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Parafiscalismo Estatal: Finsocial

18 de março de 2013

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Nos fins da década de 1989, início da década de 1990, a sanha parafiscalista mostrou-se de tal forma insaciável, facilitada pela edição de medidas provisórias, que quase todos os aumentos de alíquotas e recolhimentos indevidos vieram a ser declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

Tudo começou com a recepção do FlNSOCIAL, instituído pelo Decreto-Lei nº 1.940, de 25 de maio de 1982, pela atual Constituição. Esse diploma legal institui uma contribuição social destinada a custear investimento de caráter assistencial em alimentação, habitação popular, saúde, educação e amparo ao pequeno agricultor (art. 1º), correspondente a alíquota de 0,5% (meio por cento) incidente sobre a receita bruta das empresas públicas e privadas que realizam venda de mercadorias, bem como das instituições financeiras e das sociedades seguradoras (art. 1º, § 1º) e de 5% (cinco por cento) para as empresas privadas que realizam exclusivamente venda de serviços, incidente sobre o valor do Imposto de Renda devido, ou como se devido fosse (art. 1º, § 2º). Apenas a venda de mercadorias ou serviços destinados ao exterior, nas condições estabelecidas pela portaria do Ministro da Fazenda, ficaram fora do seu âmbito de incidência.

Contribuição social e a Constituição

No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a atual Constituição cuidou de preservar essa contribuição social, estabelecendo, no seu art. 56, que:

“Até que a lei disponha sobre o art. 195, I, a arrecadação decorrente de, no mínimo, cinco dos seis décimos percentuais correspondentes a alíquota da contribuição de que trata o Decreto-Iei nº 1.940, de 25 de maio de 1982, alterada pelo Decreto-lei nº 2.049, de 1º de agosto de 1983, pelo Decreto nº 91.236, de 8 de maio de 1985, e pela Lei nº 7.611, de 8 de julho de 1987, passa a integrar a receita da seguridade social, ressalvados, exclusivamente no exercício de 1988, os compromissos assumidos com os programas e projetos em andamento.”

Essa alíquota (0,5%) veio a ser acrescida de 0,1% apenas no exercício de 1988, na forma do Decreto-lei nº 2.397/87, o que no entanto foi ignorado pelo legislador constituinte ao se referir, no art. 56 do ADCT, a “cinco dos seis décimos percentuais”.

Seguridade social: fontes de custeio

Já na vigência da atual Constituição, sobreveio a Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988, em que se converteu a Medida Provisória nº 22.188, instituindo uma contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, destinada ao financiamento da seguridade social (art. 1º), tendo por base de cálculo da contribuição o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda (art. 2º), pelas alíquotas de 10% da receita bruta, no período de 10 de janeiro a 31 de dezembro de cada ano, no caso de pessoa jurídica desobrigada de escrituração contábil (§ 2º, art. 2º), e de 8% para as empresas comerciais (art. 3º), sendo de 12%, no exercício de 1989, para as instituições referidas no art. 1º do Decreto-lei nº 2.426, de 7 de abril de 1988 (paágrafo único, art. 3º).

Essa contribuição foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, à exceção do resultado apurado no período base encerrado em 31/12/88, como previsto no seu art. 8º, tido por inconstitucional (RE nº 140.733). No seu art. 9º, a Lei nº 7.689/88 manteve as contribuições previstas na legislação em vigor, incidentes sobre a folha de salários e a de que trata o Decreto-lei nº 1.940/82, e alterações posteriores, incidente sobre o faturamento das empresas, com fundamento no art. 195, I, da Constituição, o que veio a ser considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (RE nº 150.764-1/PE).

Numa situação privilegiada, desobrigada do recolhimento dessa contribuição, ficaram as empresas públicas ou privadas que realizaram exclusivamente venda (prestação) de serviços — pela identidade de destinação e base de cálculo com a contribuição social instituída pelo art. 1º da Lei nº 7.68988 —, até que a Lei nº 7.738, de 9/3/89, as incluísse novamente no rol dos contribuintes para o FINSOCIAL à alíquota de 0,5% sobre a sua receita bruta (art. 28), inclusão que veio a ser declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (RE nº 150.755-1/PE).

A essa legislação, seguiu-se a Lei nº 7.787, de 30/6/89, instituindo contribuição das empresas e das entidades ou órgãos a elas equiparados, destinada à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários (art. 3º), ao mesmo tempo em que elevou as alíquotas do FlNSOCIAL do Decreto-lei nº 1.940/82 (art. 1º, § 1º) e da Lei nº 7.738/89 (art. 28), fixando-a em 1%. Seguiram-lhe a Lei nº 7.894, de 24/11/89, elevando a alíquota para 1,2% (art. 1º) e a Lei nº 8.147, de 28/12/90, para 2% (art. 1º); leis essas que vieram, juntamente com o art. 9º da Lei nº 7.689/88, a serem declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (RE nº 150.764-1/PE). Da mesma forma, declarou o Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade da expressão “avulsos, autônomos e administradores” no inciso I do art. 3º da Lei nº 7.787/89, por considerar que as parcelas pagas àqueles trabalhadores não integraram a “folha de salário” (RE nº 177.296).

Nova Contribuição Social: COFINS

A contribuição para o FINSOCIAL (Decreto-lei nº 1.940/82) vigeu até que a Lei complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, viesse a instituir a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, devida pelas pessoas jurídicas, inclusive, as a elas equiparadas pela legislação do Imposto sobre a Renda, destinadas exclusivamente às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social (art. 1º), pela alíquota de 2% sobre o faturamento mensal, assim considerada a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza (art. 2º). Da mesma forma que seus congêneres, isentou da contribuição a venda de mercadorias e serviços destinados ao exterior, nas condições estabelecidas pelo Poder Executivo (art. 7º).

COFINS como sucessor do FINSOCIAL

Sem dúvida, essa contribuição social, vulgarmente denominada “COFINS”, instituída pela Lei Complementar nº 70/91, veio substituir a contribuição para o FINSOCIAL, versada no Decreto-lei nº 1.940/82, tanto que, sem poder fazê-la subsistir, revogou-a expressamente no seu art. 13, verbis:

“Art. 13. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do mês seguinte aos noventas dias posteriores àquela publicação, mantidos, até essa data, o Decreto-lei nº 1.940, de 25 de maio de 1982, e alterações posteriores, a alíquota fixada no artigo 11 da Lei nº 8.114, de 12 de dezembro de 1990.”

Bases constitucionais do FINSOCIAL e da COFINS

A Lei Complementar nº 70/91 foi editada com fundamento no inciso I do art. 195 da atual Constituição, que destina à Seguridade Social as contribuições sociais “dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro”; o Decreto-lei nº 1.940/82 foi editado com base no inciso II do art. 55 e no § 2º do art. 21 da anterior Constituição, que atribuía competência à União para instituir contribuições para atender diretamente à parte desta no custeio dos encargos da previdência social.

A contribuição para o FINSOCIAL (Decreto-lei nº 1940/82) incidia sobre a “receita bruta” das empresas vendedoras de mercadorias, instituições financeiras e sociedades seguradoras (art. 1º, § 1º); sobre o valor do Imposto sobre a Renda devido, ou como se devido fosse, das empresas que realizam exclusivamente venda de serviços (art. 1º, § 2º), e, depois, sobre a “receita bruta” (art. 28 da Lei nº 7.738/89); a COFINS (Lei Complementar nº 70/91) veio a incidir sobre o faturamento mensal, assim considerado a “receita bruta” das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza (art. 2º). Não podendo manter duas contribuições sociais, incidentes sobre a mesma base de cálculo, com fundamento no mesmo preceito constitucional (art. 195, II), a COFINS veio a substituir o antigo FINSOCIAL, dando exato cumprimento ao disposto no art. 56 do ADCT, que preservara a contribuição do Decreto-lei nº 1.940/82 apenas até que a lei dispusesse sobre o art. 195, I, da Constituição. Essa realidade é tão gritante que é difícil não enxergá-la.

Objetivos comuns do FINSOCIAL e da COFINS: Receita da Seguridade Social

Embora os recursos do extinto FINSOCIAL se destinassem, originariamente, ao custeio de investimentos assistenciais (alimentação, habitação popular, saúde, educação e amparo ao pequeno agricultor), DL nº 1.940/82, art. 1º, o fato é que, a partir da Constituição de 1988, passaram a constituir receita da seguridade social (art. 56 do ADCT), ressalvados, exclusivamente no exercício de 1988, os compromissos assumidos com os programas e projetos em andamento. Esta é outra realidade que não tem merecido a devida atenção do intérprete. Se os recursos do FINSOCIAL (ADCT, art. 56), e os da COFINS (LC nº 70/91, art. 1º) são destinados à seguridade social e se os primeiros passaram a integrar a receita da seguridade social (ADCT, art. 56), e os segundos integraram igualmente o Orçamento da Seguridade Social (LC n. 70/91, art. 1º).

Atos normativos: alcance e limitação

Nos termos do art. 97, VI, do CTN, somente a lei pode estabelecer as hipóteses de “extinção de créditos tributários” — o que veio a ser feito pelo § 1º do art. 66 da Lei nº 8.383/91 —, cabendo aos atos normativos, enquanto normas complementares, apenas as instruções necessárias ao cumprimento do disposto no art. 66, pelo que extrapolou a IN 67/92 das suas funções instrutórias, criando, através de “códigos”, restrições que a lei não comporta. Neste ponto, deve ser afastada, por inconteste ilegalidade.

Os atos normativos — dentre os quais as instruções normativas —, têm por objetivo “dar orientação geral aos contribuintes e instruir os funcionários públicos que estão encarregados da parte administrativa referente aos tributos”, devendo, “por questão da hierarquia que existe entre as leis, estar em conformidade com o diploma legal ao qual são pertinentes” (LUIZ EMYGDIO F. DA ROSA JÚNIOR). No mesmo sentido, CELSO BASTOS, para quem os atos normativos veiculam normas genéricas e abstratas, com o propósito de tornar o regulamento ainda mais minudente, e, muitas vezes, interpretam determinado ponto sujeito à atuação administrativa.

Em sede pretoriana, assim se posicionou o Supremo Tribunal Federal:

“As Instruções Normativas, editadas por órgãos competentes da Administração Tributária, constituem espécies jurídicas de caráter secundário, cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis, tratados, convenções internacionais, ou decretos presidenciais, de que devem constituir normas complementares. Essas instruções nada mais são, em sua configuração jurídico-formal, do que provimentos executivos cuja normatividade está diretamente subordinada aos atos de natureza primária, como as leis e as medidas provisórias, a que se vinculam por um claro nexo de acessoriedade e de dependência. Se a instrução normativa, editada com fundamento no art. 100, I, do Código Tributário Nacional, vem a positivar em seu texto, em decorrência de má interpretação da lei ou medida provisória, uma exegese que possa romper a hierarquia normativa que deve manter com estes atos primários, viciar-se-á de ilegalidade e não de inconstitucionalidade” (g.m.) (Adin n. 365-8-DF (AgRg), ReI. Min. Celso de Melo, STF, Plenário, un., DJ 15/3/91, p. 2645).