O Supremo Tribunal Federal

5 de novembro de 2003

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O Supremo Tribunal Federal comemorou os 175 anos da criação, a 18 de setembro de 1828, na Capital do Império, do Supremo Tribunal de Justiça, que marcou um momento decisivo do direito no Brasil.

A primeira forma do Supremo está ligada a Bernardo Pereira de Vasconcelos como a casa atual está ligada à de Rui Barbosa. Sua inteligência extraordinária estava atenta a todos os problemas nacionais. Bernardo Pereira de Vasconcelos justificara seu projeto, em agosto de 1826, dizendo que o Desembargo do Paço exercia suas atribuições “com grande vexame público”, mas criou uma instituição que vem assumindo, ao longo destes anos, papel central no equilíbrio de poderes, na harmonia da Nação.

O parlamentar Bernardo Pereira de Vasconcelos foi talvez para o 1º império, sobretudo para o Direito do 1º Império, o que Rui foi para a transição republicana. Preocupado com a dimensão tutelar do Estado,  formulou o Ato Adicional, o Código Criminal de 1830 – o primeiro da América Latina – , os cursos jurídicos, entre tantas leis, e nos deixou uma lição extraordinária.

O grande mineiro fora liberal e “incendiário” na Constituinte, ao lado de Antônio Carlos, de José Bonifácio, de Cairú e de tantos outros que marcaram profundamente o pensamento constitucional brasileiro naquele instante inaugural das nossas constituições. Fora defensor do direito de convocar os Ministros, uma das questões centrais na crise entre a Assembléia Constituinte  e o Imperador: “Qual de nós se curvará a um Ministro de Estado? Qual de nós não elevará sua voz (voz poderosa porque é a da Nação) para interrogar, refutar e argüir os Ministros de Estado”?

Quando criou o partido conservador, o partido “regressista”, se explicou: “Fui Liberal, então a liberdade era nova em país. Estava nas aspirações de todos, mas não nas leis, não nas idéias práticas; o poder era tudo; fui liberal. […} Como então quis, quero hoje servi-la, a pátria, quero salva-la e, por isso, sou regressista”.

Bernardo Pereira de Vasconcelos foi uma figura tão importante, com uma auréola de grandeza, inteligência e grande formulador de instituições políticas que naquele instante faziam começar o Brasil, que o senado do Império concedeu-lhe a faculdade de falar sentado, e ele falava sentado, cercado por uma aureola, respeitado por todo senado que ouvia em silencio o grande tribuno e o grande pensador da constituinte.

No centenário da Instituição do Supremo Tribunal Federal da República, lembrei a nova realidade que enfrentávamos juntos, o Brasil, o Supremo e Senado. Esta realidade em que temos que fazer o grande entendimento que permitirá à Nação obedecer ao seu destino de paz e Justiça Social.

Senado e Supremo são casas muito próximas. Próximas pelos laços formais, por estarem os membros de uma casa sujeito ao exame da outra; mas mais próxima pelos vínculos não escritos, pela idéia de estar apenas insinuadas nas qualificações constitucionais para os cargos: a da ponderação, a da responsabilidade, a da maturidade. Ambas as casas representam, na tradição do Estado Brasileiro, os princípios permanentes, a estabilidade institucional, a superação dos conflitos contingentes, a segurança final dos direitos.

A comemoração dos 175 anos da instalação daquela 1º Corte de Justiça, que na sucessão foi se transformando no Supremo Trubunal Federal, realiza-se em um momenmto em que o Brasil está em uma plenitude do estado de direito, em que todos nós caminhamos sem olhar sombras sobre as instituições do país. O Supremo Tribunal Federal não teve, em alguns momentos da história, essa oportunidade de comemorar grandes datas em situações como esta.

Em 1941, nos 50 anos do Supremo Tribunal Federal nós vivíamos sobre uma ditadura. O presidente Vargas, por um decreto, anulara uma sentença do Supremo Tribunal Federal e substituira em nome do poder executivo, o seu presidente. Outras vezes tivemos comemorações nas quais o Supremo Tribunal Federal sentia na sua própria carne restrições ao número de seus membros e intervenções.

O Brasil sempre foi, ao longo do tempo, um país que teve problemas e atos institucionais, mas nunca nenhum brasileiro, nenhum homem mesmo nos momentos de maior autoritarismo, pensou em fechar o Tribunal Superior Federal. O mesmo não aconteceu com o Congresso Nacional que algumas vezes foi fechado.

No decreto do príncipe regente D. João de 10 de maio de 1808, em que ele criava casa de apelação do Rio para que não se precisasse levar as causas até o Tribunal de Suplicação de Lisboa, está dito nos considerandos que aquele Tribunal se destinava a defender os direitos de propriedade, porque considerava a propriedade o fundamento da vida dos homens daquele tempo.

Quando veio o Supremo Tribunal Federal, Campos Salles, na sua exposição de motivos, disse que o Supremo Tribunal Federal é feito para guardar os direitos individuais.

E hoje, ao comemorar os 175 anos do Supremo Tribunal Federal, estamos dedicados a resguardar os direitos sociais.

A gente vê, na evolução desta Corte, como passamos do  pensamento dos direitos da propriedade absoluta, para os direitos individuais, e destes para os direitos sociais. E da guarda permanente destes direitos sociais está incumbido o Supremo Tribunal Federal.

Na cópia que temos do modelo americano, na colocação do Supremo Tribunal Federal como o pilar mestre de todas as nossas instituições, verifica-se que, quando começamos a instituir o Supremo Tribunal Federal, no começo da República, o decreto dizia que para exercer o cargo de ministro os cidadãos deviam ter as condições de elegibilidade dos senadores da República. Não falava em condições específicas, mas vinculava o Senado aos senadores.

O que quero ressaltar é que, àquele tempo, o poder moderador, que constituiu o equilíbrio durante todo o Império, era exercido pelo Imperador e também pelo Senado, que era tido como uma casa conservadora, que ajudava ao equilíbrio das instituições e que assegurava a estabilidade do país.

Com a fundação da República, essa transposição da noção do poder moderador é talvez a função principal do poder Judiciário nas democracias. Hoje, mais do que nunca, numa sociedade de conflitos, numa sociedade inviável sob o ponto de vista de conflitos, a Justiça é aquela que tem a condição de estabelecer o equilíbrio dentro da sociedade, de harmonizar os conflitos, de colocar-se, acima de tudo, como fiadora da Constituição e de colocar a Constituição como fiadora do pacto que o Estado de direito.

Repetindo Rui, que disse que o Supremo Tribunal Federal era a Casa guardiã, não somente da Constituição, mas da nossa pátria, reafirmo a certeza de que o Supremo Tribunal Federal saberá manter – e manterá – essa nova função que lhe é entregue pelos tempos modernos, de responsável pelo equilíbrio nacional, como o poder da moderação, o poder do equilíbrio, dirimindo todos os conflitos de uma sociedade democrática.