OAB Nacional em luta pela moralização da política

18 de novembro de 2016

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Cláudio-LamachiaPresidente nacional da Ordem, fala sobre as ações voltadas para defender a ética e combater a corrupção na política. O lançamento de um aplicativo para smartphones é a grande novidade para denunciar a prática de caixa 2.

A política está na mira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ao lançar uma campanha nacional de conscientização do voto, a entidade pretende mostrar a todos os cidadãos brasileiros que voto não é instrumento de negociação e as consequências dessa prática são sérias – na verdade, estão na origem dos problemas políticos que o Brasil enfrenta há anos.

Nesta entrevista, o presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, fala sobre o combate à corrupção e revela as ações que vêm sendo adotadas para ajudar a reverter a crise ética em que se encontra mergulhada a Nação. Uma das atuais batalhas da entidade é aprovar uma lei que criminalize a prática do caixa 2 – para o que foi lançado o aplicativo para smartphones “Contra o Caixa 2”, que permite a qualquer pessoa denunciar esta prática ilícita.

Lamachia também fala sobre os êxitos da Lava Jato, citando a operação como uma “prova de que já existem no País os instrumentos necessários para o combate à corrupção”, mas revela quais são as propostas feitas pelo Ministério Público, que vem recebendo apoio da OAB para extirpar o câncer da corrupção de nossa sociedade.

Justiça & Cidadania – Como a OAB está contribuindo para enfrentar a corrupção e para superar a crise ética no Brasil?

Claudio Lamachia – A Ordem dos Advogados do Brasil, ao longo de seus 85 anos de história, atuou em favor do avanço da democracia e lutou contra a ditadura militar. Recentemente é motivo de orgulho para a OAB ter proposto juntamente com outras entidades a Lei da Ficha Limpa, apresentada ao Congresso com o apoio de milhões de cidadãos, na forma de projeto de iniciativa popular. Foi também uma ação apresentada pela OAB que motivou o Supremo Tribunal Federal a proibir o investimento de empresas em partidos e candidatos, o que se demonstrou um grande avanço para a democracia. O próximo passo é aprovar uma lei que criminalize a prática do caixa 2.

A OAB está fazendo uma campanha nacional de conscientização do voto. Como ela funciona e qual é seu objetivo?

CL – Essa campanha tem o propósito de mostrar para os eleitores que voto não tem preço, tem consequência. Se temos maus políticos decidindo como o dinheiro público é usado e quais projetos são prioritários, é porque eles foram eleitos. Antes de votar, é preciso pesquisar sobre a vida dos candidatos. Do contrário, continuaremos a ter péssimos políticos definindo os rumos do país. Depois é preciso controle e vigilância na atuação dos eleitos. Sem isso, não há como mudar o cenário atual. As OABs estaduais e as subseções, nos municípios, montaram comitês de combate ao caixa 2 por todo o território nacional. Além de difundir a necessidade de votar com consciência, esses comitês ajudam no combate à corrupção recebendo e dando encaminhamento às denúncias de caixa 2 e outras irregularidades eleitorais. A OAB criou um aplicativo, já disponível para download, que as pessoas podem usar para registrar denúncias como fizeram no primeiro turno das eleições.

Como funciona esse aplicativo?

CL – O aplicativo se chama “Contra o Caixa 2” e está disponível para download nos sites de todas as OABs, na Apple Store e na Google Play. Basta escrever um relato sobre a denúncia no próprio aplicativo e clicar em enviar. A OAB recebe as denúncias, faz uma triagem e encaminha os casos que necessitam de apuração as autoridades responsáveis para adotar as providências e para que seja corretamente investigado.

Qual é sua análise sobre o atual cenário político?

CL – O momento é complicado, o país vive uma crise ética e moral sem precedentes. Até mesmo a superação da crise econômica depende da adoção de melhores valores éticos na gestão da máquina pública. Para superar a crise, é preciso não ceder à tentação de adotar soluções fáceis para problemas difíceis. Isso quer dizer, por exemplo, que não se pode mudar a Constituição de forma casuística. É preciso reagir contra qualquer tentativa de restringir os direitos fundamentais dos cidadãos, como o direito à saúde, à educação, à segurança e à Justiça. A perspectiva de melhora é real, mas só vai ser concretizada se forem preservados os valores democráticos e republicanos estabelecidos na Constituição Federal.

Se não é possível restringir direitos, o que precisa ser feito então?

CL – São várias medidas. Por exemplo, no campo do combate à corrupção, é preciso aprovar uma lei que defina o caixa 2 como crime. No campo social, é preciso assegurar o amplo acesso aos serviços fundamentais de saúde, educação, segurança e Justiça. Isso quer dizer que não se pode restringir o investimento nessas áreas. No campo de ajustes orçamentários, um bom primeiro passo é reduzir o número de cargos em comissão.

Autoridades investigativas, como o Ministério Público e a Polícia Federal, podem usar escutas sem autorização da Justiça para conduzir investigações?

CL – A Constituição diz que não podem. Escutas telefônicas só podem ser usadas se forem autorizadas pela Justiça e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Isso quer dizer que qualquer escuta feita sem cumprir esses requisitos é ilegal e, portanto, inválida. O agente público que age fora da lei deve ser punido. A lei brasileira também é muito clara ao dizer que não podem ser grampeadas conversas entre advogados e seus clientes.

É necessário mudar a Constituição ou restringir direitos individuais para enfrentar a corrupção?

CL – A própria Operação Lava Jato é a prova de que já existem os instrumentos necessários para o combate à corrupção. Ora, se ela é um sucesso como afirma o ministério público, qual a necessidade de restringir o manejo do habeas corpus e dos recursos penais? Evidentemente, as leis podem ser aprimoradas, mas sempre no sentido de garantir os direitos dos cidadãos. Não há nenhum motivo para alterar a Constituição e reduzir a liberdade que as pessoas têm de viver suas vidas privadas em paz. É preciso rechaçar qualquer proposta que resulte em retrocesso para a democracia.

O Ministério Público quer algumas mudanças na lei para aumentar o combate à corrupção. Isso é necessário?

CL – Algumas propostas feitas pelo Ministério Público são boas e são defendidas pela OAB há muito tempo. É o caso, por exemplo, da criminalização do caixa 2. A OAB conseguiu importante vitória para a sociedade ao obter, no Supremo Tribunal Federal, a proibição do investimento de empresas em partidos e candidatos. O compromisso do político deve ser com a sociedade, não com interesses econômicos. O próximo passo, agora, é criminalizar o caixa 2, essa medida é excelente. Outras propostas feitas pelo Ministério Público, no entanto, contrariam a concepção moderna de democracia e de república. Por exemplo, não se pode admitir o uso de provas ilegais nem a minimização do habeas corpus. Essas medidas são típicas de regimes autoritários, são inconstitucionais e inaceitáveis, representam um verdadeiro ataque ao Estado Democrático de Direito. Não existe combate à corrupção quando as autoridades incumbidas de realizar esse combate usam métodos ilegais.

As propostas foram subscritas por mais de dois milhões de eleitores, com o que se poderia dizer que é um pleito da sociedade?

CL – Há um vício de origem que compromete a legitimidade da apresentação do projeto de lei de iniciativa popular, eis que as pessoas que assinaram os formulários espalhados pelo país, o fizeram de boa-fé, na crença de que qualquer proposta de combate à corrupção mereceria adesão e aplauso. Entretanto, o conjunto das dez medidas tem 98 páginas, com inúmeros desdobramentos das ideias originais, lançadas em singelas frases, aos quais a população não teve acesso, não leu e, portanto, não teria como anuir. De maneira geral, o apelo é desmedido e desarrazoado, pois o arcabouço legal penal e processual penal em vigor vem permitindo, por exemplo, a própria Operação Lava Jato, que está a revelar a desnecessidade de mudanças legislativas drásticas.

Tem havido um debate sobre o uso de provas obtidas com meios ilegais. Qual é sua opinião sobre isso?

CL – É inaceitável que autoridades remuneradas com dinheiro público para fiscalizar o cumprimento da lei defendam o uso de provas obtidas de forma ilegal. No Brasil, os métodos ilegais mais frequentemente usados para obtenção de provas são a tortura, a falsificação de documentos e a espionagem da vida privada. Após décadas de luta contra ditaduras, não é possível aceitar uma proposta como essa. É impossível combater o crime cometendo outro crime, é uma ideia sem sentido nenhum. Numa sociedade marcada por forte desigualdade e sensação de injustiça, como é a sociedade brasileira, o Estado deve fortalecer os mecanismos que visem a reduzir a chance de erro judicial.