“O serviço do transporte coletivo é fundamental para a vida dos cidadãos”_Entrevista com Lélis Teixeira, presidente executivo da Fetranspor

30 de abril de 2009

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As empresas de ônibus do Rio de Janeiro lutam para manter seu serviço, o transporte de passageiros, atrativo e rentável apesar de todos os obstáculos. A concessão de cerca de 2 milhões de cartões de gratuidade, entre estudantes da rede pública, idosos, portadores de doenças crônicas e de deficiências físicas,  sem a indicação da devida fonte de custeio, por exemplo, representa um impacto considerável no seu faturamento. “São 9 milhões de viagens por dia, em média, enquanto o volume de passageiros não pagantes é de 25% do total”, afirma o presidente executivo da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), Lélis Teixeira.
Tendo como meta o aumento da mobilidade e a melhoria
na qualidade de vida das pessoas, a Federação pensa em implantar um dos sistemas mais modernos existentes no mundo, o BRT (Bus Rapid Transit), que, segundo o seu presidente, “envolve vias segregadas para ônibus de maior capacidade, com infraestrutura de estações modernas, compra antecipada de passagens e integração entre os modais. É um novo conceito de transporte, que gera uma cidade mais amigável”.
Existem ainda vários projetos pioneiros no segmento como o “EconomizAr”, responsável pelo controle de emissão de fumaça preta pelos veículos e o programa de aprimoramento profissional “Motorista Cidadão”, que, já certificou, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, 11 mil motoristas; além do plantio de 120 mil mudas de vegetação natural de mangue, em área próxima à praia de Mauá, no Município de Magé. “Todas essas ações refletem a consciência de que o serviço do transporte coletivo é fundamental para a vida de cada cidadão deste Estado e do País”, conclui Lélis Teixeira em entrevista à Revista Justiça & Cidadania.

Revista Justiça & Cidadania – Qual o impacto das gratuidades, que nos últimos anos têm beneficiado idosos, estudantes, portadores de deficiência, etc., sobre as empresas de transporte coletivo por ônibus?
Lélis Teixeira – A concessão de gratuidade, segundo a Constituição brasileira, implica necessidade de indicação da correspondente fonte de custeio. Tal exigência constitucional, no caso das gratuidades no transporte coletivo, não é cumprida na maioria dos municípios do Estado do Rio de Janeiro.
Existem hoje cerca de 2 milhões de cartões de gratuidade, entre estudantes da rede pública, idosos, portadores de doenças crônicas e de deficiências físicas. São 9 milhões de viagens por dia, em média, enquanto o volume de passageiros não pagantes é de 25% do total.
Existe também outro tipo de impacto, além do financeiro, que é aquele gerado pela própria insegurança do concessionário quanto às garantias contratuais. O Direito é um instrumento da estabilização da convivência. Quando é firmado um contrato com o Estado, é de se esperar que haja, por parte do contratado, uma confiança de que os termos serão mantidos. Quando há uma mudança de regras no meio do caminho, de forma unilateral, é gerado um abalo no concessionário, que passa a sentir-se inseguro para fazer investimentos e novos projetos.

JC – As empresas de ônibus costumam questionar isso legalmente? Caso positivo, já existe alguma decisão judicial que tenha arbitrado indenização reparadora aos concessionários?
LT – As empresas costumam questionar legalmente, mas sob a ótica de que para a concessão da gratuidade há que se indicar a fonte que vai custear essa benesse, como reza a Constituição Federal. Tanto é que as leis estaduais nº 3350 e nº 3339 e a lei municipal nº 3167 acabaram por ser declaradas inconstitucionais, exatamente por não fazerem essa indicação.
Quanto à reparação, pelo menos aqui no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, não foram pleiteadas quaisquer indenizações até esta data. O empresário tem se preocupado em assegurar a fonte de custeio. Ele não é contrário à gratuidade em si, apenas não pode concordar que sua concessão abale o equilíbrio econômico-financeiro de seu negócio.

JC – Como o senhor justifica o aumento da pirataria nos transportes e o que esse desvio na demanda representa para as empresas legalizadas?
LT – Vários foram os fatores que levaram ao aparecimento do transporte pirata e ao seu crescimento desordenado. A começar pela ausência de uma política pública de transportes, que “passasse a limpo” as cidades da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A falta de prioridade para o transporte coletivo nas vias, o crescimento irregular e desordenado da Região Metropolitana, criando novas demandas, a falta de revisão na própria oferta, a fim de adequar o serviço às novas realidades do espaço urbano e às necessidades de viagens atuais, os grandes congestionamentos que retêm as frotas, impedindo o coletivo de cumprir horário ou chegar ao seu destino em tempo razoável, todos esses fatores deixaram um espaço no atendimento ao cliente, que acabou por ser preenchido pelos ilegais.
Sem estar sujeitos a qualquer regulamentação, esses transportadores piratas ficaram livres do cumprimento de exigências legais como itinerários fixos, locais de parada pré-determinados, tarifas fixadas pelo Poder Público, pagamento de tributos, etc.. A demora na iniciativa de promover uma fiscalização mais eficiente permitiu o avanço dos transportadores ilegais.
Para o usuário desavisado, a maior preocupação é a de encontrar um transporte na hora em que ele quer para chegar ao destino pretendido no menor tempo de viagem possível. As vans e kombis ilegais pegam o passageiro em qualquer lugar e, uma vez com os assentos ocupados, não precisam mais parar. O itinerário é aquele decidido na hora, podendo, portanto, fugir de congestionamentos.
É preciso, no entanto, que as pessoas, ao escolherem um meio de transporte, tenham em mente que só o respaldo de uma empresa legalmente constituída e civilmente responsável pode oferecer a segurança de motoristas treinados, veículos onde é feita manutenção preventiva, além de ter condições de arcar com possíveis ônus, em  casos de acidentes.

JC –  De que maneira o serviço de transporte influencia na qualidade de vida das pessoas e dos centros urbanos onde habitam?
LT – O transporte e o trânsito têm enorme influência na qualidade de vida das pessoas e dos espaços urbanos. Quem mora em qualquer das nossas metrópoles sente isso em seu dia-a-dia.  A mobilidade é uma necessidade do homem desde os primórdios da civilização. Os tempos modernos fazem com que a velocidade nos deslocamentos seja imprescindível. Na contramão dessas necessidades, a conurbação de núcleos populacionais leva ao crescimento desordenado das regiões metropolitanas, com grande aumento do número de veículos nas ruas, principalmente  automóveis e motocicletas — vendidos de forma cada vez mais acessível à população —, e a incapacidade de se aumentar a malha viária com a rapidez que seria necessária para acompanhar o crescimento da frota provoca congestionamentos cada vez maiores. Isso tem um custo para a cidade: as perdas de produtividade são da ordem de 5%, a qualidade do ar piora, o nível de ruídos aumenta, assim como os índices de acidentes.
As horas perdidas no trânsito chegam a totalizar 3,5 anos na vida profissional normal de uma pessoa.
Para que possamos contar com cidades funcionais e agradáveis, é necessário que se invista no transporte coletivo. Soluções basedas em BRTs (Bus Rapid Transit) são o que existe de mais moderno no mundo e são adotadas em cidades como Bogotá (Colômbia), Jacarta (Indonésia), Quito (Equador), Otawa (Canadá), Rouen (França) e outras. O BRT é um sistema que envolve vias segregadas para ônibus de maior capacidade, com infraestrutura de estações modernas, compra antecipada de passagens, integração entre os modais. É um novo conceito de transporte, que gera uma cidade mais amigável.
No Rio de Janeiro, o empresariado de transporte está consciente dessa influência da atividade. O slogan adotado pela Fetranspor é “melhor transporte, melhor qualidade de vida”. O segmento é pioneiro no Brasil em termos de controle de emissão de fumaça preta pelos veículos, através do Projeto EconomizAr, já com 12 anos de existência. Com amplo programa ambiental, é responsável por ações como a antecipação da meta do Governo Federal de utilização do biodiesel B-5, recuperação de área de mangue, em parceria com a Fundação OndAzul e outras medidas. A fim de colaborar com as autoridades, estudos foram encomendados a três dos maiores escritórios de urbanismo do País e apresentados aos governos do Estado e da capital, com soluções que envolvem desde terminais rodoviários a pistas segregadas para ônibus. Programas de aprimoramento profissional visam a oferecer serviços cada vez melhores, operados por rodoviários melhor preparados. O Programa Motorista Cidadão já certificou, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, 11 mil motoristas. Estendendo a preocupação a todos os níveis hierárquicos, a Universidade Corporativa do Transporte (UCT), criada no ano passado, oferece cursos customizados para as várias atividades do setor. Todas essas ações refletem a consciência de que o serviço do transporte coletivo é fundamental para a vida de cada cidadão deste Estado e do País.

JC – Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) existem atualmente mais de 35  milhões de brasileiros sem acesso ao transporte por incapacidade econômica. O que a Fetranspor está fazendo para permitir a inclusão dessas pessoas dentre os usuários de transporte coletivo?
LT – Essa questão depende fundamentalmente de políticas econômicas e sociais dos governos, em seus três níveis. O que o segmento de transporte vem fazendo, sem grande sucesso, é lutar pela desoneração das tarifas, de forma a permitir o barateamento das passagens. Hoje, de acordo com a Associação Nacional de Transportes Urbanos (NTU) cerca de 31,4% do valor pago pelo passageiro corresponde a tributos incidentes sobre a tarifa.

JC – Diante da necessidade, cada vez mais premente, de manter a saúde da população e preservar o meio ambiente, quais atitudes a Fetranspor vem adotando para minimizar os danos causados pelas frotas de ônibus em circulação atualmente e  como está se preparando para cumprir a meta prevista na Lei Federal nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005, de inserção do biodiesel na matriz energética brasileira?
LT – Com relação à minimização de impactos, a Fetranspor, só com a atuação do Projeto Economizar, conseguiu economia anual de 50 milhões de litros de diesel, equivalendo a 135 mil toneladas de CO2 e 3 mil toneladas de material particulado não emitidos. Nas ações de compensação ambiental, foram plantadas 120 mil mudas de vegetação natural de mangue, em área próxima à praia de Mauá, no Município de Magé.
Este ano, a Fetranspor está criando o Centro de Serviços, para atendimento a empresas e sindicatos do setor, voltado para minimização dos impactos ambientais.  Entre os serviços previstos estão o início do monitoramento da poluição sonora dos veículos, consultoria para licenciamento ambiental, auditorias e perícias ambientais, destinação final de pneus e óleos lubrificantes e realização de inventário de emissão de gases de efeito estufa de cada empresa filiada.
Em parceria com o governo estadual, através do Inea, da Secretaria do Ambiente e da Secretaria de Transportes, os ônibus dentro dos padrões do Procon Fumaça Preta — ­mais rígidas que a legislação nacional vigente —, estão sendo identificados com o Selo Verde. O programa tem metas de redução de consumo de combustível, de emissões de gases de efeito estufa, além de prever compensação ambiental. Isto é parte do Programa Ambiental Fetranspor, que inclui também outras medidas.
Quanto à Lei nº 11.097, tem o foco no biodiesel B-5, ou seja, mistura de 5% de biodiesel ao diesel comum. As empresas de ônibus do Estado do Rio de Janeiro fizeram, em 2007, o maior experimento com o combustível, envolvendo frota de 3, 5 mil ônibus. Atualmente, toda a frota roda com biodiesel B-3 e a ideia é antecipar em 3 anos a previsão governamental, começando a utilizar o biodiesel B-5 já em 2010.

JC – A Fetranspor tem alguma grande parceria em andamento com a Secretaria de Estado dos Transportes?
LT – A postura da Fetranspor é de agir sempre em parceria, contribuindo seja com apresentação de projetos, seja com o trabalho em prol do aprimoramento dos trabalhadores do setor. O próprio projeto Procon Fumaça Preta, que acabei de citar, é realizado em parceria com o Governo do Estado. O segmento empresarial entende que entre o poder concedente e o concessionário há de haver forçosamente clima de colaboração mútua e constante.

JC – Como foi recebida pelo setor a decisão proferida recentemente obrigando o Estado do Rio de Janeiro a pagar indenização por ônibus queimado no ano de 2002? Existe estimativa dos prejuízos causados por incêndios e depredações dos coletivos?
LT – Trata-se de decisão sábia e justa, pois cabe ao Estado promover a segurança pública. O concessionário de serviços públicos precisa de ambiente propício para operar, assim como, fazendo-o em nome do Estado, este deve assegurar a integridade dos usuários desses serviços.
Quanto aos prejuízos, só em 2009, já somam R$ 4.730.000,00 (equivalente a 18 ônibus urbanos novos).
Nos últimos 10 anos, chegam a atingir R$ 75.000.000,00.