Edição

O término o governo Vargas em 1954

5 de agosto de 2004

Jornalista e Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa da ABI

Compartilhe:

O crime ocorrido na noite de 9 de agosto, em Copacabana, na rua Toneleros, que atentando contra Carlos Lacerda morreu o major Rubens Vaz, da Aeronáutica. Lacerda retornava em companhia do filho, Sérgio e de Rubens Vaz, seu segurança, de uma conferência no Externato São José, da Tijuca. Ao descer na frente do edifício que morava, do outro lado da rua saiu em sua direção um mulato empunhando revolver e atirando. Rubens Vaz se interpõe contra o agressor e cai ferido, Lacerda é também atingido. O mulato foge tomando um táxi na rua Paula Freitas que estava a sua espera. Os feridos são levados ao Hospital Miguel Couto, mas o major chegou ali morto.

Um vigilante municipal que se encontrava no local, anotou o número da chapa do táxi, fornecendo a informação à polícia. Era um táxi que fazia “ponto” na rua do Catete, nas aproximidades do Palácio do Catete. O motorista detido informou que fora contratado pelo investigador Climério de Almeida, da guarda pessoal da Presidência da República, Climério alertado fugiu tomando rumo ignorado. O inquérito da Polícia passou para o Ministério da Aeronáutica. Os orgãos de comunicação, jornais, emissoras de rádio e televisão fazem ampla divulgação dos fatos. Debates no Congresso Nacional.

O presidente Getúlio Vargas dissolveu a guarda e ordenou que Gregório Fortunato e demais elementos a ele subordinados fossem apresentados aos encarregados do inquérito no Galeão. Abrindo o Palácio aos encarregados do IPM. São arrolados como envolvidos com Gregório Fortunato: deputado Euvaldo Lodi, presidente da Confederação Nacional da Indústria, deputado Danton Coelho, ex-presidente do PTB, general Mendes de Moraes, ex-prefeito do Rio de Janeiro, Victor Costa, diretor da Rádio Nacional, Arquimedes Manhães e Roberto Alves, secretário do presidente.

No primeiro depoimento de Gregório apontou o general Mendes de Moraes que o influenciaram na execução do atentado. Euvaldo Lodi valendo-se da imunidade parlamentar não atendeu a convocação. Danton Coelho igualmente recusou-se a depor. Benjamin Vargas compareceu ao Galeão acompanhado de Oswaldo Aranha, eximiu-se de qualquer responsabilidade no atentado. Era imputado entretanto, de ter conhecimento do crime. O general Mendes de Moraes nega o seu envolvimento, assim como os demais relacionados.

Um antigo motorista do general confirma que Mendes de Moraes tivera relações com Gregório. Em conseqüência, o presidente do IPM, coronel Edil de Oliveira reitera a intimação ao general Mendes de Moraes, que continuou recusando atender a sua convocação. O Ministro da guerra, general Henrique Teixeira Lott e o chefe do Estado do Maior, general Fiúza de Castro pressionam Mendes de Moraes. A acareação não seria realizada no Galeão e sim no Ministério da Guerra. O general aquiesce. Gregório ao ser interrogado quem o induzira ao atentado, declarou o general Mendes de Moraes. Este em ato continuo levantou-se já com uma arma em punho, mas foi contido. Com a balburdia e confusão, a acareação foi suspensa e não mais reconvocada.

O inquérito na Polícia e no judiciário civil é encerrado com os julgamentos:

– Gregório Fortunato condenado a 25 de prisão; Alcino João Nascimento, o mulato-pistoleiro a 33 anos; Climério de Almeida, também condenado a 33 anos; João Antônio Soares, ligado à Climério na articulação do atentado a 26 anos; Nelson Raimundo de Souza, motorista que serviu Climério, inclusive na sua fuga, a 11 anos; João Valente de Souza, secretário  da guarda, a 2 meses.

O general Mendes de Moraes, argüindo incompetência da Justiça comum para processá-lo ou julgá-lo, conseguiu absolver-se.

A campanha contra Getúlio Vargas se desenvolveu no Congresso Nacional. O deputado Aliomar Balleiros propôs o impeachment contra o Presidente da República e o deputado Afonso Arinos, líder e em nome da UDN, PL (libertador), PR e PDC, colocam o projeto na ordem do dia. Ao ser votado a deposição é derrotada por 136 votos contra 37.

O vice-presidente Café Filho nessa situação mantinha-se numa dúbia posição. Havia proposto a renúncia de Getúlio e a sua. E mantinha encontros secretos com os dirigentes udenistas, acertando ao assumir a Presidência, uma composição governamental com a UDN e partidos aliados.

Diante dos libelos contra a presidente e os rumores insistentes de golpe, das hostilidades da Aeronáutica ter efetuado vôos rasantes de jatos sobre o palácio como advertência, Oswaldo Aranha na companhia de Danton Coelho e Miguel Teixeira foram falar com Getúlio Vargas. O presidente disse aos velhos amigos que diante da situação que estava vivendo, a solução menos ruim era o sacrifício pessoal. Já tinha dito à Café Filho ao lhe propor a renúncia: daqui só me tirarão morto.

Nesse mesmo dia teve outra visita, a do marechal Mascarenhas de Moraes, chefe do Estado Maior das Forças Armadas. A ele afirmou: “em 1945, eu estava no governo mantido pela vontade das armas. Atualmente, fui eleito pelo povo e não posso sair enxotado. Não renuncio e só saio morto e o meu cadáver servirá de protesto contra injustiça”.

A bravura pessoal de Getúlio Vargas era reconhecida. Valente até a inconsciência do perigo. Frio, calculista, mas humanista. Estava com 71 anos, embora envelhecido mantinha-se resoluto.

Depois dos encontros com os velhos amigos e com o Marechal, decidiu convocar uma reunião imediata do Ministério. Presentes os Ministros do Estado, com exceção de Vicente Raó, que estava em São Paulo, os chefes dos gabinetes civil e militar, auxiliares mais próximos. Presentes também o interventor Ernani do Amaral Peixoto e seu irmão, deputado Augusto do Amaral Peixoto, seus filhos Alzira, Lutero e Maneco, o deputado Doutel de Andrade como assessor de João Goulart, que levou consigo o jornalista Murilo Marroquim e José Talarico, acompanhante do Ministro do Trabalho.

O presidente ao abrir a reunião pediu para ouvir os Ministros sobre a situação. Deu primeiro a palavra aos Ministros militares. O general Zenóbio da Costa declarou que poder-se-ia resistir, mas isso custaria sangue, muito sangue e o resultado seria incerto. Dos 80 generais que serviam no Rio de Janeiro, 37 já haviam assinado o manifesto de apoio aos brigadeiros. O Ministro da Marinha, Almirante tinham Renato Guilhobel disse que a Marinha não pensava em levantar-se nem em depor o presidente, mas vários almirantes tinham assinado o manifesto dos brigadeiros. Epaminondas dos Santos titular da pasta admitiu que a situação na Aeronáutica era incontrolável.

Após a exposição dos Ministros militares, José Américo de Almeida exortou o presidente a que afugentasse com um grande gesto os espectros que o rondavam, sombrios e ameaçadores, admitindo a renúncia que deveria ser acompanhada de um manifesto à nação, expondo seus motivos. Apolônio Sales disse que a decisão pertencia ao presidente e que o acompanharia até o fim, disposição repetida por Hugo de Araújo Faria, Mário Pinotti e Edgard Santos. Tancredo Neves propôs que a situação fosse submetida ao Congresso Nacional e aos governadores dos Estados, não sendo acolhida, tendo em vista os acontecimentos, assim este expressou sua solidariedade ao presidente.

O presidente pediu que os pronunciamentos fossem mais conclusivos, a fim de que ele pudesse tomar uma resolução que representasse, em suma, os pensamentos do Ministério. O general Zenóbio da Costa declarou que não hesitaria em prender os generais sublevados e colocar as tropas na rua, repetindo que haveria derramamento de sangue. Alzira Vargas interrompeu o Ministro para declarar que os generais assinantes do manifesto eram apenas 13, todos sem comando e por isso incapazes de se rebelar. Danton Coelho, Ernani do Amaral Peixoto, general Caiado de Castro e Maneco Vargas se manifestaram pela resistência.

Oswaldo Aranha falou por último, dizendo que no seu ponto de vista só havia três soluções: a primeira seria a resistência pessoal, ao preço da própria vida e a qual se declarava solidário, a segunda àquela que o presidente desejava evitar, seria um balanço de forças fiéis para rechaçar militarmente qualquer tentativa contra a Constituição, e afinal restava a solução da renúncia, mas esta seria uma decisão de foro intimo.

A essa altura, com os ânimos exaltados o general Zenóbio da Costa, retirou-se da reunião, declarando que iria organizar a resistência. O presidente que até então ouvira todos em absoluto silêncio, tomou a palavra e declarou: “Já que o ministério não chega a nenhuma conclusão, eu vou decidir. Determino que os Ministros militares mantenham a ordem pública. Se conseguirem, eu apresentarei o meu pedido de licença. Caso contrário, os revoltosos encontrarão aqui dentro do palácio o meu cadáver.” E retirou-se da sala.

O general Zenóbio da Costa ainda foi alcançando por Oswaldo Aranha que informou a decisão do presidente Getúlio Vargas.

Os Ministros julgaram conveniente redigir um comunicado anunciando ao povo a decisão adotada. “Deliberou o presidente Getúlio Vargas com integral solidariedade dos seus Ministros, entrar em licença, passando o governo a seu substituto legal, desde que seja mantida a ordem respeitados os poderes  constituídos e honrados  os compromissos solenemente assumidos perante a nação pelos oficiais-generais das nossas  forças armadas. Em caso contrário persistiria inabalável no seu propósito de defender suas prerrogativas constitucionais com o sacrifício, se necessário de sua própria vida”.

O presidente Getúlio Vargas se recolheu aos seus aposentos. Às 6 horas da manhã, dois militares chegaram ao palácio levando uma intimação para Benjamin Vargas a comparecer imediatamente à base Aérea do Galeão, a fim de depor perante a comissão que investigava o atentado da rua Toneleros. Benjamin negou-se a cumprir a ordem sem consultar seu irmão, o presidente. Este determinou que: “se quiserem o meu depoimento que o façam aqui.” Dias depois o coronel Edil de Oliveira e os membros do IPM, negaram que tivessem expedido a referida intimação, concluindo-se que fora uma tentativa de  seqüestro. Um ardil para agarrarem Benjamin, apontado como protetor de Gregório.

Alzira também procurou o pai para informar que oficiais do Exército pediam autorização para prender Eduardo Gomes, Juarez Távora e outros  e outros conspiradores. O presidente argumentou  que a medida seria inútil àquela altura, estando à espera da resposta a seu pedido de licença.

O general Zenúbio da Costa voltou ao Ministério da Guerra, lá encontrou generais, almirantes e brigadeiros que decidiram que o pedido de licença constituía deposição. Getúlio Vargas não mais voltaria ao poder.

O General Moraes Ancora, comandante da 1º Região Militar, telefonou para Benjamin Vargas relatando a decisão de depor o presidente. Benjamin voltou ao aposento transmitindo a informação recebida. O presidente não mais descansou. Saiu do quarto para o seu gabinete de trabalho. Ao retornar, o camareiro notou que o presidente segurava  algo pesado no bolso do pijama. Às 8h e 30min ouviu-se um estampido. Dona Darcy, Alzira, Spartaco Vargas e o tenente Fitipaldi que se encontravam no 1º andar, correram para o 2º andar. Oswaldo Aranha também subiu pelo elevador privativo e eu  fui em sua companhia.

Depararam-se com o corpo do presidente recostado na cabeceira da cama, o seu braço direito caído de lado e no chão o revolver. Na mesinha junto à cama um manuscrito:“A sanha dos meus inimigos deixo o legado da minha morte. Levo o pesar de não ter feito pelos humildes tudo o que desejava”.

João Goulart que não viajara vai ao Palácio do Catete, levando consigo a carta que recebera no dia anterior do presidente que lhe recomendara seguir imediatamente para Porto Alegre e lá a abrisse. Ao seu lado Oswaldo Aranha leu a carta em voz alta, qualificando-a como a “Carta Testamento do Presidente Getúlio Vargas”.

O corpo embalsado no ataúde é colocado no hall de entrada do Palácio do Catete, transformado em câmara ardente. O impacto provocado pelo suicídio e a divulgação pelos órgãos de comunicação levaram milhares de pessoas, trabalhadores e  gente humilde ao palácio.

Na manhã de 25 de agosto, o corpo foi levado ao Aeroporto Santos Dumont, carregado nos ombros, em cortejo que reuniu a maior multidão da história do Rio de Janeiro e traslado para São Borja.

Durante o cortejo, houve incidentes do povo com os  contingentes da Aeronáutica e da Polícia Militar. Pretendendo impedir que a multidão  acompanhasse o corpo no interior do aeroporto, os soldados dispararam tiros e atiraram a cavalaria sobre as pessoas. Um sem número de vítimas, fatos omitidos pelos órgãos de comunicação sob censura baixada nessa data pelo governo da Guanabara.

Manifestações populares sucederam em todo o país, sobretudo nas capitais. No Rio de Janeiro ocorreram numerosos atos de repúdio, denunciando o envolvimento norte-americano na morte de Vargas, bem como as responsabilidades da UDN e dos partidos oposicionistas. Grupos percorreram as ruas da cidade, rasgando cartazes de propaganda eleitoral dos candidatos antigetulistas. As sedes dos jornais O Globo, Tribuna da Imprensa e Rádio Globo foram atacadas, dois caminhões de O Globo incendiados. Foram desferidos ataques à Embaixadas dos Estados Unidos e ao prédio Standat Oil,  rechaçados à bala por soldados, ferindo populares. Os edifícios da Ligth e da Telefônica também atacados. Em São Paulo, uma multidão tentou depredar o prédio dos Diários Associados. Em Porto Alegre queimaram as sedes de dois jornais antivarguistas – O Estado do Rio Grande do Sul, o Diário de Notícias e a Rádio Farroupilha. Depredaram ainda um banco e o Consulado Norte-americano. Em Belo Horizonte e no Recife  também ocorreram manifestações.

Em 26 de agosto, Getúlio Vargas foi sepultado no túmulo de sua família. Acorrem à São Borjas, milhares de pessoas que saíram de todos os recantos do Estado e de Santa Catarina para participarem do sepultamento.

João Goulart, Tancredo Neves e Oswaldo Aranha, por último preferiram emocionantes discursos de exaltação a Getúlio Vargas.

A morte de Vargas marcou profundamente a vida política nacional. A UDN e os partidos aliados tornaram-se governo com Café Filho. Entretanto, viu-se obrigada a recuar diante da reação popular. A UDN esperava uma grande vitória nas eleições de outubro de 1954 acabou sendo a principal derrota.

Novo alento à aliança PSD-PTB, a despeito de suas divergências ideológicas. E a sucessão presidencial elege Juscelino Kubitscheck de Oliveira e João Goulart, derrotando mais uma vez o brigadeiro Eduardo Gomes.

Artigos do mesmo autor