Edição

OAB se posiciona contra a corrupção e a impunidade

28 de fevereiro de 2010

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O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante Junior, ao assumir a presidência do Conselho Federal no dia 1º de fevereiro, em contundente pronunciamento, declarou perempto­riamente guerra contra a corrupção praticada por detentores de cargos públicos, com destaque formal às vergonhosas cenas públicas de propinas na Assembleia Legislativa de Brasília. Da sua fala, extraímos peças que realçam o firme propósito na defesa das prerrogativas profissionais, atuação permanente no atendimento das responsabilidades cívicas e morais da entidade e a denodada intenção de manter uma luta aberta e contínua contra o escalabro da corrupção, que inferniza e corrompe a administração pública federal, estadual e municipal.
“(…)
A Ordem dos Advogados do Brasil é resultado de uma obra coletiva, necessária para construir uma sociedade democrática. Ao longo de nossa história, trilhamos caminhos cheio de retas, de curvas, de subidas e até de despenhadeiros. Mas nunca caímos, graças à coragem de expressar, em todos os momentos, o pensamento libertário e independente, sem cores partidárias e sem vinculações ideológicas que não fosse o comprometimento com a Constituição.
À OAB, como tribuna da sociedade civil, estatutariamente comprometida com a defesa do Estado Democrático de Direito, da Constituição e das liberdades civis, cabe o papel de cobrar dos agentes públicos o cumprimento do dever, mantendo-se distante de governos e em sintonia com a população.
Nossa Bíblia é a Constituição e o ordenamento jurídico dela decorrente.
A luta pela redemocratização custou sangue, suor e lágrimas à população brasileira. Não pode ser comprometida pelo retorno, sob qualquer pretexto ou argumento, ao autoritarismo.
Não há ditadura de direita ou de esquerda. Há ditadura, experiência humana trágica que, sem qualquer exceção, produz apenas violência, atraso e injustiça, em seu sentido mais amplo e corrosivo.
(…)
O que precisamos é aprimorar as instituições, dotá-las de mecanismos que as tornem transparentes e decentes. A corrupção é uma de nossas maiores tragédias.
Dinheiro em meias; em cuecas; em bolsas; oração para agradecer a propina recebida são anomalias inconcebíveis, que demonstram total subversão de valores por parte dos que deveriam dar o exemplo.
As imagens falam por si, sim, mas expressam ainda um autismo revoltante, já que falam apenas para si, sem qualquer consequência penal para os infratores, que continuam em seus cargos e cinicamente ainda perdoam os que contra eles protestam.
Precisamos pôr um fim à impunidade. E isso não pode ser apenas uma frase de efeito, que não gera qualquer efeito. A sociedade não quer o perdão dos corruptos. Quer justiça! Ressarcimento do que lhe foi roubado.
Precisamos dar conteúdo jurídico à indignação cívica do povo brasileiro, promovendo uma faxina moral nas instituições. Elas são a instância civilizatória de uma sociedade. Quando perdem autoridade, põem em risco as conquistas históricas que fazem de um povo uma nação.
Estamos nesta circunstância: ou nos reencontramos com a decência ou naufragaremos. Nenhum país avança, nenhum país ingressa no Primeiro Mundo com as mãos sujas!
E o Brasil — o Brasil institucional, indispensável à democracia — carece de decência. Não são os índices do PIB que expressam o avanço de um país, mas a conduta moral de seus dirigentes.
(…)
A OAB, no mandato que ora se inicia, reafirmando seu papel histórico, não descansará — repito, não descansará! — um só minuto no combate intransigente à corrupção e à impunidade.
(…)
Nossa missão é retirar o Brasil da 75ª posição no ranking das nações mais corruptas do planeta, conforme o levantamento da ONG Transparência Internacional, divulgado em novembro de 2009.
Essa cultura perversa traz consequências danosas para os diferentes setores da vida brasileira. E é nesse cenário, com todas as suas limitações, que teremos que operar milagres.
Os poderes constituídos precisam assumir suas responsa­bilidades diante desse quadro. E há várias ações simultâneas a serem implementadas, cujo objetivo único pode ser resumido naquela Constituição que Capistrano de Abreu, há mais de um século, sugeriu para o Brasil:
‘Artigo 1º: Todo brasileiro deve ter vergonha na cara.’
‘Artigo 2º – Revogam-se as disposições em contrário.’
Vergonha na cara! Eis a receita básica de nossa emancipação! Somente com ela — e a partir dela — poderemos considerar a República efetivamente proclamada.
(…)
Essa virada ética depende de nós. Vamos exigir decência; vamos exigir e repudiar pelo voto aqueles que não têm vergonha na cara.
E como iniciar essa luta? Garantindo que o voto seja de fato o instrumento de libertação. Para tanto, é necessário, imprescindível, uma profunda reforma do atual sistema político, não limitada à revisão do sistema eleitoral, mas ampliada a outros setores da administração, com o objetivo de sanear uma das piores mazelas do setor público, que é a distribuição política — e perdulária — de cargos.
(…)
Hoje tenho a convicção de que a corrupção diminuirá se estimularmos mais pessoas de bem a ingressar na política. Mas, para isso, precisamos sanear esse ambiente, hoje irrespirável.
(…)
Não basta, porém, punir — embora seja indispensável fazê-lo. É preciso que, paralela e simultaneamente, haja um grande esforço no contexto educacional para reverter esse quadro.
É preciso inserir no currículo escolar a disciplina da Ética, mais especificamente, da Ética Pública.
(…)
Sem um Judiciário forte, prestigiado, não há Advocacia forte e prestigiada. São as duas faces de uma mesma moeda: a Justiça. É dever estatutário da OAB zelar pelas instituições jurídicas. Advocacia e Magistratura são papéis que se complementam na tarefa única de produzir justiça.
E é de justiça que o Brasil mais carece, para corrigir disparidades sociais e anomalias morais.
Há necessidade de ampliar os controles do Judiciário e do Ministério Público sobre si próprios; melhorar a estrutura e a gestão de ambos para que possam exercer na plenitude seu papel; trabalhar por novas práticas que os aproximem da sociedade.
Para exercer essa vigilância cívica — e contribuir nesse processo —, proponho a criação de um Observatório da Corrupção, que terá a missão de monitorar todas as denúncias que se encontram sob a análise do Judiciário em todo o país.
Para tanto, convoco as seccionais e subseções da OAB para que juntos façamos funcionar e possamos municiar com as informações necessárias esse observatório.
Nenhuma ameaça é maior à democracia, às conquistas do Estado Democrático de Direito e ao resgate da dívida social que essa perversa e maligna associação de corrupção e impunidade.
A ela chegamos não por falta de leis, mas talvez por excesso. O incontável número de leis processuais, que permitem que um mesmo processo obtenha inúmeros graus recursais e acabe prescrito pelo tempo, beneficia apenas o topo da pirâmide social.
Não funciona para o cidadão comum, que, além de não conhecer a lei, tem (quando tem) precário acesso à justiça. É preciso democratizar esse acesso. A reforma do Judiciário avançou quando criou o Conselho Nacional de Justiça, que colocou o Judiciário sob a supervisão da sociedade.
Mas é preciso avançar mais. É preciso rever a legislação infraconstitucional, as leis processuais.
Não se trata de suprimir a ampla defesa, sem a qual não há justiça, mas, sim, de impedir que, a seu pretexto, se protele a justiça, eliminando-a.
Também não se trata de simplesmente inverter o que aí está, levando a falta de justiça que há embaixo para o topo da pirâmide. Trata-se de levar justiça a todos, nos termos do que determina o artigo 5º da Constituição, de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
Sabemos que não funciona assim, que alguns são mais iguais que os outros. Sabemos que, nas delegacias do país — aqui mesmo, na capital federal —, a tortura e a violência são ainda os métodos investigativos por excelência.
Sabemos que incontáveis prisões são feitas de maneira irregular, sem mandado judicial, sem flagrante, sem conceder à vítima o direito a um advogado, que na maioria das vezes está fora de seu alcance econômico — e as defensorias públicas, que poderiam supri-lo, são ainda incipientes.
(…)
Coragem, destemor, independência, autonomia, responsabi­lidade são as nossas armas para lutar por justiça; por uma sociedade menos desigual. E o fazemos com espírito de doação, sem receber nenhum centavo do Poder Público.
(…)
Trago comigo o sentimento de que é no campo da ação prática, mediante propostas novas e modernas, que melhor poderemos escrever uma história de avanço social.
Trago comigo o exercício da convergência para que haja mais pontes entre as margens distantes.
Trago comigo, principalmente, a alegria de trabalhar.
Por isso, assumo esta nobre missão de coração aberto.
A todos, o meu mais afetuoso abraço. Que Deus nos ilumine e nos permita cumprir fielmente este mandato.
Muito obrigado.”