Orpheu Santos Salles, Quixote do século XXI

30 de novembro de 2011

Membro do Conselho Editorial, advogado, ministro aposentado, ex-presidente do STF e do TSE

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Conheci o jornalista Orpheu dos Santos Salles logo que ingressei no Supremo Tribunal Federal, nos anos 1990. Homem gentil, generoso, fez-se meu amigo. Com o passar do tempo, passei a admirá-lo. De uma feita, conversando com Orpheu, perguntou-me ele o que eu pensava do Quixote. Disse-lhe, então, que o Quixote era a expressão maior do idealismo. Querer salvar o mundo, é extraordinário; julgar que é o salvador do mundo, é ridículo, já o proclamara Santiago Dantas, escrevendo sobre o Quixote. A notável obra de Cervantes deve ser assim entendida. O Quixote não se julga o salvador do mundo. O Quixote quer salvar o mundo. E acrescentei: o Quixote, Orpheu, é o meu herói.

Eleito presidente do Supremo Tribunal Federal, em 1999, numa homenagem que me prestaram, no Rio de Janeiro, bons amigos, liderados pelo desembargador Gilberto Rego, Orpheu, à frente da Revista Justiça & Cidadania, que instituíra a “Ordem do Quixote”, conferiu a mim e ao ministro Marco Aurélio, eleito vice-presidente, o troféu “Dom Quixote”, o que nos fez felizes.

E de lá para cá tenho observado a trajetória de vida de Orpheu. É com muita alegria que reconheço que Orpheu é o próprio Quixote do Século XXI. O seu passado foi de luta, luta ingente. Amigo pessoal do presidente Getúlio Vargas, tornou-se oficial do gabinete do Presidente da República. Posteriormente, foi designado Chefe da Delegacia do Trabalho em Santos. Com o suicídio de Vargas, em 1954, acabou demitido. E demitido porque, homem do direito e das causas sociais, foi quem, como chefe da Delegacia do Trabalho, em Santos, monitorou e declarou, pela primeira vez no Brasil, a legalidade de uma greve. Isso lhe valeu a demissão do cargo a bem do serviço público.

Foi convocado pelo vice-presidente João Goulart, em 1955, a assumir a assessoria trabalhista e sindical da Presidência da República. Depois, na iniciativa privada, assumiu a diretoria de jornalismo da Rádio Marconi, em São Paulo. Ali, mantinha programa diário, dirigido aos trabalhadores, incentivando-os à sindicalização e a reivindicar os seus direitos.

Vitoriosa a revolução de março de 1964, Orpheu é preso no DOPS de São Paulo. Dois meses após, foi transferido para um navio presídio, em Santos, onde permaneceu durante seis meses.

Libertado, exilou-se no Uruguai e na Argentina. Quando lhe foi possível regressar à Pátria, foi ganhar a vida, na iniciativa privada, com independência, patriotismo e altivez, como jornalista e empresário.

Criou a Revista Justiça & Cidadania, que instituiu a “Ordem do Quixote”, conferindo o troféu a magistrados, parlamentares, juristas, membros do Ministério Público, advogados, empresá­rios, que se distinguem na defesa da cidadania, da democracia, na luta pela liberdade, pela justiça. Todos os anos, o Supremo Tribunal Federal abre as suas portas para Orpheu dos Santos Salles. Lá, com a dignidade e a respeitabilidade do palácio do Supremo, a “Ordem do Quixote” é conferida aos que a ela fazem jus. E o Supremo Tribunal abre as suas portas para Orpheu e
a Revista Justiça & Cidadania, porque em Orpheu reconhece um homem generoso, correto, idealista, que, chegando aos noventa anos de idade, não deixou esmorecer na sua alma o sentimento de luta, da boa luta em favor da justiça, da liberdade, da cidadania, da Pátria.

É assim o Orpheu dos Santos Salles, que comemora 90 anos de uma vida toda dedicada, com entusiasmo, às boas causas, às causas nobres. Bem por isso, ele é, sem dúvida, a expressão moderna do Quixote.

Salve, Orpheu, Quixote do Século XXI!