamento da liberdade que usufruímos em nosso sistema jurídico. Tal liberdade se consubstancia na possibilidade de exigirmos do Estado uma serie de abstenções que significam em ultima instancia a cuidado em não se impor ao cidadão ônus superior ao minimamente necessária.

Vale lembrar que a ideia de Estado de Direito foi construída em torno de valores e princípios que concretizam e dão uma feição histórica a este modelo de organização política. Em ultima analise estes princípios servem para elaborar regras de aplicação da lei, de tal modo que sejam evitadas fraudes as finalidades legais, isto e, atos estatais com aparente conformidade em relação a lei, mas na verdade contornando seus verdadeiros preceitos.

E incumbe ao Poder Judiciário a papel de grande fórum consagrador dos critérios de interpretação da lei, evitando assim a descontrole por parte do Estado na fruição de poderes que tem utilidade restrita a defesa do interesse publico.

Tem o Poder Judiciário, no Estado Democrático de Direito, relevantissimo papel, porquanto seus membros não emergem da manifestação da vontade política dos cidadãos, através do voto, qual ocorre com as demais Poderes, Executivo e Legislativo, e se renovam periodicamente. Por assim ser, desfrutam os membros do Poder Judiciário de um voto implícito de confiança da cidadania nacional.

Sentido da Lei

É a Vossa Excelência, Ministro Nilson Naves, cabe, neste momento delicado na vida nacional, conduzir o órgão superior do Poder judiciário Nacional, incumbido exatamente de interpretar e oferecer ao Estado e ao jurisdicionado a exato sentido da lei.

A sua biografia, brilhantemente detalhada na magnífica manifestação do Ministro Garcia Vieira, deixa extreme de duvida que sua pessoa condensa, provadamente, as características do líder, plenamente apto a dar continuidade a delicada missão, confiada ao Poder Judiciário desde que esta Nação passou a merecer o nome de Estado Democrático de Direito, na Constituição de 1988, e transformar a forma em substancia, vitalizando a cidadania, pois a desrespeito, a forma sinuosa de ofensa ao direito individual fere dramaticamente toda a sociedade.

A sociedade, tem plena confiança no Superior Tribunal de Justiça, hoje sob competente direção de Vossa Excelência, coadjuvado pela plêiade de Ministros que a integram, no tradicional equilíbrio, na sempre presente isenção e no necessário discernimento, predicados que nunca faltaram a essa qualificada magistratura, mas que como nunca exigidos no momenta atual, e bastantes a extremar as fatos da paixão e do tão propalado “clamor popular”, capazes de conturbar o juízo sereno e tradutores de mecanismo corrosivo e demolidor do Estado Democrático de Direito, por espelhar um retrocesso visível do processo civilizatório, conduzindo a culpa presumida, diametralmente oposta ao magno principio da presunção de inocência.

Confia a sociedade na habilidade de Vossa Excelência e de seus pares na contenção dos excessos. As instituições necessitam ser fortes, coesas. Mas essa fortaleza, essa coesão só se concretizarão sob o domínio pleno da lei, cabendo ao Poder Judiciário balizar a exata medida das ações por elas desenvolvidas, pois a ele é confiada a interpretação e a aplicação da lei, a qual se submetem os Poderes constituintes da União.

Não foi, certamente por outro motivo que um dos fundadores do Estado Moderno – Jean Jacques Rousseau ­histórico opositor de todas as formas de prepotência, arbítrio e uso desregrado do poder – no afã de colocar limites na ação estatal deixou aos agentes políticos magnífica advertência, assim sonante: “O mais forte, nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, a menos que transforme a força em direito e a obediência em dever”

O Ministério Publico augura a Vossa Excelência uma profícua gestão, que não se espera outra, em face de suas pretéritas obras, e confiante, espera se constitua em elemento catalisador das ações que permitam continue a Superior Tribunal de Justiça a contribuir para a introdução da Nação brasileira ao verdadeiro Estado Democrático de Direito, cujo principio sintetizador que encontra-se gravado na estrutura do vão principal deste edifício, colocando o homem como a medida de todas as coisas.

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